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Entrevista da 2ª
D. RAYMUNDO DAMASCENO ASSIS
"O Brasil e a América Latina vão reevangelizar a Europa"
Arcebispo de Aparecida e anfitrião do papa durante visita ao país, d. Raymundo diz que caminho mudou e que futuro da igreja passa pelos missionários dos países pobres
LEANDRO BEGUOCI
ENVIADO ESPECIAL A APARECIDA (SP)
O arcebispo de Aparecida (SP), D. Raymundo Damasceno, 69, receberá Bento 16 em maio de 2007, na visita do papa ao Brasil. Ele afirma que
o sumo pontífice verá, durante sua estada no
país, uma igreja disposta e capaz de enviar missionários para
suprir a falta de vocações na Europa e atribui esse fato, entre
outros, à forma como as dioceses brasileiras são governadas.
D. Raymundo é tido, dentro
da igreja do Brasil, como um
moderado. Ao mesmo tempo
em que se preocupa com problemas sociais, é fiel ao Vaticano. Embora destaque que a
igreja do Brasil e da América
Latina toma decisões conjuntas e se reúne para debater problemas comuns, diferente da
Europa, o arcebispo (que já ensinou filosofia na Universidade
de Brasília) diz que a igreja não
é uma democracia.
Hoje, o bispo está todo voltado para a organização da 5ª
Conferência do Episcopado Latino-americano e do Caribe,
que será aberta pelo papa em 13
de maio de 2007 com a participação de bispos de 22 países.
Ele deposita suas esperanças
de que a conferência se baseará
nos preceitos do Concílio Vaticano 2º (1962-1965), que reformou a igreja no século 20, nas
conferências anteriores no Rio
de Janeiro (1955), Medellín
(1968), Puebla (1979) e Santo
Domingo (1992) para formular
soluções referentes aos problemas que afligem os católicos
neste começo de século, como a
perda de fiéis para as igrejas
neopentecostais.
FOLHA - As conferências não têm
data certa para ocorrer. Por que organizá-la agora?
D. RAYMUNDO DAMASCENO ASSIS -
Na última conferência, não se
falava em globalização. Falava-se da queda do comunismo.
Hoje, há também o fenômeno
dos movimentos religiosos. O
surgimento forte das igrejas
pentecostais ou neopentecostais. Você tem também a urbanização mais intensa, a brecha
entre ricos e pobres continua e
já se fala até de uma concentração ainda maior de riqueza.
FOLHA - A conferência é importante porque o papa vem ao Brasil ou
Bento 16 vai a Aparecia porque a
conferência é importante?
D. RAYMUNDO - O papa vem por
causa da conferência. As conferências anteriores, com exceção da primeira, que ocorreu no
Rio de Janeiro em 1955, foram
inauguradas pelos papas.
Essa modalidade de assembléia é própria da América Latina. Não existem conferências
gerais do episcopado europeu.
Aqui, os delegados para a conferência são eleitos.
FOLHA - A igreja se democratizou?
D. RAYMUNDO - Não é democratização. É uma expressão colegial da igreja. É diferente. Nós,
bispos, formamos um colégio
que tem como cabeça o papa.
Os bispos estão em comunhão
entre si e com o papa.
A partir do Concílio Vaticano
2º, a igreja adotou certos mecanismos de governo colegial.
Nós não falamos democrático.
Preservamos a autoridade do
papa e dos bispos. Não se pode
falar em democracia na igreja.
Hoje, há mecanismos de governo da igreja que são mais colegiais. Você tem o Sínodo dos
Bispos, que é uma forma de o
papa governar a igreja se assessorando com os bispos, que se
reúnem de três em três anos.
As conferências episcopais
também são organismos onde
os bispos, em conjunto, debatem e tomam decisões em conjunto. O mundo se tornou mais
complexo. Um bispo, hoje, não
tem como lidar com problemas
que ultrapassam os limites da
sua diocese. Ele precisa se unir
a outros para encontrar respostas a problemas que a igreja
tem de enfrentar naquele país.
FOLHA - Então como se define essa
mudança na igreja?
D. RAYMUNDO - A igreja é uma
comunhão, é mistério, não é
uma entidade que você analisa
meramente do ponto de vista
sociológico.
As pessoas interpretam a
igreja na base de poder, não sabe se ganha a esquerda ou a direita, vai fazendo a análise. Isso
é uma análise muito redutiva.
A igreja é obra de Deus, para
nós que temos fé. Ela é comunhão, não é democracia. É uma
unidade na diversidade, mas
onde se respeitam as funções e
as responsabilidades.
É a imagem do corpo expressa por São Paulo: somos um
corpo com diversos membros,
diversas funções. Cada órgão
trabalha complementando o
outro, em harmonia com o outro para o bem de todo o corpo.
FOLHA - É correto dizer que a igreja
no Brasil é menos "romana"?
D. RAYMUNDO - A igreja é católica, apostólica e romana enquanto tem seu centro em Roma. O papa está em Roma. Nós
não podemos entender a igreja
sem o papa. O próprio Cristo,
ao escolher os apóstolos, os escolheu e os constituiu em forma de um colégio. E deu a esse
colégio uma cabeça, São Pedro.
