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JANIO DE FREITAS
As previsões imprevidentes
Fora dos níveis dirigentes cubanos, nenhum de nós sabe para onde vai Cuba; se é que neles alguém sabe
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O DILÚVIO de chavões sob a forma de artigos e de reportagens publicados desde o afastamento de Fidel Castro sugere que
a imprensa, inclusive a internacional, não está muito melhor do que
Cuba, se Cuba estiver no estado que
esse aparente jornalismo lhe atribui.
A enxurrada parece ter o propósito
de juntar, em uma só descarga, toda
a lengalenga das previsões falhadas
e das desinformações interessadas
que a imprensa reiterou, sem descanso nem pudor, durante o meio
século, que vai se completando neste 2008, do regime criado por Fidel
Castro (primeiro, regime revolucionário-nacionalista; e só mais tarde,
de base comunista).
A palma de ouro não poderia senão permanecer com "The New
York Times", que pôs em campo um
certo Anthony DePalma. Capaz de
frases assim: "Não é certo que Fidel
esteja bastante bem para ter escrito
a carta de renúncia, (...) desconfia-se
que ele não teria condições de escrever a série de ensaios". Eis um jornalista de quem não se desconfia, tem-se logo certeza. Mas merece mais
um aperitivo: a "pouca evidência nas
ruas de uma mudança monumental
na hierarquia (...) credita-se à experiência acumulada com a ação dos
agentes de segurança, que (...) faz a
maioria das reações serem encobertas sob a forma de apertos de mão
entre amigos numa rua lotada". Se
os amigos não estivessem se manifestando com aperto de mão na hora
tão especial, se esmurrariam ao encontrar-se, como de praxe.
Como rescaldo do dilúvio, as análises sobre a escolha de Raúl Castro
para a Presidência cubana são fiéis
às previsões diárias de 50 anos sobre
Fidel Castro e o regime cubano: em
vez de marionete da Rússia, vai sê-lo
do irmão, que não quer mudança alguma; se houver novos planos, inspirados na China ou no que for, não
têm como concretizar-se. Afinal de
contas, informam-nos aqui, em Cuba "as famílias lutam diariamente
para obter um mínimo de refeições". O que nos impede de imaginar como esses famélicos têm expectativa de vida de 77,1 anos. Mais
do que os tão bem nutridos brasileiros. E o equivalente à expectativa de
vida em países desenvolvidos.
Alguma das previsões do último
meio século sequer pressentiu a presença do papa João Paulo 2º em Cuba e a recepção que lhe foi dada sob
direção do comovido Fidel? Ou antecipou-nos a abertura de Cuba aos
investimentos estrangeiros em hotéis, atividades turísticas, empreendimentos imobiliários, moda, recursos naturais, e outros? Ou pressentiu a possibilidade de uso legal do dólar americano em Cuba? Ou, agora mesmo, ao menos captou a renúncia
de Fidel? Cuba mudou muito. Com
muita rapidez dos anos 90 para cá. E
ninguém, fora dos seus níveis de direção política e administrativa, pressentiu mudança alguma.
Estamos na mesma. Apesar de
tantos milhares de quilômetros de
papel e horas de rádio e TV com previsões analíticas do futuro de Cuba,
estamos na mesma: fora dos níveis
dirigentes cubanos, nenhum de nós
sabe para onde vai Cuba. Se é que
neles alguém sabe.
Talvez uma evidência, nada com
previsão, possa ter um pouco de utilidade. Muito ao contrário do que está generalizadamente afirmado, a
escolha de Raúl Castro não é forçoso
sinal contrário a mudanças. O Exército, em Cuba, é considerado a própria alma da "Revolução no Poder",
a extensão dos guerrilheiros de Sierra Maestra e, daí, a instituição de
mais influência horizontal e vertical.
Não consta que alguém, exceto Fidel, tenha mais prestígio e mereça
mais confiança no Exército do que
Raúl Castro. O que lhe dá, se houver
planos de mudanças, sejam quais forem, melhores condições de tentá-las do que qualquer outro teria na
Presidência cubana.
A Cuba surgida da Sierra é um fenômeno em muitos sentidos. Entre
eles, o de imprevisibilidade, como
conviria, radical.
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