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CELSO PINTO
O duplo calote
de Alagoas
Desde janeiro, quem tinha títulos do Estado de Alagoas não tem
mais. Os títulos foram "sequestrados" em favor do governo alagoano, por ordem de um juiz de
primeira instância de Maceió,
numa decisão sem paralelos.
São 300 mil Letras do Tesouro
de Alagoas, num valor superior a
R$ 500 milhões. Vários fundos de
pensão estatais, bancos, distribuidoras e corretoras "micaram"
com os papéis. Entre os bancos, só
o paranaense Banestado tinha
mais de R$ 100 milhões de letras
alagoanas.
O precedente preocupa. Boa
parte dos títulos emitidos por Estados será absorvida pelo governo federal na renegociação das
dívidas, mas não títulos originados de emissões para pagar precatórios (decisões judiciais irrecorríveis). Se o exemplo alagoano
vicejar, outros juízes poderão
acatar ações populares e fazer estes papéis virarem pó.
É uma bolada de dinheiro. Com
base em dados do Banco Central
de 97, calcula-se que existam R$
9,4 bilhões em títulos originados
de precatórios. São quatro municípios: São Paulo (R$ 2,4 bilhões),
Campinas (R$ 105 milhões),
Osasco (R$ 98 milhões) e Guarulhos (R$ 26 milhões). E cinco Estados: São Paulo (R$ 4,9 bilhões),
Santa Catarina (R$ 683 milhões),
Pernambuco (R$ 618 milhões),
Rio (R$ 31 milhões), Rio Grande
do Sul (R$ 12 milhões) e Alagoas.
O sequestro dos papéis alagoanos foi fácil de executar. Os papéis só existiam como registro
eletrônico na Cetip, central de
custódia de títulos. No final de
dezembro, a Cetip recebeu a ordem do juiz Manoel Cavalcante
de Lima Neto, da 36ª Vara de
Maceió, ordenando a transferência dos papéis para a Secretaria
da Fazenda de Alagoas. A Cetip
pediu uns dias e, em 16 de janeiro, cumpriu a decisão.
Ironicamente, a Cetip acabou
beneficiando o mesmo Estado de
Alagoas que teve sua conta bloqueada na Cetip, em junho de 97,
por não pagar um vencimento de
75 mil letras do Estado. As regras
da Cetip exigem o bloqueio da
conta de qualquer participante
que não pague uma operação
com títulos em custódia. Alagoas
e a cidade de Osasco deram o
calote em papéis de sua emissão,
mas só Alagoas teve um calote
originado do Executivo e outro
do Judiciário.
Duas ações, ainda não julgadas, foram movidas contra a decisão. O Banestado, por meio do
advogado Nabor Bulhões, acionou o Tribunal de Justiça de Alagoas. Uma corretora do Paraná,
a Fortuna, e duas distribuidoras,
a Divalpar, do Paraná, e a Karta,
de São Paulo, acionaram o Supremo Tribunal Federal (STF),
através do advogado Luis Alberto
Machado.
A decisão do juiz alagoano veio
do julgamento de uma Ação Popular pedindo a nulidade do decreto estadual que autorizou a
emissão das letras, por considerá-la irregular. O juiz acatou e
mandou devolver as letras ao governo estadual.
Nabor Bulhões diz que a decisão não tem a menor base legal.
A emissão de títulos estaduais só
pode existir depois de autorizada
por uma resolução do Senado Federal, baseada num parecer conclusivo do BC. Como o decreto
estadual só pode existir depois
desses passos, o ato só poderia ser
desfeito depois de ouvidos o Senado e o BC -e isso, pela Constituição, só poderia ser feito por
um tribunal federal, jamais por
um estadual.
Bulhões alega também que
houve irregularidades no edital
publicado para alertar possíveis
terceiros prejudicados com a decisão. E lembra que uma resolução do Senado diz que, se houver
desvio de finalidade na emissão
de títulos estaduais (como se alega), deve-se responsabilizar os
administradores do Estado, os títulos são considerados vencidos e
o Estado deve resgatá-los imediatamente -o oposto do que ocorreu.
Luis Alberto Machado também
argumentou a inconstitucionalidade junto ao STF, alegando que
qualquer declaração de inconstitucionalidade de um ato estadual
(como fez o juiz) é prerrogativa
do STF. Ele pediu uma liminar,
que não foi aceita. Na ação, pediu reconsideração da liminar. O
relator do processo no STF é Nelson Jobim. Machado, diretor da
Universidade Federal do Paraná,
diz que o argumento usado pelo
juiz para sua decisão "reprovaria
um aluno de segundo ano de Direito".
Ambos estão confiantes de que
ganharão as ações. Como o tema
é político, e os atingidos são poucos, nem o Senado, nem o BC se
manifestaram, embora pudessem
fazê-lo, como lembra Bulhões.
Até segunda ordem, quem tiver
um título público na mão deve
acompanhar atentamente decisões de primeira instância do Judiciário.
E-mail: CelPinto@uol.com.br
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