Não é romana no sentido de
que todo mundo tem que falar
italiano ou usar os costumes da
Itália. Na conferência aqui em
Aparecida, por exemplo. O papa vai dar orientações. Vai falar,
colocar como pastor da igreja
suas preocupações que vão certamente iluminar os trabalhos
da conferência. Mas os bispos
têm liberdade para discutir, tomar decisões.
FOLHA - O sr. acha que as adaptações ajudam a explicar a sobrevivência da igreja ao longo do anos?
D. RAYMUNDO - A durabilidade
da igreja é por ser obra de Deus.
O projeto de Deus para salvar a
humanidade encontrou seu
ponto maior no mistério da encarnação, em Jesus Cristo, de
tal maneira que a igreja é continuação da missão de Cristo na
Terra. Por isso ela dura. Contudo, a igreja é humana e divina,
tem suas limitações, não é extraterrestre, está encarnada no
mundo, na sociedade. E por isso está sujeita a críticas. Você
não pode criticar o que não
existe ou não tem história.
FOLHA - Como dialogar com outras
religiões quando se acredita que foi
escolhida por Deus?
D. RAYMUNDO - Um caminho conhecido para a salvação é o da
Igreja Católica. Deus tem outros caminhos que nós não conhecemos. Por isso que você tem que respeitar, por isso você
não pode dizer que esse está no
inferno e esse outro não.
Uma pessoa numa igreja determinada, ou até mesmo sem
religião, mas que age honestamente, essa pessoa pode ser
salva por caminhos que nós não
conhecemos.
Mas nós, católicos, temos
que trabalhar a nossa identidade. Não há diálogo possível sem
uma identidade clara. Senão,
não teremos nada a oferecer no
diálogo com as outras religiões.
FOLHA - Essa é a primeira viagem
de Bento 16 a um país que não pertence ao hemisfério Norte. Ele vai
ter alguma surpresa por aqui?
D. RAYMUNDO - O papa vai encontrar um povo profundamente religioso, diferente da
Europa, dos Estados Unidos,
países marcados pelo secularismo, pelo bem-estar, pelo materialismo. Aqui não. Basta andar
em Aparecida. Domingo passado (dia 17), vieram 200 mil romeiros, sem motivo especial.
FOLHA - O Brasil pode contribuir
para mudar esse cenário na Europa?
D. RAYMUNDO - Acho que nós temos que mostrar essa alegria
de ser igreja. Depois, temos que
valorizar uma liturgia cada vez
mais participativa, mais dinâmica, mais alegre. Respeitando,
evidentemente, as normas da
liturgia. Mas isso não impede
que a liturgia seja cantada pelo
povo. Aqui, a igreja, do ponto de
vista dos seus dirigentes, é muito mais próxima do povo.
FOLHA - O futuro da igreja está no
que se chamava de Terceiro Mundo?
D. RAYMUNDO - Sem dúvida nenhuma. Temos uma responsabilidade e um dever de gratidão com a Europa. Temos de retribuir os missionários que eles
nos mandaram no século 16.
Nós, agora, devemos ser uma
igreja missionária, dinâmica,
que é capaz de sair da sua terra
para dinamizar novamente a
igreja, sobretudo na Europa. O
caminho se inverteu.
O Brasil, a América Latina
vão, digamos, reevangelizar a
Europa. Estive na Europa e vi a
dificuldade. Dioceses de lá me
pedem padres e até seminaristas. Passou aqui por Aparecida
um bispo francês, gostou muito
dessa minha colocação e disse
que ia me pedir padres e seminaristas. Da Itália eu já tenho
pedidos. Eles não têm vocações
suficientes para substituir os
padres idosos e doentes. O Brasil vai levar a nova evangelização para a Europa.
FOLHA - O sr. acha que a ordenação
de mulheres entrará em pauta nessa nova fase da igreja?
D. RAYMUNDO - Não, porque a
igreja é bem clara em relação a
isso. Não é permitido. Mas não
é necessário ser padre para participar da igreja. Você pode participar de diversas maneiras. As
mulheres estão participando
de outras instâncias de decisão,
na Cúria romana há muitas
mulheres trabalhando. Hoje há
mulheres fazendo teologia,
dando contribuições teológicas. Há muitas maneiras de
participar da igreja. Se o sacerdócio fosse a única maneira,
então seria discriminação.
FOLHA - O fim do celibato também
não é cogitado?
D. RAYMUNDO - O celibato é uma
questão disciplinar, mas não é
só disciplinar. Tem um valor
evangélico, próprio, teológico,
que nós temos que ver.
Há um valor no sentido de
que o celibato é uma forma de
se colocar de uma maneira
mais disponível, mais radical,
total, ao serviço ao reino de
Deus. Ao mesmo tempo, o celibato é um sinal do mundo que
nós aguardamos. Porque, como
diz o Evangelho, não haverá casados no céu, não há necessidade de casamento porque a espécie humana estará completa.
Não haverá necessidade de
multiplicar a espécie humana
no céu. Seremos como anjos.
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