São Paulo, segunda-feira, 25 de outubro de 2004

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ESPIONAGEM

Espiões escolhem alvos que, além de dados relevantes, possam ter mágoa dos ex-empregadores; ex-cônjuges também foram procurados para divulgar informações

Kroll usou ex-executivos para investigar empresas e governo

ELVIRA LOBATO
DA SUCURSAL DO RIO

Oitenta arquivos de computador da Operação Tóquio -nome pelo qual os espiões da Kroll Associates se referiam à investigação contratada pela Brasil Telecom- tornados disponíveis na internet, na última semana, mostram que a sedução dos ""ex" é uma das armas mais utilizadas na espionagem empresarial.
Além de usar informações de funcionários públicos em órgãos-chave, como a Polícia Federal e o Banco Central, a Kroll se aproximou de ex-executivos e de ex-cônjuges dos investigados para obter dados sobre os negócios da Telecom Italia, alvo principal da espionagem.
Conforme a Folha noticiou em julho, o ministro Luiz Gushiken e o presidente do Banco do Brasil, Cássio Casseb, foram espionados, bem como os empresários Nelson Tanure -acionista dos diários "Jornal do Brasil" e "Gazeta Mercantil"-, Naji Nahas, Luiz Roberto Demarco, as Organizações Globo, a Telecom Italia, o ex-presidente da Parmalat Gianni Grisendi, além de fundos de pensão.
A jornalista Cristina Konder, que foi vice-presidente do "Jornal do Brasil" até maio deste ano, aparece em um dos relatórios da Kroll como alvo para abordagem. Por ter se demitido do cargo, foi vista como possível fonte de informações sobre Nelson Tanure.
Konder, atual diretora de conteúdo do "Jornal dos Esportes", no Rio de Janeiro, disse que ficou assustada ao saber do fato pela Folha e que não foi procurada por ninguém interessado em informações sobre Tanure, com quem afirma manter bom relacionamento. "Talvez tenham se dado conta de que eu seria um alvo ruim", completou a jornalista.
Para a PF, os espiões se retraíram depois de a Operação Tóquio ter sido revelada pela Folha.
O ex-diretor executivo da Globopar (Globo Participações) Mauro Molchansky era outro alvo para abordagem, embora os espiões considerassem a iniciativa arriscada. O nome dele aparece em relatório da Kroll como alvo para contato, ao lado da advertência ""too dangerous", que significa "muito perigoso".
Molchansky foi executivo da Globopar até abril de 2002 e acompanhou de perto a associação da Telecom Italia na Globo.com e os negócios conjuntos dos dois grupos em telefonia celular. Ele concluiu que os espiões desistiram de procurá-lo.

Mágoa
Os espiões escolhem os alvos que, além de informações relevantes, possam ter mágoa dos ex-empregadores, o que os tornaria mais receptivos ao contato. Foi com essa ótica que o espião português Tiago Verdial se aproximou do motorista Adelson Pugliese, que serviu ao ex-presidente da Parmalat Gianni Grisendi.
Grisendi também vinha sendo investigado pela Polícia Federal por suspeita de fraude na gestão da Parmalat e o telefone do motorista estava grampeado. A PF descobriu a Operação Tóquio e passou a vigiar os passos de Verdial e de outro espião da Kroll.
Gianni Grisendi foi presidente da TIM (Telecom Italia Mobile, do grupo Telecom Italia) de abril de 2001 a maio de 2002 e acionista minoritário de uma outra empresa italiana, a Tecnosistemi, que prestou serviços à TIM no Brasil. A empresa faliu deixando R$ 100 milhões de dívidas.
Na busca de elos entre a Telecom Italia e Grisendi, a Kroll se aproximou de ex-funcionários da Tecnosistemi. Os relatórios referem-se a contatos de Tiago Verdial com um ex-presidente da empresa, identificado como CR, que teria repassado informações sobre corrupção em prefeituras petistas no Estado de São Paulo.
O ex-presidente referido seria Claudio Raffaelli, que nega ter passado informações à Kroll. Ele afirmou que não teve contato com Verdial e qualificou de absurda a informação sobre pagamento de propinas às prefeituras.
Os funcionários cooptados são identificados por siglas. Uma ex-funcionária da Telecom Italia no Brasil, que teria repassado informações sobre Carmelo Furci, é identificada como M. Um dos arquivos da Kroll diz que M é amiga de uma ex-assessora de FHC no Palácio do Planalto. O espião usa a ligação entre elas para obter informações da CPI do Banestado.

Funcionários públicos
Os arquivos atribuídos à Kroll foram entregues à Polícia Federal pela Telecom Italia, no dia 16 de julho, e podem ser localizados nos sites ucho.info e www.carosamigos.com.br.
No relatório intitulado ""Project Tokio 5", o espião diz ter recebido informação da PF de que o ex-presidente da Telecom Italia no Brasil Carmelo Furci não estava na lista da CPI do Banestado.
Outro relatório cita o conteúdo de conversas telefônicas de Nelson Tanure com seu advogado Carlos Eduardo Bulhões e com o ex-presidente do grupo canadense TIW Bruno Ducharme, ex-sócio do Opportunity na Telemig Celular e Tele Norte Celular.
O relatório afirma que as gravações teriam sido obtidas junto à PF ""por vias legais", mas Bulhões disse desconhecer a existência de tal autorização judicial.
Segundo advogados consultados pela Folha não há forma legal de se obter o teor de conversas telefônicas na Polícia Federal.
Um dos arquivos da Kroll contém 46 e-mails do empresário Luiz Roberto Demarco. Entre eles, estão duas mensagens de Gushiken para Demarco, de fevereiro e março de 2001, sobre a criação de um portal da Previdência e sobre uma reunião na Abrapp (Associação Brasileira de Previdência Privada).
Segundo Demarco, os textos reproduzidos pela Kroll são parte de 6.000 e-mails que ele afirma terem sido roubados do computador de sua empresa, em abril de 2001, e repassados à Kroll por sua ex-mulher Regina Yasbek. Procurada pela Folha, Yasbek não respondeu a acusação.


Colaborou RUBENS VALENTE, da Reportagem Local


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