São Paulo, segunda-feira, 25 de setembro de 2006

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ENTREVISTA DA 2ª/HORACIO LAFER PIVA

Crise política atrapalha próximo governo, diz Piva

Ex-presidente da Fiesp avalia que país pode perder o ímpeto do início da gestão e que o próximo presidente pode ter problemas de governabilidade

O EMPRESÁRIO HORACIO Lafer Piva, presidente da Bracelpa (Associação Brasileira das Empresas de Celulose e Papel), afirma que a atual crise política pode trazer sérios problemas de governabilidade para o próximo presidente. Segundo ele, o escândalo não vai parar com a eleição. "O Brasil corre o risco de perder o melhor momento de qualquer governo, que é o da partida", diz Lafer Piva.
GUILHERME BARROS
COLUNISTA DA FOLHA

Piva, ex-presidente da Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo), enxerga muitas dificuldades para, no início da nova gestão, o novo governo encaminhar as propostas de reforma política ou mesmo das reformas tributária e previdenciária. O Congresso, a seu ver, não vai estar com os olhos e a atenção voltados para temas como cláusula de barreira, fidelidade partidária ou voto distrital misto. "Nada disso acontece se estivermos metidos em escândalo", diz. Dizendo-se um tanto quanto decepcionado com a falta de mobilização da sociedade diante da crise, Piva acha que o brasileiro já está cansado de tantos escândalos, e, por isso, prefere não se mexer, como no passado. O empresário, a seu ver, age da mesma forma. "O empresário não conseguiu fazer nada dessa vez, senão reclamar aqui ou ali", diz. Independentemente do candidato que ganhar as eleições, Piva acha que o empresário terá de procurar um novo relacionamento com o poder: "menos oportunista e mais engajado". A seguir, os principais trechos da entrevista:  

FOLHA - Como o sr. vê o cenário político com essa nova crise?
HORACIO LAFER PIVA
- Obviamente, com uma grande preocupação. Estamos diante de um fato novo que é a possibilidade de toda essa crise que estamos vivendo agora não se encerrar no início do próximo governo. No caso de uma vitória de Lula, essa crise vai continuar na próxima gestão. O problema não acaba com a eleição.
Confesso que estou um pouco decepcionado com a população brasileira. A sociedade brasileira tem sido muito complacente e parece anestesiada com toda essa crise. Por muito menos do que isso, nós vimos o movimento do impeachment do Collor. Não só com uma movimentação enorme da sociedade, mas também com uma oposição que, naquele momento, era muito mais afirmativa.
No fundo, ela não grita mobilizando os seus próprios correligionários, as suas próprias áreas de influência.

FOLHA - A que o sr. atribui essa complacência?
PIVA
- O brasileiro parece que está tão cansado de tudo isso que ele tem vivido nos últimos anos que, ao invés de dizer um basta, ele se entrega e deixa as coisas acontecerem. No início do governo Lula, a sociedade estava preparada para a mudança do modelo de governabilidade, e vimos que quem não estava preparado era o PT.
Imaginei, num determinado momento, que a sociedade brasileira iria forçar uma mudança desse governo, colocar mais em xeque essa questão desse presidencialismo de coalizão que reduz o país todo a uma disputa entre Executivo e Legislativo.
Mas não foi isso que aconteceu. Os escândalos acabaram se tornando mais fortes que a vontade da sociedade. A sociedade está indignada, mas muito pouco mobilizada para dar um basta nesse tipo de coisa.

FOLHA - A eleição poderia representar esse basta?
PIVA
- Um basta nesse tipo de coisa não se consegue apenas ao se votar num outro candidato. É você, de fato, começar a cobrar de maneira muito mais significativa, muito mais afirmativa, muito mais simbólica, como aconteceu naquele momento que todo mundo foi para a rua, com ações de mobilização e transparência.

FOLHA - Qual a previsão do sr. para um eventual novo mandato do presidente Lula?
PIVA
- No caso de uma vitória do presidente Lula, ele já começa enfraquecido. Se não pela sua base parlamentar, mas certamente por estar metido nesse escândalo todo, que vai obviamente contaminar o início da próxima gestão. O Lula está um pouco sozinho na administração política, na operação política, e eu temo, pelo andar da carruagem, o risco de se perder mais uma vez muito tempo, de mais uma vez o país patinar, quando o resto do mundo está crescendo em alta velocidade.

