São Paulo, sexta-feira, 25 de novembro de 2005

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VISÕES DA CRISE

O fracasso da ortodoxia

LUIZ FERNANDO DE PAULA
ESPECIAL PARA A FOLHA

A economia brasileira nos últimos anos tem sido marcada pelo baixo crescimento: média de 2,3% de 1999 a 2004 e possivelmente 3% em 2005. O crescimento econômico tem sido obstaculizado, entre outros fatores, pela vulnerabilidade externa, que torna o país vulnerável a choques externos e a avaliação de risco dos investidores, e pela adoção de um mix de políticas fiscal e monetária contracionistas, o que impõe uma restrição de demanda ao crescimento, que tem sido parcialmente compensado pelo crescimento das exportações líquidas. Comparativamente à performance de outros países emergentes, o crescimento brasileiro tem sido modesto: a Índia cresceu a taxa média de 6,1% de 1992 a 2003, a Malásia, 6%, e a China, 9,8% no mesmo período.
Um dos elementos centrais do imbróglio macroeconômico brasileiro é o elevado nível da taxa de juros reais praticada no país (10% reais, em média, de 1999 a 2004), incompatível com um crescimento econômico sustentável e financeiramente estável.
As altas taxas de juros resultam em: (1) um constrangimento ao crescimento econômico, através do encarecimento do preço do crédito e dos impactos negativos das taxas de juros sobre as expectativas empresariais de longo prazo; (2) um aumento na dívida pública, que é formada em boa parte por títulos indexados à taxa de overnight.
O alto grau de abertura da conta de capitais no Brasil é um dos fatores que colocam a taxa de juros entre as mais altas do mundo, ao torná-la bastante influenciada tanto pelo risco-país quanto pela expectativa da taxa de câmbio.
Adiciona-se a esses fatores o conservadorismo excessivo das autoridades monetárias que faz com que o BC (Banco Central) eleve a taxa de juros sempre que haja qualquer ameaça de uma possível elevação nos preços, independentemente da causa. No atual regime de política econômica observa-se uma dominância da política monetária sobre a política fiscal: dado o compromisso do governo com a solvência fiscal, quando o BC, por algum motivo, eleva a taxa de juros básica, o Tesouro é obrigado a se ajustar, elevando ainda mais o superávit primário fiscal.
A questão central da política macroeconômica, portanto, é criar condições para redução da taxa de juros. Uma redução gradual, porém significativa da taxa de juros reais, permitiria converter o círculo vicioso em um círculo virtuoso de crescimento: juros baixos, diminuição na dívida pública, melhoria no quadro fiscal, aumento nos investimentos públicos, menores taxas de empréstimos, crescimento do crédito, maior crescimento econômico.
No Brasil, em contexto de operação de um regime de metas de inflação acoplado a um regime de flutuação cambial "puro", há uma forte relação entre a política monetária e a política cambial: a volatilidade excessiva da taxa de câmbio gera problemas de gerenciamento da política macroeconômica, além de afetar negativamente as decisões empresariais de investimento. De forma geral, a política monetária praticada no Brasil tem sido endógena: o BC eleva a taxa de juros para mitigar os efeitos da volatilidade da taxa de câmbio, embora recentemente o BC venha elevando de forma mais autônoma a taxa de juros, no que tem resultado uma apreciação da taxa de câmbio e uma queda da inflação.
Uma redução da taxa de juros de curto prazo seria possível através da adoção de um conjunto de medidas: (1) desmantelamento dos mecanismos de indexação da economia ainda existentes; (2) combinação de uma política de formação de reservas cambiais com uma regulamentação nos fluxos de capitais permitiria uma maior estabilidade da taxa de câmbio nominal; (3) adoção de restrições aos fluxos de capitais, que permitiria um maior grau de autonomia da política monetária; (4) melhoria na situação fiscal, proporcionada por esforço moderado de geração de superávits fiscais com juros mais baixos e maior crescimento.
Evidentemente, uma mudança desta natureza não será feita pelo atual governo, que há muito fez sua opção por uma política ao agrado do mercado financeiro e que a nosso juízo tem um viés anticrescimento. Mas, certamente, uma política macroeconômica voltada para o crescimento estará na pauta da discussão na eleição que se aproxima.


Luiz Fernando de Paula é professor da Faculdade de Economia da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (FCE-UERJ) e co-editor do livro "Novo-Desenvolvimentismo" (Manole)


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