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ENTREVISTA: MARCO AURÉLIO GARCIA
Lorenzetti tem culpa gigantesca no escândalo
Para petista, dossiê "prejudica" diálogo com oposição em eventual 2º mandato
Alan Marques - 21.set.2006/Folha Imagem
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Marco Aurélio Garcia, que assumiu a coordenação de campanha após Berzoini ter deixado posto |
ELIANE CANTANHÊDE
COLUNISTA DA FOLHA
Novo coordenador da campanha de reeleição do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, Marco Aurélio Garcia, 65, defendeu ontem levar o caso da compra de um dossiê contra tucanos à comissão de ética no PT. Ele chamou o caso de "patacoada" e não passou a mão na cabeça de Jorge Lorenzetti, integrante da campanha e amigo-churrasqueiro do presidente.
"Se ele tinha responsabilidades tão centrais, ele obviamente tem uma culpa gigantesca nisso."
Professor licenciado de história internacional da Unicamp
e vice-presidente do PT, Garcia
foi pródigo em adjetivos ao falar da operação frustrada e disse que é uma "fantasia absoluta" imaginar que desde 1989 o
partido tem um "núcleo de inteligência" para produzir denúncias contra adversários.
Leia a seguir trechos da entrevista concedida à Folha.
FOLHA - Vai ter segundo turno?
MARCO AURÉLIO GARCIA - Há todas
as condições para a eleição fechar no domingo, mas, desde o
início da campanha, estamos
preparados para dois turnos.
FOLHA - A diferença entre o presidente Lula e os adversários caiu muito, chegando a oito pontos no Datafolha e a três no Ibope.
GARCIA - Já tínhamos essa expectativa de que reduzisse. No
fim de campanha, o esforço de
quem está atrás é muito maior
do que quem está na frente.
FOLHA - Qual a gravidade da nova
crise com a compra do dossiê e quais
seus efeitos?
GARCIA - Tanto o governo
quanto o partido estão muito
tranqüilos no que diz respeito
ao envolvimento, ou não-envolvimento, seja do candidato
seja da cúpula do partido. Foi,
sem dúvida, uma Operação Tabajara, só que uma Operação
Tabajara grave em vários sentidos. Não corresponde a uma
prática republicana nem ao estilo do Lula. E que interesse nós
poderíamos ter? Nenhum.
FOLHA - Mas são pessoas muito
próximas do presidente.
GARCIA - Historicamente próximas, mas não que estivessem
privando politicamente da proximidade do presidente.
FOLHA - Como é possível que pessoas tão "historicamente próximas"
pudessem estar fazendo isso à revelia do presidente?
GARCIA - Mais do que à revelia
do presidente, à revelia da
coordenação da campanha. Sou
membro da coordenação e
nunca ouvir falar nisso.
FOLHA - E por que Berzoini caiu?
GARCIA - Na medida em que o
nome dele foi envolvido, inclusive de maneira irresponsável,
dizendo que ele estaria informado, ele se transformou num
alvo de especulações políticas.
Ora, uma pessoa que seja alvo
de especulações políticas não
está em condições de coordenar uma campanha política, teria de passar a maior parte do
seu tempo dando explicações.
Se houve alguém que achou que
estava fazendo um bem para o
partido e para a candidatura
com esse suposto dossiê, foi um
equívoco brutal. Não temos antecedente nenhum nessa área.
FOLHA - Não? Esse núcleo de inteligência do PT não vinha atuando
desde 1989 contra os adversários?
GARCIA - Isso é fantasia absoluta. Desde 1991 participo da direção do PT e nunca ouvi falar.
FOLHA - Isso foi usado contra a candidatura do Ciro Gomes em 2002,
não foi?
GARCIA - É outra fantasia. Seria
impossível que uma coisa dessas existisse no partido sem um
mínimo de conhecimento. E
mais: o PT tem sido um partido
devassado pela mídia, de forma
exaustiva, e esse tema nunca
aparece. Até porque esse tipo
de atividade não funciona.
Ações de inteligência em geral
se revelam ações de extrema
burrice. Se houvesse um serviço desses desde 1989, era de se
supor que tivessem aprendido
algo. Pelo contrário, o que fizeram agora foi uma tremenda
patacoada que demonstra um
amadorismo estarrecedor.
FOLHA - O sr. perguntou a quem interessaria. Não interessaria ao PT
puxar a candidatura de Aloizio Mercadante e prejudicar o José Serra
que, além de favorito para o governo de São Paulo, é um potencial presidenciável para 2010?
GARCIA - O Serra? Que eu saiba,
o potencial candidato tucano é
o Aécio Neves.
FOLHA - Mesmo que o Serra se eleja governador de São Paulo?
GARCIA - Mas ele vai ter que se
ver com o Aécio, não com o PT.
FOLHA - Que papel o Aécio, o Serra
ou ambos poderão ter, inclusive para maioria pontual no Congresso?
GARCIA - Teremos uma atitude
respeitosa com os partidos que
estão na oposição, e isso significa propor temas em torno dos
quais se possa estabelecer uma
aliança pelo bem do país.
FOLHA - O escândalo do dossiê explode a ponte que o presidente quer
construir com a oposição?
GARCIA - Eu acho que prejudica, mas haverá um momento de
serenidade em que os partidos
de oposição entendam que isso
não foi uma iniciativa do governo nem sequer da cúpula da
campanha do presidente.
FOLHA - Se Geraldo Alckmin, por
exemplo, vencer as eleições, qual será o papel do PT na oposição?
