São Paulo, segunda-feira, 25 de setembro de 2006

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ENTREVISTA: MARCO AURÉLIO GARCIA

Lorenzetti tem culpa gigantesca no escândalo

Para petista, dossiê "prejudica" diálogo com oposição em eventual 2º mandato

Alan Marques - 21.set.2006/Folha Imagem
Marco Aurélio Garcia, que assumiu a coordenação de campanha após Berzoini ter deixado posto


ELIANE CANTANHÊDE
COLUNISTA DA FOLHA

Novo coordenador da campanha de reeleição do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, Marco Aurélio Garcia, 65, defendeu ontem levar o caso da compra de um dossiê contra tucanos à comissão de ética no PT. Ele chamou o caso de "patacoada" e não passou a mão na cabeça de Jorge Lorenzetti, integrante da campanha e amigo-churrasqueiro do presidente.
"Se ele tinha responsabilidades tão centrais, ele obviamente tem uma culpa gigantesca nisso."
Professor licenciado de história internacional da Unicamp e vice-presidente do PT, Garcia foi pródigo em adjetivos ao falar da operação frustrada e disse que é uma "fantasia absoluta" imaginar que desde 1989 o partido tem um "núcleo de inteligência" para produzir denúncias contra adversários. Leia a seguir trechos da entrevista concedida à Folha.

 

FOLHA - Vai ter segundo turno?
MARCO AURÉLIO GARCIA
- Há todas as condições para a eleição fechar no domingo, mas, desde o início da campanha, estamos preparados para dois turnos.

FOLHA - A diferença entre o presidente Lula e os adversários caiu muito, chegando a oito pontos no Datafolha e a três no Ibope.
GARCIA
- Já tínhamos essa expectativa de que reduzisse. No fim de campanha, o esforço de quem está atrás é muito maior do que quem está na frente.

FOLHA - Qual a gravidade da nova crise com a compra do dossiê e quais seus efeitos?
GARCIA
- Tanto o governo quanto o partido estão muito tranqüilos no que diz respeito ao envolvimento, ou não-envolvimento, seja do candidato seja da cúpula do partido. Foi, sem dúvida, uma Operação Tabajara, só que uma Operação Tabajara grave em vários sentidos. Não corresponde a uma prática republicana nem ao estilo do Lula. E que interesse nós poderíamos ter? Nenhum.

FOLHA - Mas são pessoas muito próximas do presidente.
GARCIA
- Historicamente próximas, mas não que estivessem privando politicamente da proximidade do presidente.

FOLHA - Como é possível que pessoas tão "historicamente próximas" pudessem estar fazendo isso à revelia do presidente?
GARCIA
- Mais do que à revelia do presidente, à revelia da coordenação da campanha. Sou membro da coordenação e nunca ouvir falar nisso.

FOLHA - E por que Berzoini caiu?
GARCIA
- Na medida em que o nome dele foi envolvido, inclusive de maneira irresponsável, dizendo que ele estaria informado, ele se transformou num alvo de especulações políticas. Ora, uma pessoa que seja alvo de especulações políticas não está em condições de coordenar uma campanha política, teria de passar a maior parte do seu tempo dando explicações. Se houve alguém que achou que estava fazendo um bem para o partido e para a candidatura com esse suposto dossiê, foi um equívoco brutal. Não temos antecedente nenhum nessa área.

FOLHA - Não? Esse núcleo de inteligência do PT não vinha atuando desde 1989 contra os adversários?
GARCIA
- Isso é fantasia absoluta. Desde 1991 participo da direção do PT e nunca ouvi falar.

FOLHA - Isso foi usado contra a candidatura do Ciro Gomes em 2002, não foi?
GARCIA
- É outra fantasia. Seria impossível que uma coisa dessas existisse no partido sem um mínimo de conhecimento. E mais: o PT tem sido um partido devassado pela mídia, de forma exaustiva, e esse tema nunca aparece. Até porque esse tipo de atividade não funciona. Ações de inteligência em geral se revelam ações de extrema burrice. Se houvesse um serviço desses desde 1989, era de se supor que tivessem aprendido algo. Pelo contrário, o que fizeram agora foi uma tremenda patacoada que demonstra um amadorismo estarrecedor.

FOLHA - O sr. perguntou a quem interessaria. Não interessaria ao PT puxar a candidatura de Aloizio Mercadante e prejudicar o José Serra que, além de favorito para o governo de São Paulo, é um potencial presidenciável para 2010?
GARCIA
- O Serra? Que eu saiba, o potencial candidato tucano é o Aécio Neves.

FOLHA - Mesmo que o Serra se eleja governador de São Paulo?
GARCIA
- Mas ele vai ter que se ver com o Aécio, não com o PT.

FOLHA - Que papel o Aécio, o Serra ou ambos poderão ter, inclusive para maioria pontual no Congresso?
GARCIA
- Teremos uma atitude respeitosa com os partidos que estão na oposição, e isso significa propor temas em torno dos quais se possa estabelecer uma aliança pelo bem do país.

FOLHA - O escândalo do dossiê explode a ponte que o presidente quer construir com a oposição?
GARCIA
- Eu acho que prejudica, mas haverá um momento de serenidade em que os partidos de oposição entendam que isso não foi uma iniciativa do governo nem sequer da cúpula da campanha do presidente.

