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ENTREVISTA DA 2ª/HORACIO LAFER PIVA
Crise política atrapalha próximo governo, diz Piva
Ex-presidente da Fiesp avalia que país pode perder o ímpeto do início da
gestão e que o próximo presidente pode ter problemas de governabilidade
O EMPRESÁRIO HORACIO Lafer Piva, presidente da Bracelpa (Associação Brasileira
das Empresas de Celulose e Papel), afirma que a atual crise política pode trazer
sérios problemas de governabilidade para o próximo
presidente. Segundo ele, o escândalo não vai parar
com a eleição. "O Brasil corre o risco de perder o melhor momento de qualquer governo, que é o da partida", diz Lafer Piva.
GUILHERME BARROS
COLUNISTA DA FOLHA
Piva, ex-presidente da Fiesp
(Federação das Indústrias do
Estado de São Paulo), enxerga
muitas dificuldades para, no
início da nova gestão, o novo
governo encaminhar as propostas de reforma política ou
mesmo das reformas tributária
e previdenciária. O Congresso,
a seu ver, não vai estar com os
olhos e a atenção voltados para
temas como cláusula de barreira, fidelidade partidária ou voto
distrital misto. "Nada disso
acontece se estivermos metidos em escândalo", diz.
Dizendo-se um tanto quanto
decepcionado com a falta de
mobilização da sociedade diante da crise, Piva acha que o brasileiro já está cansado de tantos
escândalos, e, por isso, prefere
não se mexer, como no passado. O empresário, a seu ver, age
da mesma forma. "O empresário não conseguiu fazer nada
dessa vez, senão reclamar aqui
ou ali", diz.
Independentemente do candidato que ganhar as eleições,
Piva acha que o empresário terá de procurar um novo relacionamento com o poder: "menos
oportunista e mais engajado".
A seguir, os principais trechos
da entrevista:
FOLHA - Como o sr. vê o cenário político com essa nova crise?
HORACIO LAFER PIVA - Obviamente, com uma grande preocupação. Estamos diante de um fato
novo que é a possibilidade de
toda essa crise que estamos vivendo agora não se encerrar no
início do próximo governo. No
caso de uma vitória de Lula, essa crise vai continuar na próxima gestão. O problema não acaba com a eleição.
Confesso que estou um pouco decepcionado com a população brasileira. A sociedade brasileira tem sido muito complacente e parece anestesiada com
toda essa crise. Por muito menos do que isso, nós vimos o
movimento do impeachment
do Collor. Não só com uma movimentação enorme da sociedade, mas também com uma
oposição que, naquele momento, era muito mais afirmativa.
No fundo, ela não grita mobilizando os seus próprios correligionários, as suas próprias
áreas de influência.
FOLHA - A que o sr. atribui essa
complacência?
PIVA - O brasileiro parece que
está tão cansado de tudo isso
que ele tem vivido nos últimos
anos que, ao invés de dizer um
basta, ele se entrega e deixa as
coisas acontecerem. No início
do governo Lula, a sociedade
estava preparada para a mudança do modelo de governabilidade, e vimos que quem não
estava preparado era o PT.
Imaginei, num determinado
momento, que a sociedade brasileira iria forçar uma mudança
desse governo, colocar mais em
xeque essa questão desse presidencialismo de coalizão que reduz o país todo a uma disputa
entre Executivo e Legislativo.
Mas não foi isso que aconteceu. Os escândalos acabaram se
tornando mais fortes que a
vontade da sociedade. A sociedade está indignada, mas muito
pouco mobilizada para dar um
basta nesse tipo de coisa.
FOLHA - A eleição poderia representar esse basta?
PIVA - Um basta nesse tipo de
coisa não se consegue apenas
ao se votar num outro candidato. É você, de fato, começar a
cobrar de maneira muito mais
significativa, muito mais afirmativa, muito mais simbólica,
como aconteceu naquele momento que todo mundo foi para
a rua, com ações de mobilização e transparência.
FOLHA - Qual a previsão do sr. para
um eventual novo mandato do presidente Lula?
PIVA - No caso de uma vitória
do presidente Lula, ele já começa enfraquecido. Se não pela
sua base parlamentar, mas certamente por estar metido nesse
escândalo todo, que vai obviamente contaminar o início da
próxima gestão. O Lula está um
pouco sozinho na administração política, na operação política, e eu temo, pelo andar da carruagem, o risco de se perder
mais uma vez muito tempo, de
mais uma vez o país patinar,
quando o resto do mundo está
crescendo em alta velocidade.