GARCIA - Essa hipótese de trabalho não está nas minhas contas, mas vamos precisar analisar a realidade do país depois
das eleições, seja com a vitória
do Lula, seja com a vitória de
qualquer outro candidato. Da
mesma maneira que o PSDB
não vai acabar com a vitória do
Lula no dia 1º de outubro, os
partidos estão preparados no
Brasil tanto para ser governo
quanto para ser oposição. Nós
não temos a ilusão de que seremos eternamente governo.
FOLHA - A avaliação quase consensual hoje é que o escândalo do dossiê, mesmo que não afete a eleição,
deve afetar politicamente um eventual segundo mandato. Qual o grau
de impacto?
GARCIA - A questão é do desempenho do governo. Avalio como
muito bom e acho que vai ser
ainda muito melhor no segundo mandato o que, evidentemente, será essencial para a
aceitação do governo no Congresso e na sociedade.
FOLHA - O PT está no terceiro presidente neste governo e seus líderes
estão caindo como castelo de cartas,
tanto no governo como no Congresso e no próprio partido. Com quem o
PT conta?
GARCIA - Com centenas de milhares de militantes e de quadros políticos, que hoje são vereadores, deputados estaduais,
prefeitos, governadores e dirigentes sindicais. O PT é muito
maior do que seus erros. Ele vai
ter que se reconstituir e fazer
uma reflexão muito grande.
FOLHA - Como o PT se comporta
em relação ao governo?
GARCIA - Acho que foi leniente,
não mobilizou a sociedade para
apoiar o governo, não entendeu
as transformações em curso no
país. De outro lado, ele também
não foi capaz de fazer as críticas
necessárias em outros momentos. O partido não pode ser um
foco de oposição mas também
não pode ser simplesmente
uma vaca de presépio, abanando sempre a cabeça. Isso traz
um enorme prejuízo.
FOLHA - O sr. diz que o PT não mobilizou a favor do governo, mas a
contrapartida também é verdadeira: se todos esses escândalos fossem
em um outro governo, os movimentos sociais ligados ao partido já não
estariam nas ruas há muito tempo?
GARCIA - Nas outras ocasiões,
não houve investigações, como
é visível no governo FHC, com
o engavetador-geral da República, e no governo de São Paulo, que engavetou dezenas de
CPIs. Em segundo lugar, nunca
houve uma mobilização de opinião de imprensa tão forte como houve no atual governo. No
próprio caso do dossiê, a imprensa tem tido uma posição
unilateral, investigando a compra do dossiê, sem se preocupar
com o conteúdo dele.
FOLHA - O PT e a PF têm o dossiê. O
sr. não acha que se houvesse algum
fato realmente grave já estaria nas
manchetes?
GARCIA - Sobre isso, não sei.
Até porque não tenho nenhuma ligação com isso, não dou
aval a nenhuma prática de dossiê. O dossiê não está com o
partido, está com a PF.
FOLHA - E a imprensa publicou,
mostrando as fotos nos telejornais.
GARCIA - Publicou residualmente. Noutro dia, um jornal
publicou que havia uma denúncia contra um ex-ministro e você tinha de procurar com lupa.
FOLHA - Qual ex-ministro?
GARCIA - O Barjas Negri.
FOLHA - O sr. é um dos raros intelectuais em volta do presidente. Cadê a academia? Por que não participa do partido nem do governo?
GARCIA - Provavelmente, é porque não sou um bom intelectual. Mas seria ótimo que viessem para o governo intelectuais, sindicalistas, jornalistas.
FOLHA - Um dos problemas não foi
exatamente trazer a guerra sindical
e os seus métodos para dentro do
partido e do governo?
GARCIA - Não vejo assim. Nunca vi a imprensa falar da guerra
de banqueiros no governo
FHC, um defendendo uma instituição, outro defendendo outra. Isso é normal. Um dos méritos do PT é justamente ter sido formado por lideranças sindicais, como o próprio presidente. Sei que tem gente que
preferiria que fosse operador
do mercado financeiro, advogado, fazendeiro. Mas a democracia avançou e temos um presidente que era torneiro mecânico e sindicalista.
FOLHA - O sr. é vice do PT. Vai disputar a presidência?
GARCIA - Eu estou muito satisfeito nas minhas funções de assessor de Política Externa.
FOLHA - O PT de Jader, Newtão e
Quércia preocupa num segundo
mandato?
GARCIA - Não vamos fulanizar.
Vamos dizer que as alianças serão programáticas, que supõe
definições de programa e controle de execução das políticas.
FOLHA - De onde veio essa dinheirama toda, o R$ 1,7 milhão?
GARCIA - Eu não sei. Quando
você souber, por favor, me fale.
FOLHA - E se foi dinheiro público,
do Banco do Brasil, por exemplo?
GARCIA - Isso eu tenho absoluta
certeza de que não foi. Se tivesse sido, o próprio BB já teria inventariado isso. Não é o fato de
um funcionário do banco, que
ingressou no PT em 2004 e não
em 1990, que vai lançar essa
suspeita sobre a instituição.
FOLHA - O Jorge Lorenzetti foi o
grande culpado?
GARCIA - Se ele tinha responsabilidades tão centrais, obviamente tem uma culpa gigantesca nisso, mas não quero substituir autoridades policiais.
FOLHA - O PT vai levar o caso à Comissão de Ética?
GARCIA - Acho que seria desejável, porque se houve nos outros
casos, em relação a outras pessoas que cometeram graves irregularidades éticas, é mais do que desejável que haja, sim.
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