FOLHA - Se Geraldo Alckmin, por exemplo, vencer as eleições, qual será o papel do PT na oposição?
GARCIA
- Essa hipótese de trabalho não está nas minhas contas, mas vamos precisar analisar a realidade do país depois das eleições, seja com a vitória do Lula, seja com a vitória de qualquer outro candidato. Da mesma maneira que o PSDB não vai acabar com a vitória do Lula no dia 1º de outubro, os partidos estão preparados no Brasil tanto para ser governo quanto para ser oposição. Nós não temos a ilusão de que seremos eternamente governo.

FOLHA - A avaliação quase consensual hoje é que o escândalo do dossiê, mesmo que não afete a eleição, deve afetar politicamente um eventual segundo mandato. Qual o grau de impacto?
GARCIA
- A questão é do desempenho do governo. Avalio como muito bom e acho que vai ser ainda muito melhor no segundo mandato o que, evidentemente, será essencial para a aceitação do governo no Congresso e na sociedade.

FOLHA - O PT está no terceiro presidente neste governo e seus líderes estão caindo como castelo de cartas, tanto no governo como no Congresso e no próprio partido. Com quem o PT conta?
GARCIA
- Com centenas de milhares de militantes e de quadros políticos, que hoje são vereadores, deputados estaduais, prefeitos, governadores e dirigentes sindicais. O PT é muito maior do que seus erros. Ele vai ter que se reconstituir e fazer uma reflexão muito grande.

FOLHA - Como o PT se comporta em relação ao governo?
GARCIA
- Acho que foi leniente, não mobilizou a sociedade para apoiar o governo, não entendeu as transformações em curso no país. De outro lado, ele também não foi capaz de fazer as críticas necessárias em outros momentos. O partido não pode ser um foco de oposição mas também não pode ser simplesmente uma vaca de presépio, abanando sempre a cabeça. Isso traz um enorme prejuízo.

FOLHA - O sr. diz que o PT não mobilizou a favor do governo, mas a contrapartida também é verdadeira: se todos esses escândalos fossem em um outro governo, os movimentos sociais ligados ao partido já não estariam nas ruas há muito tempo?
GARCIA
- Nas outras ocasiões, não houve investigações, como é visível no governo FHC, com o engavetador-geral da República, e no governo de São Paulo, que engavetou dezenas de CPIs. Em segundo lugar, nunca houve uma mobilização de opinião de imprensa tão forte como houve no atual governo. No próprio caso do dossiê, a imprensa tem tido uma posição unilateral, investigando a compra do dossiê, sem se preocupar com o conteúdo dele.

FOLHA - O PT e a PF têm o dossiê. O sr. não acha que se houvesse algum fato realmente grave já estaria nas manchetes?
GARCIA
- Sobre isso, não sei. Até porque não tenho nenhuma ligação com isso, não dou aval a nenhuma prática de dossiê. O dossiê não está com o partido, está com a PF.

FOLHA - E a imprensa publicou, mostrando as fotos nos telejornais.
GARCIA
- Publicou residualmente. Noutro dia, um jornal publicou que havia uma denúncia contra um ex-ministro e você tinha de procurar com lupa.

FOLHA - Qual ex-ministro?
GARCIA
- O Barjas Negri.

FOLHA - O sr. é um dos raros intelectuais em volta do presidente. Cadê a academia? Por que não participa do partido nem do governo?
GARCIA
- Provavelmente, é porque não sou um bom intelectual. Mas seria ótimo que viessem para o governo intelectuais, sindicalistas, jornalistas.

FOLHA - Um dos problemas não foi exatamente trazer a guerra sindical e os seus métodos para dentro do partido e do governo?
GARCIA
- Não vejo assim. Nunca vi a imprensa falar da guerra de banqueiros no governo FHC, um defendendo uma instituição, outro defendendo outra. Isso é normal. Um dos méritos do PT é justamente ter sido formado por lideranças sindicais, como o próprio presidente. Sei que tem gente que preferiria que fosse operador do mercado financeiro, advogado, fazendeiro. Mas a democracia avançou e temos um presidente que era torneiro mecânico e sindicalista.

FOLHA - O sr. é vice do PT. Vai disputar a presidência?
GARCIA
- Eu estou muito satisfeito nas minhas funções de assessor de Política Externa.

FOLHA - O PT de Jader, Newtão e Quércia preocupa num segundo mandato?
GARCIA
- Não vamos fulanizar. Vamos dizer que as alianças serão programáticas, que supõe definições de programa e controle de execução das políticas.

FOLHA - De onde veio essa dinheirama toda, o R$ 1,7 milhão?
GARCIA
- Eu não sei. Quando você souber, por favor, me fale.

FOLHA - E se foi dinheiro público, do Banco do Brasil, por exemplo?
GARCIA
- Isso eu tenho absoluta certeza de que não foi. Se tivesse sido, o próprio BB já teria inventariado isso. Não é o fato de um funcionário do banco, que ingressou no PT em 2004 e não em 1990, que vai lançar essa suspeita sobre a instituição.

FOLHA - O Jorge Lorenzetti foi o grande culpado?
GARCIA
- Se ele tinha responsabilidades tão centrais, obviamente tem uma culpa gigantesca nisso, mas não quero substituir autoridades policiais.

FOLHA - O PT vai levar o caso à Comissão de Ética?
GARCIA
- Acho que seria desejável, porque se houve nos outros casos, em relação a outras pessoas que cometeram graves irregularidades éticas, é mais do que desejável que haja, sim.


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