São Paulo, quinta, 25 de dezembro de 1997.




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ALIMENTAÇÃO
Na hora de ir comprar comida, menos de R$ 1 de cada R$ 5 gastos no país vem de famílias de excluídos
Pobre come 60% menos do que deveria

da Reportagem Local

A piada é velha: uma pessoa come um frango, outra não come nada, mas, pela média, ambas comeram meio frango. Em proporções diferentes, é o que acontece com o mercado alimentar brasileiro.
Uma a cada três famílias das regiões metropolitanas do país vive com renda de até R$ 600,00 por mês. Mas na hora de ir à feira, à padaria ou ao supermercado, menos de R$ 1,00 de cada R$ 5,00 gastos vem dessas famílias excluídas.
Ou seja: sua parcela do mercado alimentar é 60% menor que deveria ser. Longe da periferia, os domicílios com renda mensal superior a R$ 2.400,00 abrigam apenas 17% das famílias das maiores cidades. Mas sua fatia do mercado de alimentação é o dobro disso: elas comem 34% dos produtos.
Em poucos casos as distorções provocadas pelo cálculo de uma média são tão dramáticas quanto no da alimentação. As diferenças no consumo de comida entre classes sociais variam de produto para produto, de cidade para cidade.
Assim, a média de gasto para compra de carne bovina de primeira, de R$ 11,89 por mês, sugere que todas as famílias das cidades pesquisadas estão comendo 2 kg de contra-filé por mês. Engano.
Com gasto mensal de R$ 2,64 com carne de primeira e R$ 3,37 com carne de segunda, uma a cada dez famílias não consome mais do que 0,5 kg de fraldinha e 1 kg de músculo. São famílias com três pessoas e cuja renda, somada, não passa de R$ 240,00/mês.
Na outra ponta da cadeia estão famílias com três a quatro pessoas e renda superior a R$ 3.600,00 por mês. Elas também representam 10% da população, mas gastam quase dez vezes mais em carne de primeira do que o outro grupo.
Os R$ 28,90 de despesa com carne bovina são suficientes para esse segmento comprar 3,6 kg de contra-filé e 1 kg de carne moída por mês. Além de cortes mais macios, cada membro da família de elite terá comido no mínimo o dobro de carne do que os excluídos.
A distorção se reproduz em cerca de 90% dos mercados.
Apenas três itens são proporcionalmente mais consumidos pelas famílias excluídas do que pelas demais: carne de boi enlatada, farinha de mandioca e açúcar cristal.
Nos mercados de leite em pó e feijão as famílias mais pobres têm praticamente a mesma fatia que representam da sociedade: 33%.
Com 17% do total de famílias, a elite das regiões metropolitanas tem participação superior a sua representação social em 90% dos mercados. Só em quatro ela fica abaixo, justamente os de produtos populares, como farinha de mandioca e carne bovina de segunda.
Mais do que isso, as famílias com renda superior a R$ 2.400,00 dominam seis mercados. Produtos como azeitona e azeite de oliva são mais consumidos por esses 17% da população.
Cada cidade ou região metropolitana tem suas próprias características na hora de ir à mesa.
Em São Paulo, por exemplo, o que diferencia a alimentação das famílias de elite das excluídas é o consumo de aves que não o frango: 64% do mercado é das famílias com renda superior a R$ 2.400,00.
O fenômeno se repete em Porto Alegre, mas a maior característica do cardápio das famílias ricas gaúchas é a azeitona: 78% do consumo vai para a elite. Só 4% das empadas dos pobres recebem azeitona.
(JOSÉ ROBERTO DE TOLEDO)


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