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REGIME MILITAR
Escrito entre 1978 e 1980, "Ideais Traídos" narra os confrontos do ministro do Exército com o presidente Geisel
Livro de Frota traz a versão da "linha-dura"
MAURICIO PULS
DA REDAÇÃO
Nove anos após a morte do general Sylvio Frota (1910-1996), a
editora Jorge Zahar publica sua
versão sobre os acontecimentos
que culminaram na demissão do
então ministro do Exército pelo
presidente Ernesto Geisel, em 12
de outubro de 1977. Escrito entre
1978 e 1980, "Ideais Traídos" expõe o ponto de vista dos militares
da chamada "linha-dura", que se
opunha frontalmente ao restabelecimento da democracia no país.
A esse respeito, Frota é bastante
claro: "As revoluções não marcam limites no tempo. Elas, dentro da doutrina que esposaram e
vêm difundir, elaboram e impõem as leis que vigorarão na nova ordem. Semeiam seus princípios, especialmente na juventude,
visando a dar-lhes raízes para sustentá-la até longínquo futuro. Por
conseguinte, não têm prazos e somente se exaurem com a integral
concretização de seus objetivos".
Dessa perspectiva, o presidente
Geisel era um traidor, que chefiava um "governo de centro-esquerda". Ora, a centro-esquerda é
a posição daqueles que, "tendo
pendores marxistas, vêem nas
reações conjunturais obstáculos
difíceis de transpor para uma realização completa de seus objetivos; é apenas uma posição de espera. Defino-os como criptossocialistas". O ministro não tinha
dúvidas de que seu governo conduziria o Brasil ao socialismo e, a
longo prazo, ao comunismo.
Muitos eram os sinais dessa
orientação: as pressões de Geisel
para "destruir o sistema de segurança interna", o reconhecimento
da República Popular da China,
em 1974, que abriu caminho para
"a penetração amarela no Brasil",
e o reconhecimento da República
de Angola. O próprio Frota enviou ao SNI, em 1977, uma lista
com 96 comunistas infiltrados na
administração pública, mas o governo não lhe deu importância.
O leitor contemporâneo provavelmente ficará espantado com a
facilidade com que Frota divisava
comunistas em toda parte -da
Democracia-Cristã até a Anistia
Internacional. A linha-dura possuía um critério muito claro para
distinguir os bons dos maus:
quem não está conosco está contra nós. Desse ponto de vista, todos os adversários pareciam infectados pelo esquerdismo. Nem
os articuladores do golpe de 1964
estavam a salvo: o grupo de Castello Branco tinha inclinações "liberais centro-esquerdistas", e o do
general Afonso de Albuquerque
Lima, "fortes tinturas socialistas".
Como observa Sartre em "Questão de Método", o pensamento
totalitário consiste numa empresa
de eliminação que se identifica
com "o Terror pela sua recusa inflexível de diferenciar: seu objetivo é a assimilação total ao preço
do menor esforço. Não se trata de
realizar a integração do diverso
guardando sua autonomia relativa, mas de suprimi-lo".
Problema da obediência
Em contraposição ao presidente, Frota julgava ser o verdadeiro
defensor dos ideais de 1964. Nesse
sentido, ele não devia obediência
a Geisel: "Um ministro militar é,
do meu ponto de vista, primordialmente, o representante e defensor de sua Força junto ao presidente e, secundariamente, um
delegado deste na instituição. Em
última análise, quando no confronto de opiniões os obstáculos
tornam-se intransponíveis e a
conciliação impossível, impõe-se
ao titular da pasta solidarizar-se
com o pensamento de sua Força".
É fácil perceber que o modelo de
Frota é o general Costa e Silva que,
tendo tomado o Ministério da
Guerra após a queda de João Goulart, impôs sua candidatura à Presidência. Frota não esconde sua
admiração por ele: "O general
Costa e Silva definia-se em todos
os seus atos como chefe "dominante", destinado a imperar nos
períodos de desintegração e violência, em que a acomodação é ridícula ingenuidade e durante os
quais só a força é argumento entendido e obedecido". A tentativa
de reeditar a história fracassou: o
o ministro foi exonerado, e o presidente impôs o nome de seu candidato à sucessão. Aqui reside o
núcleo do livro: o problema da insubordinação militar. Frota sustenta que foi traído pelos demais
generais, pois estes deviam obediência a ele, e não ao presidente.
Os demais generais, não pensavam do mesmo modo. Antes de
sua demissão houve muitos sinais
de que Frota não tinha suficiente
apoio no Exército para enfrentar
Geisel. O primeiro deles surgiu
em outubro de 1975, quando "suicidou-se o jornalista Wladimir
Herzog, como provado ficou em
inquérito policial militar". No
Congresso, o senador Leite Chaves, ao fazer um aparte, comparou os torturadores à SS de Adolf
Hitler. Frota exigiu a cassação do
senador. Geisel se recusou, afirmando que o senador faria uma
retratação. Frota esperava que o
Alto Comando do Exército enquadrasse o presidente, mas isso
não ocorreu, pois os generais avaliaram que "o ministro não tinha
razão; o presidente era o comandante supremo das Forças Armadas, podia tomar aquela decisão".
Derrota
Frota julga que, naquele episódio, Geisel já tinha conseguido
"subjugar o Exército": "Os generais curvaram-se, com excessivas
flexibilidade e rapidez, diante da
decisão presidencial. Não deveriam tê-lo feito". O mesmo fato se
repetiu em janeiro de 1976, quando Geisel determinou a exoneração do comandante do 2º Exército, general Ednardo D'Ávila Mello, após outro "suicídio" em São
Paulo, o de Manoel Fiel Filho.
Apesar disso, o ministro inicia,
ainda em 1976, sua aproximação
com os congressistas da Arena
que logo lançariam sua candidatura à Presidência. Frota nega que
tenha incentivado esse movimento ("esses fatos e entendimentos,
está claro, ocorreram à minha revelia"), mas deixa claro que nunca
desestimulou seus aliados.
Ele narra com detalhes todos os
acontecimentos que resultaram
em sua demissão, em 12 de outubro de 1977, e sua tentativa de reunir o Alto Comando do Exército
naquele mesmo dia: "O que eu
procurava, naqueles momentos
difíceis, era expor aos meus colegas do Alto Comando uma série
de fatos e manipulações astuciosas que os homens do quarto governo da Revolução punham em
prática para sua preservação no
poder. Dir-lhes-ia que a Revolução estertorava, no abandono de
seus princípios, acalentando
idéias que condenávamos em
1964... Minha missão revolucionária terminaria aí; meus colegas
que agissem como bem entendessem". Com isso, Frota esperava
forçar o presidente a recuar.
O Palácio do Planalto, porém,
entrou em contato com os generais que desembarcavam em Brasília, que foram conduzidos até
Geisel. Abandonado até por velhos amigos, Frota passou o cargo
ao sucessor nesse mesmo dia.
A parte mais interessante do livro são as reflexões finais. Ele observa que 1964 não foi uma verdadeira Revolução, mas um golpe de
Estado. Assinala que a Arena tinha muito pouco de renovadora,
pois representava a restauração
dos "comportamentos oligárquicos", e afirma que a cassação dos
antigos líderes de esquerda favoreceu a oposição, pois abriu caminho para sua renovação de seus quadros, o que que não ocorreu
com o partido governista.
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