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JANIO DE FREITAS
Nada de anormal
Os oposicionistas mais
ativos, principalmente os
aprendizes de agitadores nas
CPIs, gostam de dizer que estamos diante do maior caso de
corrupção havido em um governo brasileiro. Nem se imagina até onde irão as descobertas
de contas, depósitos, saques e
seu afortunado montante, o
que condena a tese oposicionista por precipitação. Além disso,
mais importante, muita gente
bem qualificada tem a convicção de que as privatizações, elas
sim, motivaram uma engrenagem de corrupção sem igual.
Não só pela dimensão financeira, como pela desfaçatez - tolerada, senão abençoada, pela
mídia.
O aspecto mais grave da corrupção no Brasil não está, porém, no montante de tal ou
qual caso. Está na continuidade permitida pela falta da punição adequada e na generalização crescente. A sociedade brasileira está infiltrada de corrupção em todos os setores. No caso, nem a regra da costumeira
exceção existe.
Lula vangloria-se, no entanto, das operações e prisões feitas
durante seu governo: "Nenhum
governo combateu tanto a corrupção" é uma de suas frases
prediletas. Em dois gêneros, de
fato, a eficiência da Polícia Federal aumentou muito: contra
quadrilhas de traficantes de
drogas, no que conta com preciosas informações de agentes
americanos agindo aqui; e contra a sonegação de impostos, no
que é orientada pelas informações da Receita Federal e do
Ministério Público.
Mas não é desses crimes que
se trata quando se fala de corrupção. É daqueles outros de
que o candidato Lula falava,
quando assumia um dos seus
mais estimulantes compromissos: "vou acabar com a corrupção no governo", "no meu governo quem for corrupto vai
para a cadeia".
O Tribunal de Contas da
União, que andou um tanto sumido, volta a merecer a atenção que a mídia, porém, não lhe
dá. Órgão auxiliar do Congresso para a fiscalização administrativa do governo, o TCU está
apontando irregularidades em
168 obras atuais de ministérios
e de estatais. Cerca de um terço
das que tiveram seus contratos
e andamentos sob exame. Orçamentos absurdamente altos,
superfaturamento, irregularidades contratuais, e outros indícios, são de tamanha gravidade que levam o TCU a recomendar a suspensão imediata
de pelo menos 81 das obras.
Os 168 casos com irregularidades resultariam de falhas nas
concorrências, contratações e
andamentos, por incapacitação
técnica dos responsáveis? É
mais fácil acreditar na lisura de
Marcos Valério, Delúbio Soares
& cia ilimitada. O caso da Petrobras vale como ilustração
definitiva: seu corpo técnico é
reconhecido no mundo pela
competência extraordinária,
mas em todas as obras da empresa - repito: em todas - o
TCU encontrou irregularidades.
Atribuir esse quadro a Lula
seria de má-fé. Mas aí estão
duas comprovações. Uma, a de
que a corrupção penetra toda a
administração pública. Outra,
a de que o governo Lula tem feito pouco ou nada para reprimi-la. Isso, no âmbito da administração propriamente. No das
relações entre política e administração, a atitude é pior. E aí
não há como isentar o próprio
Lula de parte da responsabilidade.
Depois de declarar, várias vezes, que o problema Severino e
sua sucessão são assuntos da
Câmara, nos quais o governo
não interviria, Lula decidiu impor um candidato à nova presidência, Aldo Rebelo. Indicação
problemática, mal recebida até
na "base aliada", precisou
acompanhar-se de uma providência facilitadora: meio bilhão liberados para usos sugeridos por deputados. Providência
que se tornou corriqueira. Mas
corriqueira porque a corrupção
também se tornou corriqueira.
É claro, nessa prática que se torna habitual, a tentativa de suborno. É essencialmente de corrupção política que se trata.
Não leva o carimbo da SMPB
de Marcos Valério porque já leva timbre da Presidência da
República. Para um presidente
que vinha acabar com a corrupção, não deixa de ser uma
equivalência de atos muito eloquente.
Uma breve passada de olhos
pela decisão do TCU e pela relação Planalto/Câmara faz entender que nada há de anormal
no que as CPIs têm revelado.
Inesquecível
A par da coragem e da determinação de acima de tudo defender seus ideais, como dele já
se disse tanto, Apolônio de Carvalho tinha um traço peculiar
que me provocava curiosidade.
Um dia imaginei ter encontrado a resposta: a retidão incomparável de Apolônio levou-o a
juntar, como uma coisa só, a
doçura e a inteireza dos que fizeram o que devia ser feito - a
vida passada não lhe trazia peso algum, nem de fendas abertas, nem de dívidas esquecidas,
nem de gestos incompletos.
Guardo com uma sensação de
humor a sua imagem no arremedo de banco traseiro do meu
KarmanGhia, onde teimava
em dobrar-se, deixando a outro
o banco da frente. Talvez para
ficar menos exposto aos carros
da repressão nas madrugadas
do Rio, certamente para não
abrir mão de sua gentileza por
causa, ora veja, de uma ditadura. Apolônio de Carvalho: um
ser monumental.
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