FOLHA - Como estão os empresários?
PIVA - Os empresários não estão muito diferentes do resto
da sociedade brasileira. Os empresários estão manifestando
uma preocupação bastante
grande com isso tudo, mas, do
ponto de vista econômico, a situação é muito diversa entre os
vários setores. Alguns vão muito bem e outros estão absolutamente destruídos. Esse câmbio
criou grandes dificuldades.
FOLHA - O que os empresários podem propor ao próximo governo?
PIVA - Estamos todos atônitos
como o resto da sociedade, mas
ninguém consegue apresentar
um cardápio de opções capaz
de fazer com que nós nos livremos dessa situação. O próprio
candidato Alckmin apresentou
um plano de governo a poucos
dias das eleições.
Em outros momentos, o empresariado construiu agendas e
exigiu dos governos que fosse
apresentado qual era o programa de gestão, pelo menos na
área econômica, e dessa vez
não se conseguiu fazer nada, senão reclamar aqui ou ali.
FOLHA - Mas a CNI e a Fiesp divulgaram uma proposta?
PIVA - Fizeram, mas os programas, em outras épocas, serviram para forçar o candidato a
mostrar o seu.
FOLHA - O desinteresse pelos programas não se deve ao fato de os
dois principais candidatos terem
projetos semelhantes, pelo menos
na macroeconomia?
PIVA - Mais uma razão para
eles procurarem se diferenciar
em algum lugar. Eu acredito
que essa pasteurização e similitude de propostas não são boas
para ninguém. Do ponto de vista macroeconômico, o governo
Lula deu continuidade a algumas políticas do governo Fernando Henrique, e, agora, tínhamos que partir para o campo do desenvolvimento com
justiça social.
O Brasil está muito atrás do
que poderia estar se tivesse
aproveitado a alavancagem da
economia internacional, como
outros países da própria América Latina fizeram. Os candidatos deveriam ter dado prioridade ao crescimento.
FOLHA - Por que o sr. acha que o
início do segundo mandato de Lula,
caso ele vença, será complicado?
PIVA - Não acho que vá acontecer nada de dramático, de maneira nenhuma, mas, infelizmente, nós vamos continuar
presos à agenda política.
Eu vejo, por exemplo, muita
dificuldade de se discutir, no
início da nova gestão, a reforma
política, que tinha sido inclusive uma proposta defendida pelos dois candidatos.
O Congresso não vai estar com os olhos
voltados para discutir fidelidade partidária, cláusula de barreira ou voto distrital misto. Eu
acho que nada disso acontece
se estivermos metidos num escândalo. Não teremos tranqüilidade, serenidade para avançar
em reformas como a tributária.
O Brasil corre o risco de perder, na verdade, o melhor momento de qualquer governo,
que é o da partida. É quando você tem o apoio de sustentação
parlamentar não só daquele
seu apoiador de primeira hora
mas também daqueles todos
que, de alguma maneira, acabam gravitando em torno do
poder. O Brasil pode acabar se
condenando a mais quatro
anos de crescimento medíocre,
de discussões muito mais tendentes às platitudes e generalidades do que à mudança estrutural deste país.
FOLHA - Como o sr. define um
eventual governo Alckmin?
PIVA - O governo Alckmin tem
condições de embarcar muita
inteligência. Tem muita gente
pensando inclusive nos erros
cometidos pelo PSDB, do ponto
de vista de gestão, na administração do presidente Fernando
Henrique Cardoso. Eu continuo acreditando, no entanto,
que a resposta deste país está
na mobilização da sociedade.
FOLHA - Os empresários estão investindo?
PIVA - As empresas que tiveram margem estão, certamente, procurando investir. Agora,
contando muito pouco com o
vigor do mercado interno, porque a economia brasileira continua sendo uma economia
muito concentrada do ponto de
vista de renda.
Não acredito que essa distribuição seja uma distribuição
que se mantenha, porque boa
parte dela foi feita em cima de
transferências de renda à camada mais pobre por programas que são mais assistencialistas do que, de fato, comprometidos com uma mudança definitiva desse estado de coisas.
O mercado interno é débil,
incapaz de construir uma classe média que constitui a base de
consumo e sustentação de
qualquer país desenvolvido. Os
planos de investimentos são
aqueles em áreas específicas ou
com olhar para fora.
FOLHA - Como está o seu setor?