FOLHA - Como estão os empresários?
PIVA
- Os empresários não estão muito diferentes do resto da sociedade brasileira. Os empresários estão manifestando uma preocupação bastante grande com isso tudo, mas, do ponto de vista econômico, a situação é muito diversa entre os vários setores. Alguns vão muito bem e outros estão absolutamente destruídos. Esse câmbio criou grandes dificuldades.

FOLHA - O que os empresários podem propor ao próximo governo?
PIVA
- Estamos todos atônitos como o resto da sociedade, mas ninguém consegue apresentar um cardápio de opções capaz de fazer com que nós nos livremos dessa situação. O próprio candidato Alckmin apresentou um plano de governo a poucos dias das eleições.
Em outros momentos, o empresariado construiu agendas e exigiu dos governos que fosse apresentado qual era o programa de gestão, pelo menos na área econômica, e dessa vez não se conseguiu fazer nada, senão reclamar aqui ou ali.

FOLHA - Mas a CNI e a Fiesp divulgaram uma proposta?
PIVA
- Fizeram, mas os programas, em outras épocas, serviram para forçar o candidato a mostrar o seu.

FOLHA - O desinteresse pelos programas não se deve ao fato de os dois principais candidatos terem projetos semelhantes, pelo menos na macroeconomia?
PIVA
- Mais uma razão para eles procurarem se diferenciar em algum lugar. Eu acredito que essa pasteurização e similitude de propostas não são boas para ninguém. Do ponto de vista macroeconômico, o governo Lula deu continuidade a algumas políticas do governo Fernando Henrique, e, agora, tínhamos que partir para o campo do desenvolvimento com justiça social.
O Brasil está muito atrás do que poderia estar se tivesse aproveitado a alavancagem da economia internacional, como outros países da própria América Latina fizeram. Os candidatos deveriam ter dado prioridade ao crescimento.

FOLHA - Por que o sr. acha que o início do segundo mandato de Lula, caso ele vença, será complicado?
PIVA
- Não acho que vá acontecer nada de dramático, de maneira nenhuma, mas, infelizmente, nós vamos continuar presos à agenda política.
Eu vejo, por exemplo, muita dificuldade de se discutir, no início da nova gestão, a reforma política, que tinha sido inclusive uma proposta defendida pelos dois candidatos.
O Congresso não vai estar com os olhos voltados para discutir fidelidade partidária, cláusula de barreira ou voto distrital misto. Eu acho que nada disso acontece se estivermos metidos num escândalo. Não teremos tranqüilidade, serenidade para avançar em reformas como a tributária.
O Brasil corre o risco de perder, na verdade, o melhor momento de qualquer governo, que é o da partida. É quando você tem o apoio de sustentação parlamentar não só daquele seu apoiador de primeira hora mas também daqueles todos que, de alguma maneira, acabam gravitando em torno do poder. O Brasil pode acabar se condenando a mais quatro anos de crescimento medíocre, de discussões muito mais tendentes às platitudes e generalidades do que à mudança estrutural deste país.

FOLHA - Como o sr. define um eventual governo Alckmin?
PIVA
- O governo Alckmin tem condições de embarcar muita inteligência. Tem muita gente pensando inclusive nos erros cometidos pelo PSDB, do ponto de vista de gestão, na administração do presidente Fernando Henrique Cardoso. Eu continuo acreditando, no entanto, que a resposta deste país está na mobilização da sociedade.

FOLHA - Os empresários estão investindo?
PIVA
- As empresas que tiveram margem estão, certamente, procurando investir. Agora, contando muito pouco com o vigor do mercado interno, porque a economia brasileira continua sendo uma economia muito concentrada do ponto de vista de renda.
Não acredito que essa distribuição seja uma distribuição que se mantenha, porque boa parte dela foi feita em cima de transferências de renda à camada mais pobre por programas que são mais assistencialistas do que, de fato, comprometidos com uma mudança definitiva desse estado de coisas.
O mercado interno é débil, incapaz de construir uma classe média que constitui a base de consumo e sustentação de qualquer país desenvolvido. Os planos de investimentos são aqueles em áreas específicas ou com olhar para fora.

