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ENTREVISTA DA 2ª
Leilah Landim, do Iser, vê também necessidade de politização do voluntariado
Para antropóloga, religião motiva voluntário
ANTÔNIO GOIS
DA REPORTAGEM LOCAL
A antropóloga Leilah Landim,
pesquisadora do Iser (Instituto de
Estudos da Religião) e professora
da Escola de Serviço Social da
UFRJ (Universidade Federal do
Rio de Janeiro), afirma que não se
pode dizer que o Brasil não tem
tradição em trabalho voluntário.
Ao pesquisar o tema, ela concluiu que doar tempo de forma
gratuita é prática comum no país,
mas com uma diferença em relação ao trabalho feito nos EUA:
aqui, a principal motivação é religiosa e reforçada por laços pessoais.
Segundo sua pesquisa, feita com
a socióloga Maria Celi Scalon, do
Iuperj (Instituto Universitário de
Pesquisas do Rio de Janeiro), 22%
dos brasileiros dedicam parte do
seu tempo para ações de ajuda.
A pesquisa, encomendada ao
Ibope em 1998, mostra que 50%
dos brasileiros adultos doaram
naquele ano alguma quantia para
instituições de caridade. Se forem
consideradas as doações feitas a
pessoas físicas, o percentual de
habitantes que fizeram alguma
doação sobe para 80%, ou seja,
quatro em cada cinco brasileiros.
Exemplos desse tipo de voluntariado no Brasil são mulheres que
tomam conta dos filhos das vizinhas que frequentam a mesma
igreja ou que visitam doentes que
fazem parte da sua comunidade.
Para ela, esse é um perfil diferente
do veiculado nas campanhas. Inspirado no modelo norte-americano, o voluntário que começa a ganhar espaço na sociedade é o "engajado", cuja motivação não é religiosa, mas social, e que não tem
laço afetivo com o beneficiário.
Ela se preocupa, no entanto,
com a tendência de substituir um
modelo de voluntariado por outro, e de a campanha não atingir a dimensão pretendida.
Folha - É errado dizer que o Brasil
não tem tradição de trabalho voluntário?
Leilah Landim - Sim. No Brasil,
foi recentemente que o voluntariado foi colocado como tema na
agenda para a opinião pública. O
que nos últimos anos tem-se procurado disseminar aqui pela mídia, por instituições privadas de
ação social e por entidades de origem empresarial nacionais e estrangeiras, é o conceito de voluntariado que existe, principalmente, na sociedade norte-americana.
Folha - Que modelo é esse?
Leilah - É um modelo que fala de
civismo, de uma sociedade que vê
o voluntariado como um compromisso cívico, mas que é baseado em iniciativas individuais que
valorizam talento, qualidade, resultado e eficácia das ações.
Folha - Qual a diferença do perfil
do voluntário que existe no Brasil?
Leilah - No Brasil, existe uma rede informal de trabalho voluntário que, muitas vezes, não aparece
e não se enquadra no conceito
que está sendo disseminado
atualmente pela maioria das campanhas. A ação de solidariedade
mais comum no Brasil é praticada
por pessoas com algum vínculo
pessoal com os beneficiados.
Folha - Por exemplo?
Leilah - Há exemplos de famílias
que criam, informalmente, uma
creche ou uma pequena entidade
para ficar com as crianças de sua
própria comunidade. As pessoas
criam formas de suprir suas necessidades materiais numa sociedade em que o Estado está mais
débil. No entanto, isso é feito normalmente, sem se pensar numa
relação de direitos e deveres, de
que é preciso pressionar o poder
público para fazer cumprir o direito à creche, por exemplo.
Folha - O que move essas pessoas?
Leilah - Geralmente, o que as
move não é a consciência de que
estão fazendo um dever de cidadãos. É mais uma relação de valores individuais, de ajuda a quem
precisa, de generosidade. Muitas
vezes, o motivo da doação é também por obrigação religiosa.
Folha - E nos EUA?
Leilah - Nos Estados Unidos predominam os valores individuais,
a idéia liberal de que o indivíduo
vai ter sucesso com seu esforço e
seu mérito. A formação daquele
país foi feita por meio de uma colonização de homens livres, onde
predomina a idéia do pioneiro, da
pessoa que tem iniciativa. Há
também uma tradição de separação da igreja e do Estado. Além
disso, o protestantismo americano promoveu a conquista de direitos cívicos, com participação
ativa na sociedade.
Folha - Hoje o que a senhora percebe no discurso oficial do estímulo
ao voluntariado?
Leilah - O conceito de voluntariado que hoje se propaga não é
mais aquele assistencialista. As
campanhas querem incentivar a
participação cívica, a qualidade, a
competência e a busca de resultados, assim como as empresas avaliam o resultado de suas ações.
Folha - Isso é positivo, ou não?
Leilah - Estamos diante de uma
questão importante: a ligação
desses valores novos associados à
cidadania e dos valores tradicionais da sociedade brasileira. Essas
duas lógicas podem se encontrar
ou entrar em choque. A eficácia
dessa campanha depende, em
grande parte, da comunicação entre esses dois mundos. Temos
uma cultura tradicional com valores extremamente positivos. O
atual discurso tem uma preocupação com "a implantação de
uma cultura moderna de voluntariado preocupado com a eficiência", ou seja, "a nova visão do trabalho comunitário não tem nada
a ver com caridade e esmola".
Folha - Como fazer para congregar esses dois perfis?
Leilah - Quem inaugurou de forma bem explicitada o encontro
desses dois perfis foi a Ação da Cidadania, cuja maior figura foi o
Betinho (o sociólogo Herbert de
Souza, que morreu em 1997). Ele
conseguiu apelar para os setores
tradicionais alertando sempre para a necessidade de que temos que
atuar com emergência ao mesmo
tempo em que cobramos do Estado. Isso mostra que os dois valores não são contraditórios. Houve, nessa época, uma espécie de
contaminação entre esses dois
campos: o que sempre trabalhou
com caridade e assistencialismo e
o que procurava incluir a questão
da cidadania e dos direitos no debate na sociedade.
Na nossa pesquisa, percebemos
que as pessoas concordavam com
a tese de que "é importante ajudar
os outros" principalmente por
causa de suas crenças religiosas.
Elas percebiam, no entanto, que
se o Estado cumprisse seu dever
não era preciso fazer o trabalho.
Folha - A cidadania está pouco
presente no incentivo ao voluntariado?
Leilah - É importante perceber
que campanhas se dão num contexto em que o Estado se desobriga cada vez mais das suas responsabilidades, uma característica do
neoliberalismo. A preocupação
que eu tenho é que qualquer campanha enfraqueça a lógica dos direitos, que veicule a idéia do pobre como uma vítima a ser ajudada. Estou mais preocupada com a
cultura que está sendo disseminada do que com os resultados imediatos. Meu receio é que aqui fale-se muito de doação e pouco em
direitos.
Folha - A senhora não está sugerindo a politização do trabalho voluntário?
Leilah - Toda ação social é política. O trabalho voluntário é uma
ação que se dá no campo da política, que enfrenta problemas que
têm que ser resolvidos por políticas públicas. Acho perigoso o termo voluntariado vir despolitizado da ação social.
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