São Paulo, domingo, 26 de fevereiro de 2006

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ELIO GASPARI

32 livros e o mistério de uma paixão

Reapareceu na Biblioteca Mário de Andrade um expediente de três folhas que deveria ser exposto nas principais casas de livros do país. Foi achado em 2001, mas retornara ao arquivo carregando de volta seu mistério. Uma linda história, de final triste.
No dia 6 de abril de 1964, 48 horas depois da chegada do presidente deposto João Goulart a Montevidéu, uma pessoa entrou na Biblioteca Mário de Andrade, no centro de São Paulo. Carregava duas maletas e deixou-as na portaria. Ficaram lá durante 20 dias, até que um zelador as abriu. Continham 32 livros.
Naqueles dias, as forças de ditadura apreendiam livros (inclusive o romance "O Vermelho e o Negro", de Stendhal) e filmes ("Deus e o Diabo na Terra do Sol", de Glauber Rocha), fechavam rádios e jornais. Muita gente jogou parte de sua biblioteca no lixo, mas o personagem das maletas teve uma idéia que encantaria o escritor Jorge Luís Borges.
Não tomou medo de seus livros. Sentindo que não podia mais guardá-los, decidiu deixá-los onde alguém cuidasse deles. Abandonou-os na portaria da maior biblioteca pública da cidade e voltou para casa.
Assim, sobreviveriam às dificuldades do momento. Como Chico Buarque de Holanda diria mais tarde: "Vai passar".
Nada se sabe da figura. Lia em italiano, espanhol e inglês. Oito obras de Marx e Lênin, bem como dois exemplares da revista "Problemas da Paz e do Socialismo", informam que era comunista. Um livro de Andrei Zhdanov, o comissário cultural de Stalin, sugere que tivesse mais de 50 anos.
Gostava de cinema, pois tinha dois boletins dos "Amigos da Cinemateca", de Dante Ancona Lopes. Um volume de "O Direito Soviético", de Benjamin de Oliveira Filho, indica que talvez fosse advogado. Parece ter conservado seus romances russos, pois abandonou apenas os volumes intitulados "Literatura Soviética".
O zelador encarregado da portaria (Salvador Finotti) comunicou o achado das maletas e recebeu ordens do chefe da Divisão Cultural 2 (Francisco José de Azevedo) para listar as obras, juntando uma cópia à biblioteca abandonada.
Final triste: o atual diretor da Mário de Andrade, o advogado Luís Francisco da Silva Carvalho Filho, pediu que se buscasse no catálogo da Casa os volumes sobreviventes. Não os há. O comunista de 1964 certamente já se foi. Felizmente, sem saber que não adiantou nada. Restou só a história de sua paixão.

PUC-SP e Harvard, a aula dos extremos

Para pensar na diferença entre voto e autoridade:
O processo de escolha do reitor da Universidade Harvard, nos Estados Unidos, é um dos mais autocráticos e oligárquicos do mundo ocidental.
O doutor é escolhido por uma comissão que detém poder absoluto sobre a universidade. É a Harvard Corporation, composta por sete pessoas. Os cargos são vitalícios e cabe ao grupo escolher seus novos membros. Fundada em 1636, Harvard teve 27 reitores. Os Estados Unidos, fundados mais de um século depois, tiveram 43 presidentes.
Harvard tem 20 mil estudantes, 2.500 professores (mais 9.000 na área médica), US$ 26 bilhões na caixa e 43 prêmios Nobel na vitrine.
Na semana passada, a insatisfação dos professores obrigou o reitor Larry Summers a ir-se embora antes de receber o segundo voto de desconfiança em menos de um ano.
Manifestações de professores ou de alunos não têm nenhum poder sobre a Corporation. Numa estrutura autocrática, prevaleceu a vontade democrática.
A PUC de São Paulo escolhe o seu reitor para um mandato de quatro anos por meio de um sistema ponderado de voto direto de professores, funcionários e alunos. É um dos processos mais democráticos do mundo.
A PUC tem 22 mil alunos, 1.900 professores, deve R$ 82 milhões à banca e está sob intervenção da Arquidiocese de São Paulo. A estrutura democrática produziu uma solução autocrática.

Peixe Vivo
Um curioso assegura que achou a fonte da canção "Peixe Vivo", que hoje se confunde com o sorriso e a saudade de JK. Sua melodia ecoa trechos da polca irlandesa "O the Britches full of Stitches", algo como "Calças Remendadas". A polca alegrou a música brasileira na segunda metade do século 19. Cruzada com os ritmos africanos, deu na beleza que se ouve por aí.

Hernan Aznar
O PFL e as empresas espanholas com interesses no Brasil devem implorar ao ex-primeiro-ministro espanhol José Maria Aznar para não se meter na campanha eleitoral brasileira.
Derrotado na eleição de 2004, Aznar concebeu uma expedição ultramarina para consumo interno. A empreitada pode resultar numa inversão da aventura de Hernan Cortez, no século 16. Em vez de queimar suas caravelas, virá incendiar os embarcadouros alheios. Aznar foi ao México atrapalhar o candidato Manuel Lopez Obrador. Viu-se numa encrenca com a leis do país e foi desautorizado por Felipe Calderón, o candidato que pretendia ajudar.
Sua experiência brasileira, além de um mau-humor contagiante, resume-se a ter chamado Pindorama de Portugal duas vezes, durante um almoço oficial com FFHH, em 1997.

Ouvinte
Atualmente, a pessoa com quem José Serra já teve mais horas de conversa sobre economia foi a professora Eliana Cardoso. Essa informação só tem valor em estado bruto. Se for interpretada e remexida, não leva a lugar algum. Afinal, como diz o Banco Votorantim, Serra tem a vulnerabilidade de ser "independente".

Cara feia
Fechou o tempo no almoço da trindade tucana com o governador Geraldo Alckmin, na terça-feira.
O candidato a presidente queixou-se num tom que não parecia ser o dele e recebeu do senador Jereissati uma resposta que não parecia vir do seu amigo Tasso.

Ave Lula
Em 1997, a aposentadoria de vítima da ditadura de "nosso guia" era de R$ 2.365. O trabalhador da Grande São Paulo, estava por perto. Recebia, em média, R$ 1.563. Uma diarista ganhava R$ 554. Desde 2003, Lula acumula a condição de aposentado da ditadura com a de presidente da democracia. Durante os três anos de seu governo, o salário médio do trabalhador caiu para R$ 1.060 (perda de 32%) e o da diarista, para R$ 303 (perda de 45%).
Como diz o companheiro: "Já fizemos muito mais do que uma elite que governou este país por quase 500 anos e esqueceu a parte pobre da população". Graças a um arranjo da elite, sua aposentadoria especial passou para R$ 4.294. Um aumento de 81%. Se o governo do "nosso guia" desse à patuléia o tratamento que ele recebe na ala dos aposentados, o trabalhador receberia R$ 2.813 e a diarista, R$ 997.

Sem tinta
Aprovada há quase um mês por mais de três quintos do Congresso, a emenda constitucional que derrubou a vinculação federal e estadual das chapas partidárias ainda não foi promulgada pelo presidente do Senado, Renan Calheiros.
Caneta ele tem. Já foram promulgadas outras duas emendas aprovadas recentemente. Os ventos do Supremo informam que a mudança será considerada inconstitucional.


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