São Paulo, quarta-feira, 25 de outubro de 2000

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JANIO DE FREITAS
O mínimo de compostura

Está em curso, com o futuro salário mínimo como causa aparente, uma das mais grosseiras exibições de falta de compostura governamental e, portanto, pessoal -como não podia deixar de ser, pelo fato lamentável de que governos são exercidos por pessoas.
A reação ao reajuste de apenas de 5% para o salário mínimo em 2001, já proposta por Fernando Henrique Cardoso no Orçamento mandado ao exame do Congresso, desta vez incluiu um componente importante, que é a recusa de parte dos próprios governistas a continuar sustentando a linha ideológica da política econômica, com seu caráter anti-social.
Na primeira discussão do assunto, a futilidade da mídia apenas se interessou, com imediata e óbvia adesão do presidente-intelectual, por estender como assunto a caneta de Pedro Malan, que só foi um palpite infeliz de Aloizio Mercadante porque não comparou a proposta para o salário mínimo à gravata ou outro mimo do ministro-dândi. O ar de deboche dado por Malan à sua resposta sobre o percentual foi, porém, bem aproveitado: "É só dizer onde vai cortar" (no Orçamento, para aumentar a correção do mínimo).
Presidente do Senado e presidente da Câmara, um do PFL e outro do PMDB, Antonio Carlos Magalhães (já proponente do mínimo de R$ 180) e Michel Temer pegaram o deboche do corte e aceitaram a sugestão de sindicalistas para coordenar as providências necessárias.
Há muito onde cortar, mesmo. E se a comissão designada fizer os cortes, Fernando Henrique e a ideologia da política econômica já sofrerão aí uma derrota grave. E logo virá outra, maior e de mais desdobramentos, porque o mínimo será então elevado pela maioria dos congressistas, o que inclui necessariamente boa parte do governismo.
O salário mínimo só teve acréscimos mínimos, desde o primeiro ano do atual governo, porque a sua contenção é um dos fundamentos da política econômica, dadas as projeções que lança sobre a escala geral dos salários. Para justificar-se, o governo invocou sempre o ônus dos acréscimos do mínimo na Previdência. Mas em nenhum momento quis estudar alternativas para a Previdência ou para o mínimo.
A evidência de que o reajuste do salário mínimo desnudará o caráter ideológico da política econômica soou, no governo, como uma sirene de alarme. Fernando Henrique abalou-se, anteontem, para uma entrevista coletiva de surpresa, na sala apropriada do Planalto. Era o repentino defensor de acréscimo superior aos imorais 5% que propôs ao Congresso. Achava mesmo que o mínimo deve elevar-se aos R$ 180 que os sindicalistas, os partidos de oposição e o senador Antonio Carlos Magalhães defendem desde o começo deste ano. Coerente, ia determinar aos líderes da bancada governista empenho na obtenção de recursos para o reajuste.
Com certas atitudes é impossível habituar-se, como testemunha. Uma delas é a falta de compostura praticada a pretexto de ser um expediente político. Como um salário mínimo decente, um mínimo de compostura é indispensável.


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