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ELIO GASPARI
32 livros e o mistério de uma paixão
Reapareceu na Biblioteca
Mário de Andrade um expediente de três folhas que deveria
ser exposto nas principais casas
de livros do país. Foi achado em
2001, mas retornara ao arquivo
carregando de volta seu mistério.
Uma linda história, de final triste.
No dia 6 de abril de 1964, 48 horas depois da chegada do presidente deposto João Goulart a
Montevidéu, uma pessoa entrou
na Biblioteca Mário de Andrade,
no centro de São Paulo. Carregava duas maletas e deixou-as na
portaria. Ficaram lá durante 20
dias, até que um zelador as abriu.
Continham 32 livros.
Naqueles dias, as forças de ditadura apreendiam livros (inclusive
o romance "O Vermelho e o Negro", de Stendhal) e filmes ("Deus
e o Diabo na Terra do Sol", de
Glauber Rocha), fechavam rádios
e jornais. Muita gente jogou parte
de sua biblioteca no lixo, mas o
personagem das maletas teve
uma idéia que encantaria o escritor Jorge Luís Borges.
Não tomou medo de seus livros.
Sentindo que não podia mais
guardá-los, decidiu deixá-los onde alguém cuidasse deles. Abandonou-os na portaria da maior
biblioteca pública da cidade e voltou para casa.
Assim, sobreviveriam às dificuldades do momento. Como Chico
Buarque de Holanda diria mais
tarde: "Vai passar".
Nada se sabe da figura. Lia em
italiano, espanhol e inglês. Oito
obras de Marx e Lênin, bem como
dois exemplares da revista "Problemas da Paz e do Socialismo",
informam que era comunista.
Um livro de Andrei Zhdanov, o
comissário cultural de Stalin, sugere que tivesse mais de 50 anos.
Gostava de cinema, pois tinha
dois boletins dos "Amigos da Cinemateca", de Dante Ancona Lopes. Um volume de "O Direito Soviético", de Benjamin de Oliveira
Filho, indica que talvez fosse advogado. Parece ter conservado
seus romances russos, pois abandonou apenas os volumes intitulados "Literatura Soviética".
O zelador encarregado da portaria (Salvador Finotti) comunicou o achado das maletas e recebeu ordens do chefe da Divisão
Cultural 2 (Francisco José de Azevedo) para listar as obras, juntando uma cópia à biblioteca abandonada.
Final triste: o atual diretor da
Mário de Andrade, o advogado
Luís Francisco da Silva Carvalho
Filho, pediu que se buscasse no
catálogo da Casa os volumes sobreviventes. Não os há. O comunista de 1964 certamente já se foi.
Felizmente, sem saber que não
adiantou nada. Restou só a história de sua paixão.
PUC-SP e Harvard, a aula dos extremos
Para pensar na diferença entre
voto e autoridade:
O processo de escolha do reitor
da Universidade Harvard, nos Estados Unidos, é um dos mais autocráticos e oligárquicos do mundo ocidental.
O doutor é escolhido por uma
comissão que detém poder absoluto sobre a universidade. É a
Harvard Corporation, composta
por sete pessoas. Os cargos são vitalícios e cabe ao grupo escolher
seus novos membros. Fundada
em 1636, Harvard teve 27 reitores.
Os Estados Unidos, fundados
mais de um século depois, tiveram 43 presidentes.
Harvard tem 20 mil estudantes,
2.500 professores (mais 9.000
na área médica), US$ 26 bilhões
na caixa e 43 prêmios Nobel
na vitrine.
Na semana passada, a insatisfação dos professores obrigou
o reitor Larry Summers a ir-se
embora antes de receber o segundo voto de desconfiança em menos de um ano.
Manifestações de professores ou
de alunos não têm nenhum poder
sobre a Corporation. Numa estrutura autocrática, prevaleceu a
vontade democrática.
A PUC de São Paulo escolhe o
seu reitor para um mandato de
quatro anos por meio de um sistema ponderado de voto direto de
professores, funcionários e alunos. É um dos processos mais democráticos do mundo.
A PUC tem 22 mil alunos, 1.900
professores, deve R$ 82 milhões à
banca e está sob intervenção da
Arquidiocese de São Paulo. A estrutura democrática produziu
uma solução autocrática.
Peixe Vivo
Um curioso assegura que
achou a fonte da canção "Peixe Vivo", que hoje se confunde com o sorriso e a saudade
de JK. Sua melodia ecoa trechos da polca irlandesa "O
the Britches full of Stitches",
algo como "Calças Remendadas". A polca alegrou a música brasileira na segunda metade do século 19. Cruzada
com os ritmos africanos, deu
na beleza que se ouve por aí.
Hernan Aznar
O PFL e as empresas espanholas com interesses no Brasil devem implorar ao ex-primeiro-ministro espanhol José Maria Aznar para não se
meter na campanha eleitoral
brasileira.
Derrotado na eleição de
2004, Aznar concebeu uma
expedição ultramarina para
consumo interno. A empreitada pode resultar numa inversão da aventura de Hernan Cortez, no século 16. Em
vez de queimar suas caravelas, virá incendiar os embarcadouros alheios. Aznar foi
ao México atrapalhar o candidato Manuel Lopez Obrador.
Viu-se numa encrenca com a
leis do país e foi desautorizado por Felipe Calderón, o
candidato que pretendia ajudar.
Sua experiência brasileira,
além de um mau-humor contagiante, resume-se a ter chamado Pindorama de Portugal
duas vezes, durante um almoço oficial com FFHH, em
1997.
Ouvinte
Atualmente, a pessoa com
quem José Serra já teve mais
horas de conversa sobre economia foi a professora Eliana
Cardoso. Essa informação só
tem valor em estado bruto. Se
for interpretada e remexida,
não leva a lugar algum. Afinal, como diz o Banco Votorantim, Serra tem a vulnerabilidade de ser "independente".
Cara feia
Fechou o tempo no almoço da
trindade tucana com o governador Geraldo Alckmin, na
terça-feira.
O candidato a presidente
queixou-se num tom que não
parecia ser o dele e recebeu do
senador Jereissati uma resposta que não parecia vir do seu
amigo Tasso.
Ave Lula
Em 1997, a aposentadoria de
vítima da ditadura de "nosso
guia" era de R$ 2.365. O trabalhador da Grande São Paulo,
estava por perto. Recebia, em
média, R$ 1.563. Uma diarista
ganhava R$ 554. Desde 2003,
Lula acumula a condição de
aposentado da ditadura com a
de presidente da democracia.
Durante os três anos de seu governo, o salário médio do trabalhador caiu para R$ 1.060
(perda de 32%) e o da diarista,
para R$ 303 (perda de 45%).
Como diz o companheiro:
"Já fizemos muito mais do que
uma elite que governou este
país por quase 500 anos e esqueceu a parte pobre da população". Graças a um arranjo da
elite, sua aposentadoria especial passou para R$ 4.294. Um
aumento de 81%. Se o governo
do "nosso guia" desse à patuléia o tratamento que ele recebe na ala dos aposentados, o
trabalhador receberia R$ 2.813
e a diarista, R$ 997.
Sem tinta
Aprovada há quase um mês
por mais de três quintos do
Congresso, a emenda constitucional que derrubou a vinculação federal e estadual das chapas partidárias ainda não foi
promulgada pelo presidente
do Senado, Renan Calheiros.
Caneta ele tem. Já foram
promulgadas outras duas
emendas aprovadas recentemente. Os ventos do Supremo
informam que a mudança será
considerada inconstitucional.
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