São Paulo, quinta, 26 de março de 1998

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CELSO PINTO
O duplo calote de Alagoas

Desde janeiro, quem tinha títulos do Estado de Alagoas não tem mais. Os títulos foram "sequestrados" em favor do governo alagoano, por ordem de um juiz de primeira instância de Maceió, numa decisão sem paralelos.
São 300 mil Letras do Tesouro de Alagoas, num valor superior a R$ 500 milhões. Vários fundos de pensão estatais, bancos, distribuidoras e corretoras "micaram" com os papéis. Entre os bancos, só o paranaense Banestado tinha mais de R$ 100 milhões de letras alagoanas.
O precedente preocupa. Boa parte dos títulos emitidos por Estados será absorvida pelo governo federal na renegociação das dívidas, mas não títulos originados de emissões para pagar precatórios (decisões judiciais irrecorríveis). Se o exemplo alagoano vicejar, outros juízes poderão acatar ações populares e fazer estes papéis virarem pó.
É uma bolada de dinheiro. Com base em dados do Banco Central de 97, calcula-se que existam R$ 9,4 bilhões em títulos originados de precatórios. São quatro municípios: São Paulo (R$ 2,4 bilhões), Campinas (R$ 105 milhões), Osasco (R$ 98 milhões) e Guarulhos (R$ 26 milhões). E cinco Estados: São Paulo (R$ 4,9 bilhões), Santa Catarina (R$ 683 milhões), Pernambuco (R$ 618 milhões), Rio (R$ 31 milhões), Rio Grande do Sul (R$ 12 milhões) e Alagoas.
O sequestro dos papéis alagoanos foi fácil de executar. Os papéis só existiam como registro eletrônico na Cetip, central de custódia de títulos. No final de dezembro, a Cetip recebeu a ordem do juiz Manoel Cavalcante de Lima Neto, da 36ª Vara de Maceió, ordenando a transferência dos papéis para a Secretaria da Fazenda de Alagoas. A Cetip pediu uns dias e, em 16 de janeiro, cumpriu a decisão.
Ironicamente, a Cetip acabou beneficiando o mesmo Estado de Alagoas que teve sua conta bloqueada na Cetip, em junho de 97, por não pagar um vencimento de 75 mil letras do Estado. As regras da Cetip exigem o bloqueio da conta de qualquer participante que não pague uma operação com títulos em custódia. Alagoas e a cidade de Osasco deram o calote em papéis de sua emissão, mas só Alagoas teve um calote originado do Executivo e outro do Judiciário.
Duas ações, ainda não julgadas, foram movidas contra a decisão. O Banestado, por meio do advogado Nabor Bulhões, acionou o Tribunal de Justiça de Alagoas. Uma corretora do Paraná, a Fortuna, e duas distribuidoras, a Divalpar, do Paraná, e a Karta, de São Paulo, acionaram o Supremo Tribunal Federal (STF), através do advogado Luis Alberto Machado.
A decisão do juiz alagoano veio do julgamento de uma Ação Popular pedindo a nulidade do decreto estadual que autorizou a emissão das letras, por considerá-la irregular. O juiz acatou e mandou devolver as letras ao governo estadual.
Nabor Bulhões diz que a decisão não tem a menor base legal. A emissão de títulos estaduais só pode existir depois de autorizada por uma resolução do Senado Federal, baseada num parecer conclusivo do BC. Como o decreto estadual só pode existir depois desses passos, o ato só poderia ser desfeito depois de ouvidos o Senado e o BC -e isso, pela Constituição, só poderia ser feito por um tribunal federal, jamais por um estadual.
Bulhões alega também que houve irregularidades no edital publicado para alertar possíveis terceiros prejudicados com a decisão. E lembra que uma resolução do Senado diz que, se houver desvio de finalidade na emissão de títulos estaduais (como se alega), deve-se responsabilizar os administradores do Estado, os títulos são considerados vencidos e o Estado deve resgatá-los imediatamente -o oposto do que ocorreu.
Luis Alberto Machado também argumentou a inconstitucionalidade junto ao STF, alegando que qualquer declaração de inconstitucionalidade de um ato estadual (como fez o juiz) é prerrogativa do STF. Ele pediu uma liminar, que não foi aceita. Na ação, pediu reconsideração da liminar. O relator do processo no STF é Nelson Jobim. Machado, diretor da Universidade Federal do Paraná, diz que o argumento usado pelo juiz para sua decisão "reprovaria um aluno de segundo ano de Direito".
Ambos estão confiantes de que ganharão as ações. Como o tema é político, e os atingidos são poucos, nem o Senado, nem o BC se manifestaram, embora pudessem fazê-lo, como lembra Bulhões. Até segunda ordem, quem tiver um título público na mão deve acompanhar atentamente decisões de primeira instância do Judiciário.

E-mail: CelPinto@uol.com.br


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