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ELIO GASPARI
AirViúva, a preferida dos milionários
Só a voracidade explica que os cinco maiores turistas da Câmara tenham patrimônio superior a R$ 1 milhão
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UM CRUZAMENTO da lista dos deputados que foram ao exterior com
o dinheiro da Viúva e as declarações patrimoniais de cada um deles à
Justiça Eleitoral em 2006 informa: A
média do ervanário de 214 parlamentares que listaram bens fica em R$ 2,8 milhões. Os cinco deputados que mais viajaram (Dagoberto Nogueira, Léo Alcantara, Marcelo Teixeira, Arnaldo Faria de
Sá e Jilmar Tatto, com 167 passagens),
são todos milionários.
Há algo de voracidade nisso, sobretudo quando se vê que os dois deputados
mais ricos da lista, Odilio Balbinotti (R$
123,8 milhões) e Sandro Mabel (R$ 70
milhões) tungaram a Viúva em apenas
dez bilhetes.
Se eles não tivessem tirado essas passagens, a média patrimonial dos viajantes cairia para pouco mais de R$ 1 milhão.
Num caso, o cruzamento da exuberância turística contraria a modéstia patrimonial. O deputado Paulo Henrique
Lustosa beneficiou-se com 24 bilhetes
no circuito Paris-Madri-Nova York, mas
seu patrimônio declarado resume-se a
R$ 145 mil.
A defesa da farra no plenário da Câmara indica apenas que os doutores não estão entendendo nada. Quem paga essas
contas é uma patuleia que pouco viaja ao
exterior e, quando o faz, economiza centavos para comprar um iPod pela metade do preço.
O presidente da Câmara, deputado
Michel Temer, bem como o senador José Sarney, são parlamentares experimentados e sabem que a lista de deputados viajantes divulgada pela turma do
Congresso em Foco é apenas um aperitivo. Vem aí uma chuva de meteoritos.
(Como a chuva ainda não ocorreu, é impossível assegurar a composição química do meteorito, mas pode-se supô-la.)
Temer e Sarney podem explicar aos seus
pares que não há outro caminho. Devem
contar ao baixo clero que Adolf Eichmann, o homem mais procurado do século passado, escondeu-se na periferia
miserável de Buenos Aires e foi descoberto por um cego.
(Essa história vai contada logo abaixo.)
Os alemães não queriam procurar seus
bandidos, os americanos queriam cooptá-los. Em suma, parecia melhor fingir
que não se via. O cego viu.
(O patrimônio dos doutores está no
blog do jornalista Fernando Rodrigues.)
QUANDO NINGUÉM VIA, O CEGO ENXERGOU
O coronel Adolf Eichmann,
da tropa de elite nazista, foi o
gerente da máquina de extermínio que matou cerca de 6
milhões de judeus.
Acabada a guerra, escondeu-se e, em 1950, fugiu para a
Itália. De lá foi para a Argentina. (Seu navio passou rapidamente pelo Rio.)
Com o nome de Ricardo
Klement, Eichmann viveu entre fracassos e pequenos empregos. Morava com a mulher
e os dois filhos na periferia de
Buenos Aires, numa casa sem
água, luz ou esgoto. Fingia ser
o segundo marido da viúva do
coronel, mas os filhos usavam
seu sobrenome. Um deles,
Nick, defendeu o extermínio
dos judeus durante uma conversa na casa de uma namorada. O pai da garota, Lothar
Hermann, era um advogado
cego que ocultava sua ascendência judaica e perdera a visão na Alemanha, depois de
uma surra de nazistas. Ele
passou suas suspeitas adiante. Em 1958, um agente do
Mossad foi mandado a Buenos Aires, vigiou a casa onde
vivia o suspeito e concluiu que
o poderoso Eichmann jamais
viveria num fim de mundo.
Acreditava-se que ele enriquecera pilhando e extorquindo judeus.
Lothar Hermann insistiu.
