São Paulo, sexta-feira, 25 de novembro de 2005

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A despersonalização da economia

MÁRIO RAMOS RIBEIRO
ESPECIAL PARA A FOLHA

Como não poderia ser diferente, a crise do mensalão e a aproximação das eleições mexeram no ponto mais delicado da economia: o gasto público.
Existe um ditado popular na região amazônica que expressa muito bem o papel da ministra Dilma nesta história toda: "Jabuti no galho do pau ou foi enchente ou mão de gente". É óbvio que "a companheira de armas" falou com apoio do presidente. O próprio comportamento do presidente Lula no episódio -silente e conivente- assim o atesta.
Destarte, o cenário político hoje nos encaminha para um futuro em que o ciclo eleitoral de negócios deve ser dominante sobre a razão técnica da política econômica. Ainda que o presidente da República venha a engolir o ministro Palocci, mantendo-o no cargo, não há dúvida de que reinará entre os dois um ambiente de desconfiança recíproca. O que é muito ruim para a economia.
A divergência Lula-Palocci levantou a discussão sobre o afastamento do ministro. Devem ser lembradas aqui algumas questões importantes:
a) os custos econômicos e políticos da mudança de um ministro da Fazenda são grandes em qualquer lugar do mundo. Como não existe almoço grátis, isto é, todas as ações sociais têm preço, uma eventual saída de Palocci será precificada através do aumento do "custo de transação" da economia, mesmo que o novo ministro deseje manter a mesma política econômica;
b) a economia brasileira tem o mais curto "ciclo eleitoral de negócios" do mundo ocidental. Temos eleições a cada dois anos. O fato é mais grave porque, em países de tradição política fortemente personalista, como é o caso brasileiro, as eleições costumam parir algum demiurgo, com receitas fáceis, rápidas e indolores. A figura macunaímica de personalismo com pajelança habitualmente produz enormes elevações do gasto público na compra de espelhos e de outras miçangas;
c) finalmente, o ponto de maior preocupação: o "custo de legitimação". Um dos fatores que contribuíram para a política ortodoxa do governo Lula foi a necessidade do PT de provar que "era confiável", que não provocaria retrocesso econômico movido por fantasias esquerdistas. Isso elevou a taxa Selic além do suportável por muito tempo, o que por seu turno resultou em necessidades de superávits primários maiores.
O presente momento é uma demonstração cabal do "custo de legitimação" e seus efeitos deletérios: o Brasil superou a meta de 4,5% do PIB (superávit fiscal primário), atingindo 6,26% em setembro, mas não está conseguindo engolir a conta de juros.
A eventual saída do ministro Palocci geraria sempre um resultado econômico líqüido negativo. Em primeiro lugar porque, se o ministro for afastado, o novo também enfrentaria o problema do "custo de legitimação". Afinal de contas, ninguém politicamente maduro trocaria de ministro em ano eleitoral a não ser que fosse para imprimir uma nova dinâmica à política econômica. Tratando-se de um governo "de casa dividida", o "custo de legitimação" imporia atrasos consideráveis ao país, podendo até revogar as conquistas obtidas na economia no Brasil desde 1993.
Em segundo lugar, porque o enfraquecimento institucional do país foi algo pavoroso de 2003 para cá. Se a simples mudança de ministro da Fazenda retira do país as condições para aprofundar os seus "fundamentais", um novo ministro com inclinações em favor do ciclo eleitoral de negócios produziria algo inimaginável.
Não se trata, portanto, de personalizar a administração da economia, mas de institucionalizá-la. Palocci é importante não por si, mas por ter prosseguido a despersonalização da gestão da economia iniciada em 1993 e amadurecida no segundo mandato de Fernando Henrique Cardoso com a criação dos dois pilares fundamentais ao equilíbrio macroeconômico: a Lei de Responsabilidade Fiscal e o regime de metas de inflação.
A possível saída de Palocci, em troca de uma aventura eleitoral, representa mais do que uma mudança de ministro. Demonstra uma vontade irresponsável de romper com a austeridade fiscal.


Mário Ramos Ribeiro é doutor em economia pela USP, presidente do Banco do Estado do Pará, professor titular da Universidade da Amazônia e da Universidade Federal do Pará


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