São Paulo, quinta-feira, 25 de setembro de 2008

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JANIO DE FREITAS

Comparações inúteis


A crise financeira é uma bomba sobre a humanidade; a de hoje e, pelos retrocessos impostos, a de amanhã

NA SUCESSÃO de estimativas e revisões do que chama de "custo da crise financeira", o FMI lançou ontem a cifra de US$ 1,3 trilhão. Parece um valor atualizado. É só uma falsidade a mais lançada pelo Fundo em seu mais de meio século de verdades falsas.
A face menor da falsidade, quase insignificante em comparação com a maior, está em que "o custo" apresentado não é custo nem para as fontes de "custo" tomadas pelo FMI para sua estimativa. É só a perda financeira dos bancos e outras entidades com a crise, nos Estados Unidos e, em menor número, na Europa. Não é difícil entender que as atenções do FMI se concentrem nesse tipo de perda: sua história está toda voltada para os interesses desses capitais, por intermédio de políticas, programas, receituários urgentes e exigências estrangulantes em favor dos créditos e juros em seu próprio interesse.
A face maior da falsidade está no desprezo ao custo planetário que a crise espalhou, a partir dos Estados Unidos. É uma grande bomba que atinge, mundo afora, empregos, salários, famílias, saúde, as perspectivas dos jovens não abastados, o penoso crescimento dos países emergentes, os investimentos sociais, os empreendimentos recém-iniciados com sacrifícios -é uma bomba sobre a humanidade. A de hoje e, pelos retrocessos impostos, a de amanhã.
Vá lá que o custo seja de US$ 1,3 trilhão, mais ou menos R$ 2,4 trilhões. Nada que fira os domínios do capital: tudo será recuperado. Ou melhor, no sistema capitalista as situações críticas levam, no máximo, à troca de mãos, ou bolsos, da riqueza entre os seus íntimos.
Pois vá lá: US$ 1,3 trilhão. Diante do qual, não sei o que pode pensar Jacques Diouf, o negro e capaz diretor da FAO, braço da ONU para alimentação, diante de duas das suas constatações recentes: o número de pessoas que passam fome todos os dias, no mundo, subiu de 850 milhões para 925 milhões; duplicar a produção de alimentos, para extinguir a fome no mundo, precisaria do investimento de US$ 30 bilhões por ano.
Lula falou da fome e da crise financeira na ONU. Com ataque aos mercados da especulação financeira e pregação de "indispensáveis intervenções do Estado" para combater a desordem que provocam. O Brasil de Lula é, hoje, um dos principais, senão o principal, paraíso da especulação financeira. Mais do que simples "mercado da especulação". No país do operário-presidente, o imposto pago pelo trabalhador é maior do que o imposto pago pelo especulador, que em certos casos está até dispensado de imposto. O incentivo para a formação e a permanência do paraíso brasileiro da especulação é dado pelo governo Lula, com a oferta dos juros maiores do mundo. Pagos aos especuladores estrangeiros, além dos nossos, com arrecadação feita nos salários e nas atividades empresariais.
Na citação de Lula, a fome remete ao Bolsa Família. Do qual, em simultaneidade com o discurso na ONU, Eduardo Scolese nos deu na Folha a notícia mais recente: "Bolsa Família sustenta novo voto de cabresto no Nordeste: candidatos ameaçam tirar o benefício de eleitores que pretendem votar na oposição". E esses candidatos não são "milicianos" como a bandidagem do voto de cabresto nas favelas? Não. São chamados de políticos.


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