FOLHA - Como está o seu setor?
PIVA
- O meu setor é um setor diferenciado, que vai muito bem e que tem vantagens comparativas e vantagens competitivas muito claras. O Brasil já é o primeiro país do mundo em celulose de eucalipto. É o sétimo país do mundo em exportação de celulose é o 11º em papel.
As florestas crescem no Brasil em sete anos, enquanto nos países desenvolvidos demoram três ou quatro vezes mais tempo. É um setor que consegue atravessar ciclos econômicos sem se preocupar com a política do momento. Nós estamos prevendo investimentos da ordem de US$ 14,5 bilhões em projetos de 2003 a 2012, e o BNDES, R$ 20 bilhões.
Claro que temos desafios também. O custo de capital para investimento nesse setor é muito alto, em razão da alta carga tributária. Tem também questões de logísticas.
Há também uma grande discussão do ponto de vista da desinformação da população, e muitas vezes da maledicência, com relação ao valor da floresta plantada. O Brasil é um dos poucos países do mundo que tem todo o seu papel e celulose tirados de florestas plantadas, e as suas florestas plantadas são inclusive mecanismos de recuperação de florestas nativas.
Os movimentos preservacionistas, as ONGs e mesmo os movimentos sociais deveriam se aproximar do setor e não tratá-lo como inimigo.
O setor de celulose vai continuar sendo um grande exportador, já que a celulose do Brasil é muito boa. O setor vai exportar US$ 4 bi e deixará limpo para o saldo da balança US$ 3 bi.

FOLHA - A China não é um concorrente importante?
PIVA
- A China é um concorrente, mas é um consumidor também. A China está fazendo máquina de papel, está investindo em muitas fábricas, mas tem um problema de abastecimento de matéria-prima. Esse é o diferencial do Brasil. A China terá que importar a celulose. Nós olhamos a China com reverência, mas queremos nos preparar para ser fornecedores.

FOLHA - A internet não reduziu o consumo de papel?
PIVA
- Ao contrário. O consumo de papel continua muito alto. Todo mundo que tem computador tem também uma impressora ao lado, e a impressora acaba imprimindo uma quantidade muito grande de papel. O setor não vê ameaças de ser substituído. Claro que tem uma disputa no mercado, que é razoável, com os plásticos, mas não estamos assustados.

FOLHA - O sr. esteve num dos jantares com o Lula promovido pelo ministro do Desenvolvimento, Luiz Fernando Furlan. O que o sr. achou do presidente?
PIVA
- Naquele momento eu achei o presidente muito convencido de que a eleição já estava ganha e muito convencido de que sua gestão era uma gestão diferenciada das anteriores.

FOLHA - O sr. acha que a gestão Alckmin seria melhor para encaminhar as reformas no país?
PIVA
- Eu acho que a gestão Alckmin teria condições de trazer muitos projetos para o país e isso seria muito bom, mas, por outro lado, teria também que trazer mais para perto uma enorme parcela da sociedade que se distanciou desse projeto social-democrata pouco claro e que hoje está abraçada com o presidente Lula.
A equação não é fácil. De alguma maneira criou-se uma situação plebiscitária. Assiste-se a uma guerra entre os bem-informados e os mal-informados, se quiser chamar assim, ou entre a classe mas favorecida e a menos favorecida, e isso esgarça o tecido social e cria dificuldade para o início da próxima gestão.

FOLHA - O empresário prefere o gestor Alckmin ou o político Lula ou tanto faz?
PIVA
- O empresário, que andou um pouco mais distante do que devia tanto da gestão quanto da política, vai ter de chegar mais perto e se ajustar à personalidade do governante, seja ele qual for. Nós, empresários, vamos precisar procurar um modelo novo de relacionamento com o poder, menos oportunista e mais engajado.

FOLHA - Como o sr. encara esses escândalos?
PIVA
- Esses escândalos todos mostram uma certa leniência da sociedade, como eu já disse antes, mas também dele [Lula], que deveria ter cobrado com muito mais firmeza do seu partido uma adequação comportamental àquilo que ele sempre pregou durante toda a sua vida.
Agora, o presidente Lula, como símbolo e personagem do seu tempo, foi importante que tivesse acontecido. A economia cresceu pouco, o país patinou em muitas questões, mas não faço parte daquele time que renega ou relega o presidente Lula a uma dimensão menor.


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