PIVA - O meu setor é um setor
diferenciado, que vai muito
bem e que tem vantagens comparativas e vantagens competitivas muito claras. O Brasil já é
o primeiro país do mundo em
celulose de eucalipto. É o sétimo país do mundo em exportação de celulose é o 11º em papel.
As florestas crescem no Brasil em sete anos, enquanto nos
países desenvolvidos demoram
três ou quatro vezes mais tempo. É um setor que consegue
atravessar ciclos econômicos
sem se preocupar com a política do momento. Nós estamos
prevendo investimentos da ordem de US$ 14,5 bilhões em
projetos de 2003 a 2012, e o
BNDES, R$ 20 bilhões.
Claro que temos desafios
também. O custo de capital para investimento nesse setor é
muito alto, em razão da alta
carga tributária. Tem também
questões de logísticas.
Há também uma grande discussão do ponto de vista da desinformação da população, e muitas vezes da maledicência,
com relação ao valor da floresta
plantada. O Brasil é um dos
poucos países do mundo que
tem todo o seu papel e celulose
tirados de florestas plantadas, e
as suas florestas plantadas são
inclusive mecanismos de recuperação de florestas nativas.
Os movimentos preservacionistas, as ONGs e mesmo os
movimentos sociais deveriam
se aproximar do setor e não tratá-lo como inimigo.
O setor de celulose vai continuar sendo um grande exportador, já que a celulose do Brasil é
muito boa. O setor vai exportar
US$ 4 bi e deixará limpo para o
saldo da balança US$ 3 bi.
FOLHA - A China não é um concorrente importante?
PIVA - A China é um concorrente, mas é um consumidor
também. A China está fazendo
máquina de papel, está investindo em muitas fábricas, mas
tem um problema de abastecimento de matéria-prima. Esse
é o diferencial do Brasil. A China terá que importar a celulose.
Nós olhamos a China com reverência, mas queremos nos preparar para ser fornecedores.
FOLHA - A internet não reduziu o
consumo de papel?
PIVA - Ao contrário. O consumo de papel continua muito alto. Todo mundo que tem computador tem também uma impressora ao lado, e a impressora
acaba imprimindo uma quantidade muito grande de papel. O
setor não vê ameaças de ser
substituído. Claro que tem uma
disputa no mercado, que é razoável, com os plásticos, mas
não estamos assustados.
FOLHA - O sr. esteve num dos jantares com o Lula promovido pelo ministro do Desenvolvimento, Luiz Fernando Furlan. O que o sr. achou do
presidente?
PIVA - Naquele momento eu
achei o presidente muito convencido de que a eleição já estava ganha e muito convencido
de que sua gestão era uma gestão diferenciada das anteriores.
FOLHA - O sr. acha que a gestão
Alckmin seria melhor para encaminhar as reformas no país?
PIVA - Eu acho que a gestão
Alckmin teria condições de trazer muitos projetos para o país
e isso seria muito bom, mas,
por outro lado, teria também
que trazer mais para perto uma
enorme parcela da sociedade
que se distanciou desse projeto
social-democrata pouco claro e
que hoje está abraçada com o
presidente Lula.
A equação não é fácil. De alguma maneira criou-se uma situação plebiscitária. Assiste-se
a uma guerra entre os bem-informados e os mal-informados,
se quiser chamar assim, ou entre a classe mas favorecida e a
menos favorecida, e isso esgarça o tecido social e cria dificuldade para o início da próxima
gestão.
FOLHA - O empresário prefere o
gestor Alckmin ou o político Lula ou
tanto faz?
PIVA - O empresário, que andou um pouco mais distante do
que devia tanto da gestão quanto da política, vai ter de chegar
mais perto e se ajustar à personalidade do governante, seja
ele qual for. Nós, empresários,
vamos precisar procurar um
modelo novo de relacionamento com o poder, menos oportunista e mais engajado.
FOLHA - Como o sr. encara esses escândalos?
PIVA - Esses escândalos todos
mostram uma certa leniência
da sociedade, como eu já disse
antes, mas também dele [Lula],
que deveria ter cobrado com
muito mais firmeza do seu partido uma adequação comportamental àquilo que ele sempre
pregou durante toda a sua vida.
Agora, o presidente Lula, como símbolo e personagem do
seu tempo, foi importante que
tivesse acontecido. A economia
cresceu pouco, o país patinou
em muitas questões, mas não
faço parte daquele time que renega ou relega o presidente Lula a uma dimensão menor.
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