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A despersonalização da economia
MÁRIO RAMOS RIBEIRO
ESPECIAL PARA A FOLHA
Como não poderia ser diferente, a crise do mensalão e
a aproximação das eleições mexeram no ponto mais delicado da
economia: o gasto público.
Existe um ditado popular na região amazônica que expressa
muito bem o papel da ministra
Dilma nesta história toda: "Jabuti
no galho do pau ou foi enchente
ou mão de gente". É óbvio que "a
companheira de armas" falou
com apoio do presidente. O próprio comportamento do presidente Lula no episódio -silente e
conivente- assim o atesta.
Destarte, o cenário político hoje
nos encaminha para um futuro
em que o ciclo eleitoral de negócios deve ser dominante sobre a
razão técnica da política econômica. Ainda que o presidente da
República venha a engolir o ministro Palocci, mantendo-o no
cargo, não há dúvida de que reinará entre os dois um ambiente
de desconfiança recíproca. O que
é muito ruim para a economia.
A divergência Lula-Palocci levantou a discussão sobre o afastamento do ministro. Devem ser
lembradas aqui algumas questões
importantes:
a) os custos econômicos e políticos da mudança de um ministro
da Fazenda são grandes em qualquer lugar do mundo. Como não
existe almoço grátis, isto é, todas
as ações sociais têm preço, uma
eventual saída de Palocci será precificada através do aumento do
"custo de transação" da economia, mesmo que o novo ministro
deseje manter a mesma política
econômica;
b) a economia brasileira tem o
mais curto "ciclo eleitoral de negócios" do mundo ocidental. Temos eleições a cada dois anos. O
fato é mais grave porque, em países de tradição política fortemente personalista, como é o caso brasileiro, as eleições costumam parir algum demiurgo, com receitas
fáceis, rápidas e indolores. A figura macunaímica de personalismo
com pajelança habitualmente
produz enormes elevações do
gasto público na compra de espelhos e de outras miçangas;
c) finalmente, o ponto de maior
preocupação: o "custo de legitimação". Um dos fatores que contribuíram para a política ortodoxa
do governo Lula foi a necessidade
do PT de provar que "era confiável", que não provocaria retrocesso econômico movido por fantasias esquerdistas. Isso elevou a taxa Selic além do suportável por
muito tempo, o que por seu turno
resultou em necessidades de superávits primários maiores.
O presente momento é uma demonstração cabal do "custo de legitimação" e seus efeitos deletérios: o Brasil superou a meta de
4,5% do PIB (superávit fiscal primário), atingindo 6,26% em setembro, mas não está conseguindo engolir a conta de juros.
A eventual saída do ministro
Palocci geraria sempre um resultado econômico líqüido negativo.
Em primeiro lugar porque, se o
ministro for afastado, o novo
também enfrentaria o problema
do "custo de legitimação". Afinal
de contas, ninguém politicamente
maduro trocaria de ministro em
ano eleitoral a não ser que fosse
para imprimir uma nova dinâmica à política econômica. Tratando-se de um governo "de casa dividida", o "custo de legitimação"
imporia atrasos consideráveis ao
país, podendo até revogar as conquistas obtidas na economia no
Brasil desde 1993.
Em segundo lugar, porque o enfraquecimento institucional do
país foi algo pavoroso de 2003 para cá. Se a simples mudança de
ministro da Fazenda retira do país
as condições para aprofundar os
seus "fundamentais", um novo
ministro com inclinações em favor do ciclo eleitoral de negócios
produziria algo inimaginável.
Não se trata, portanto, de personalizar a administração da economia, mas de institucionalizá-la.
Palocci é importante não por si,
mas por ter prosseguido a despersonalização da gestão da economia iniciada em 1993 e amadurecida no segundo mandato de Fernando Henrique Cardoso com a
criação dos dois pilares fundamentais ao equilíbrio macroeconômico: a Lei de Responsabilidade Fiscal e o regime de metas de
inflação.
A possível saída de Palocci, em
troca de uma aventura eleitoral,
representa mais do que uma mudança de ministro. Demonstra
uma vontade irresponsável de
romper com a austeridade fiscal.
Mário Ramos Ribeiro é doutor em economia pela USP, presidente do Banco do
Estado do Pará, professor titular da Universidade da Amazônia e da Universidade Federal do Pará
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