São Paulo, sábado, 25 de outubro de 2008

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

ELEIÇÕES 2008 / SÃO PAULO

Maior adversário de Marta foi o "kassabinho", diz psicólogo

A figura do "bom menino" evidenciou contradições da petista, que encarna a figura da "mulher discriminada", mas na realidade "é rica"

Já filósofo acha que prefeito projeta imagem que não desperta nem amor nem ódio


RAFAEL CARIELLO
DA REPORTAGEM LOCAL

Mais que o político Gilberto Kassab, candidato do Democratas, quem criou dificuldades reais para a aspirante petista à Prefeitura de São Paulo, Marta Suplicy, foi o simpático e abobalhado "kassabinho".
Quem defende a idéia é o psicólogo Jacob Pinheiro Goldberg, autor, entre outros, de "Monólogo a Dois" (Centro de Estudos da Mentalidade, 2002) e "Cultura e Agressividade" (Landy, 2004). Ele argumenta que é possível fazer uma "análise psicológica" da conduta dos candidatos "enquanto atores do teatro político" -o que é diferente, diz, da condenável tentativa de fazer psicanálise à distância desses indivíduos.
Para Goldberg, a imagem de Marta entrou em crise ao se ver confrontada com um oponente que veste "o papel de bom menino" e que tem seu "traço de regressão infantil" tão bem representado pelo bonequinho criado pelo marketing político.
A petista, afirma o psicólogo, sempre procurou encarnar "a condição da mulher brasileira, que é verdadeiramente discriminada numa sociedade brutalmente machista". Ocorre que essa identificação, não só com as mulheres, mas com as minorias em geral, criava uma dissonância, ele diz, com outra característica de Marta, a de ser "uma mulher rica e poderosa".
"Até pela origem dela como mulher rica, se cria uma dissonância entre essa imagem [de identificação com as minorias] e seu poder. Ela corria o risco de se aproximar de uma situação não persuasiva, não convincente", diz Goldberg.
O problema era menor, defende o psicólogo, quando Marta se confrontava com uma figura pública como a de Paulo Maluf (PP), afinal um representante desse poder tradicional, machista, "candidato da ditadura". Diante de Kassab, o "bom menino", ele diz, as contradições da imagem de Marta se tornam mais evidentes.
"O Gilberto Kassab tenta fazer o papel de bom menino, e nesse papel ele fica bem ajustado. Até essa falta de casamento vai bem com essa imagem, sabe? Tem uma coisa de moço bom do interior, casadoiro, o genro que toda mãe do interior gostaria de ter. Ele mesmo diz que está sendo muito assediado com propostas de casamento", diz o psicólogo. "O kassabinho tem um traço de regressão infantil que eu vejo no Kassab."
O professor de ética e filosofia política da USP, Renato Janine Ribeiro, faz ressalvas à interpretação de Goldberg e afirma que "a imagem depende do público": "Não há percepção universal". Marta, por exemplo, "é uma personagem complexa", dona de "uma exuberância de significados, alguns deles percebidos antipaticamente pela classe média, como o fato de ela estar próxima dos pobres", afirma Janine Ribeiro.
Já Kassab teria sua percepção por diferentes públicos menos condicionada que a de Marta, ele diz, por "projetar a imagem de uma tela semi-vazia": "Ele é do PFL (também conhecido como DEM) mas também do PSDB", diz Janine Ribeiro. "E seu partido, como praticamente não existe em São Paulo, permite que dele se diga o que quer que seja. Na Bahia, o PFL-DEM é uma identidade precisa; em São Paulo, não."
Numa interpretação oposta à de Goldberg, Janine afirma que a petista se beneficiou, no passado, de suas supostas "contradições". "Apesar de petista e de sexóloga, ela se beneficiou de ser rica e bonita: numa cidade conservadora, isso atenuava o veneno do radicalismo. A contradição de Marta na verdade a beneficiava, não a prejudicava. Para muitos conservadores, ser rico é uma vantagem, e defender as minorias, um problema."
Já o "low profile" de Kassab, afirma, é o que o beneficia hoje. "Também tem suas vantagens, porque não desperta muita inveja nem ódio. Não imagino fanatismo a favor ou contra Kassab, como há contra Marta. Alguém diz que vota em Marta só por ser contra Kassab? Quem tem medo do excesso de significados não gosta dela."
A imagem de "tela semi-vazia" de Kassab também serve para o filósofo explicar sua capacidade de destinatário dos votos tucanos: "Kassab herda bem um patrimônio tucano, o da sensatez que não entusiasma. No esgotamento de Geraldo Alckmin, que mostrava uma contradição entre a auto-imagem zen e a prática real do ataque ininterrupto aos adversários, Kassab expressa bem a idéia de que um governo pode ser bom porque seria neutro, limpo ("Cidade Limpa'), como se fosse possível governar sem tomar decisões. Marta se expõe mais e por isso se arrisca".


Texto Anterior: Bastidores
Próximo Texto: Frase
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.