|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
GOVERNO PETISTA
Estudos do ministério fazem diagnósticos distintos do Fome Zero
Palocci amplia atuação da Fazenda para a área social
GUSTAVO PATÚ
SÍLVIA MUGNATTO
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
Enquanto o projeto Fome Zero
é preparado, em meio a críticas e
indefinições, para ser a principal
vitrine do governo Luiz Inácio
Lula da Silva, um conjunto de diretrizes inovadoras e potencialmente polêmicas voltadas à área
social é debatido num local inusitado: o Ministério da Fazenda.
Antonio Palocci Filho e sua
equipe, com influência e colaboração de economistas de fora do
governo, trabalham com o diagnóstico de que tão cedo não será
possível elevar de forma visível os
gastos no setor -mais que isso:
essa não deve mesmo ser a prioridade da política social agora.
Mais importante, acredita-se, é
descobrir quem são e quantos são
os realmente miseráveis do país;
coordenar a administração dos
diversos programas e direcioná-los aos alvos corretos; definir indicadores para avaliar se os recursos
empregados de fato contribuem
para reduzir a desigualdade e a
pobreza.
Dito assim, não parece nada
além do óbvio, e até espanta que
não tenha sido feito antes. Quando se desce aos detalhes, porém,
percebe-se que Palocci, mesmo
no seu estilo cauteloso e conciliador, pretende caminhar em terreno minado.
Um exemplo simples: para a Fazenda, os brasileiros ameaçados
pela fome e pela subnutrição somam algo como 25 milhões. O
Fome Zero, a partir de uma meta
ambiciosa exibida durante toda a
campanha eleitoral, se propõe a
atender 44 milhões de pessoas.
Outro caso é a conclusão de que
a ação antipobreza deve priorizar
as crianças. Parece uma banalidade, mas o fato é que o Orçamento
deste ano destina R$ 1,5 bilhão ao
programa Bolsa-Escola, enquanto as universidades federais levarão R$ 7 bilhões do Ministério da Educação.
E o principal gasto social do governo, de longe, é com os benefícios do Instituto Nacional do Seguro Social, que devem chegar a
mais de R$ 100 bilhões neste ano.
Uma das principais promessas de
Lula na campanha foi dobrar o salário mínimo, o que atende principalmente aos aposentados.
Custo-benefício
Palocci conduz os estudos com
discrição e cuidado político
-não quer a imagem de um superministro da economia estendendo seus tentáculos sobre a
área social. Uma primeira versão
de sua lista de diretrizes será conhecida no final deste mês, prazo
dado por Lula para que os ministros apresentem seus planos.
A parte mais consensual, ainda
que tecnicamente complexa, do
trabalho é a definição de parâmetros de avaliação da eficácia dos
programas sociais. A equipe de
Palocci cita o sistema de acompanhamento de obras públicas implantado no governo Fernando Henrique Cardoso.
"Hoje já existe uma relação entre o físico e o financeiro [é possível saber quanto foi gasto em cada programa e qual foi o resultado
para o total gasto]", diz o secretário do Tesouro, Joaquim Levy. "O
que é importante é fazer o mesmo
sobre o benefício que os programas trazem."
Levy menciona especialistas do
Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, ligado ao Planejamento) que já desenvolvem critérios para medições assim. "Esses estudos medem, por exemplo,
o efeito da Bolsa-Escola na redução do trabalho infantil. E podem
responder a perguntas como: Se
eu duplicar a bolsa, haverá um aumento do nível de escolaridade ou
é melhor dirigir os recursos para
outro programa?"
Economistas da pobreza
A referência de Levy ao Ipea não
é casual. Vários economistas do
instituto têm se dedicado ao estudo das causas da pobreza e da desigualdade social no Brasil, entre
os quais se destaca Ricardo Paes
de Barros.
A influência de Paes de Barros
nos trabalhos conduzidos pela
equipe de Palocci começa por um
diagnóstico de sua autoria e já repetido mais de uma vez pelo ministro: o governo não gasta pouco
com a área social e, ainda assim, a concentração de renda se mantém
praticamente inalterada há pelo
menos três décadas.
Paes de Barros foi um dos 17
economistas que, durante a campanha eleitoral, elaboraram uma
espécie de programa de governo
combinando uma visão liberal da
economia e uma reformulação
das políticas sociais, batizado como "Agenda Perdida" -oferecida, sem sucesso, a todos os principais candidatos ao Planalto.
Um dos coordenadores do documento foi Marcos Lisboa, chamado por Palocci para a Secretaria de Política Econômica. O outro foi José Alexandre Scheinkman, que teve breve participação
na campanha do hoje ministro
Ciro Gomes (Integração Nacional), do PPS.
O receituário proposto no trabalho tem grande peso no discurso de Palocci, obrigado pelas contingências do cargo a conciliar a
defesa dos mais puros princípios
da ortodoxia econômica e os
compromissos do novo governo
com saúde, educação, assistência,
reforma agrária e qualquer coisa
que possa vir acompanhada do
adjetivo "social".
Entre as contribuições de Paes
de Barros tanto à "Agenda" como
ao pensamento de Palocci, estão
as propostas de um cadastro das
famílias pobres -já iniciado no
governo FHC- e de coordenação e avaliação sistemática dos
programas sociais.
Também na conta no economista do Ipea estão críticas ao
projeto Fome Zero, como no que
já considerou um exagero na definição do público-alvo.
Texto Anterior: Painel Próximo Texto: Doação ao Fome Zero serve de vitrine Índice
|