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JANIO DE FREITAS
O mínimo de compostura
Está em curso, com o futuro
salário mínimo como causa
aparente, uma das mais grosseiras exibições de falta de compostura governamental e, portanto, pessoal -como não podia deixar de ser, pelo fato lamentável de que governos são
exercidos por pessoas.
A reação ao reajuste de apenas de 5% para o salário mínimo em 2001, já proposta por
Fernando Henrique Cardoso no
Orçamento mandado ao exame
do Congresso, desta vez incluiu
um componente importante,
que é a recusa de parte dos próprios governistas a continuar
sustentando a linha ideológica
da política econômica, com seu
caráter anti-social.
Na primeira discussão do assunto, a futilidade da mídia
apenas se interessou, com imediata e óbvia adesão do presidente-intelectual, por estender
como assunto a caneta de Pedro
Malan, que só foi um palpite infeliz de Aloizio Mercadante porque não comparou a proposta
para o salário mínimo à gravata ou outro mimo do ministro-dândi. O ar de deboche dado
por Malan à sua resposta sobre
o percentual foi, porém, bem
aproveitado: "É só dizer onde
vai cortar" (no Orçamento, para aumentar a correção do mínimo).
Presidente do Senado e presidente da Câmara, um do PFL e
outro do PMDB, Antonio Carlos
Magalhães (já proponente do
mínimo de R$ 180) e Michel Temer pegaram o deboche do corte e aceitaram a sugestão de sindicalistas para coordenar as
providências necessárias.
Há muito onde cortar, mesmo. E se a comissão designada
fizer os cortes, Fernando Henrique e a ideologia da política
econômica já sofrerão aí uma
derrota grave. E logo virá outra,
maior e de mais desdobramentos, porque o mínimo será então
elevado pela maioria dos congressistas, o que inclui necessariamente boa parte do governismo.
O salário mínimo só teve
acréscimos mínimos, desde o
primeiro ano do atual governo,
porque a sua contenção é um
dos fundamentos da política
econômica, dadas as projeções
que lança sobre a escala geral
dos salários. Para justificar-se, o
governo invocou sempre o ônus
dos acréscimos do mínimo na
Previdência. Mas em nenhum
momento quis estudar alternativas para a Previdência ou para o mínimo.
A evidência de que o reajuste
do salário mínimo desnudará o
caráter ideológico da política
econômica soou, no governo,
como uma sirene de alarme.
Fernando Henrique abalou-se,
anteontem, para uma entrevista coletiva de surpresa, na sala
apropriada do Planalto. Era o
repentino defensor de acréscimo
superior aos imorais 5% que
propôs ao Congresso. Achava
mesmo que o mínimo deve elevar-se aos R$ 180 que os sindicalistas, os partidos de oposição e
o senador Antonio Carlos Magalhães defendem desde o começo deste ano. Coerente, ia determinar aos líderes da bancada governista empenho na obtenção de recursos para o reajuste.
Com certas atitudes é impossível habituar-se, como testemunha. Uma delas é a falta de
compostura praticada a pretexto de ser um expediente político.
Como um salário mínimo decente, um mínimo de compostura é indispensável.
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