Um segundo agente reuniu-se
com ele e, a partir daí, a operação começou a ser montada. O
resto é história.
Eichmann foi capturado
em maio de 1960 quando desceu de um ônibus.
Levado secretamente para
Tel Aviv, foi julgado e enforcado em 1962.
(Essa história não é nova,
mas está muito bem contada
num livro que acaba de sair
nos Estados Unidos: "Hunting Eichmann" -"Caçando
Eichmann"- do jornalista
Neal Bascomb.)
PAPELÓRIO
O Supremo Tribunal Federal
está a poucos passos de uma
guerra de dossiês.
CENA DA CRISE
Na semana passada, um jovem circulava pelos vagões do
metrô de Nova York avisando:
"Eu não estou pedindo dinheiro. Preciso é de emprego". Ele
distribuía cópias do seu currículo onde constava o diploma
de administrador de empresas.
CONCORRÊNCIA
No início do ano, o Planalto
torrou algumas centenas de
milhares de dólares canalizando anúncios da Petrobras, do
BNDES e da Embratur para um
encarte publicitário da prestigiosa revista "Foreign Affairs".
(Esses encartes servem a uma
clientela de emires do golfo, sobas africanos e macaquitos latino-americanos.)
A vaidade tucana teve a sua
vez. O último número da "Foreign Policy" tem um encarte
de 16 páginas intitulado "São
Paulo - O aroma Doce do Sucesso", com um anúncio de página
inteira da Sabesp e duas tripinhas da Unicamp e do Banco do
Brasil. (Gesner Oliveira, presidente da Sabesp, é um dos entrevistados num texto sobre
qualidade de vida.) Uma frase
publicada no encarte ajudará a
campanha eleitoral dos doutores: "Uma das maiores frotas de
helicópteros do mundo ajuda
os executivos a se livrar do
trânsito". Quem não tem helicóptero deve ralar.
DIA E HORA
A crise da Câmara terá a sua
hora da verdade. Ela ocorrerá
durante a tramitação do processo de cassação do mandato
do deputado-castelão Edmar
Moreira. O exame do uso das
verbas indenizatórias tomará
conta do debate. Quem conhece a papelada acredita que o estrago será superior ao das passagens para o exterior, que
atingiu metade do plenário.
PAPEL DE BOBO
Pode-se acusar o Congresso
de tudo, mas será injusto atribuir ao Senado a iniciativa de
pendurar na Medida Provisória
449 um dispositivo que concederá às empresas exportadoras
um crédito de 15% sobre o valor
de suas operações até dezembro de 2002.
A mola propulsora da iniciativa está no Ministério da Fazenda. Lá, o ministro Guido
Mantega e os empresários negociam um acordo para encerrar uma velha batalha judicial.
Os senadores foram estimulados a desfilar como ala bem ensaiada na rabeira de escola de
samba de mau enredo, harmonia atravessada e alegorias saqueadas.
Em vez de o governo botar a
cara na vitrine, deu um jeito de
jogar o entulho na porta do Parlamento. Segundo cálculos feitos na Receita Federal, o crédito renderá aos exportadores
um benefício tributário de R$
250 bilhões (20 programas Bolsa Família). Essa conta é duramente contestada pelos empresários. Pode ficar entre R$
53 bilhões (cinco BF) e R$ 150
bilhões (12 BF), caso o Supremo Tribunal decida julgar o litígio e dê razão aos empresários.
O jogo limpo recomendaria
que o governo assumisse o patrocínio da causa com uma nova medida provisória, defendendo lisamente os seus interesses. Ele pode até ter razão,
mas fazendo as coisas no escurinho do plenário, leva água para a sistemática desmoralização do Congresso.
O Planalto, os empresários e
gente boa do Supremo sabem
que essa conta foi para o Senado porque os negociadores suspenderam as conversações
com seus amigos na Câmara. O
preço político, digamos assim,
tornara-se absurdo.
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