São Paulo, domingo, 26 de maio de 2002

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JANIO DE FREITAS

A tarefa da força

As últimas semanas exibiram uma escalada da violência urbana, mas não só em números, que talvez já nem interessem tanto, a partir da dimensão alcançada. Escalada em agressividade e requintes perversos. Diante disso, surgiu no Rio a proposta de ação combinada das polícias Civil, Militar e Federal, sob a forma de força-tarefa, e o ministro da Justiça, Miguel Reale Jr., além de adotá-la, o que já seria um passo, deseja-a estendida a São Paulo, Minas e Mato Grosso do Sul.
Em São Paulo, a tortura feita por sequestradores a uma de suas vítimas acrescenta um elemento novo na aterrorizante banalização de sequestros. No Rio e adjacências, assaltantes de rua e ladrões de carros, como se combinados, passaram a atirar para matar, sumariamente, se houver real ou imaginada dificuldade. Pode-se deduzir, do caso paulista como do fluminense, a mesma mensagem de horror: decida-se com rapidez pelo resgate, que a vítima está sofrendo; entregue objetos ou carro com rapidez, ou é a morte.
Primeiro em São Paulo e agora no Rio, bandidos passaram da atitude de fuga e vida em cautela ao ataque frontal a dependências da polícia e do Estado. Prisões em pequenos roubos e em sequestros ferozes, feitos no Rio por marginais de São Paulo, constata-se que a bandidagem antecipou-se, mais uma vez, à chamada autoridade: passou à ação interestadual, sempre motivo de disputa e não de interação das polícias estaduais (ainda agora, o chefe de polícia do Rio, portador da proposta de ação conjunta, não foi recebido pela mal denominada autoridade competente de São Paulo).
Já que as causas desse quadro não serão atacadas, antes agravando-se dia a dia, a pretexto de índices financeiros governamentais que se frustram ano a ano, certas obviedades do crime precisam entrar na linha das atenções policiais. Nesse sentido, a maior relevância talvez seja a instrumentação da bandidagem, que mais parece gozar de proteção que de combate. Os bandidos das favelas fluminenses, os atacantes de delegacias em São Paulo e no Rio, os assaltantes mortos no pedágio perto de Sorocaba, por toda a parte eles exibem armamentos sofisticados, de fabricação estrangeira, munição importada e, com frequência cada vez maior, granadas e outras armas de uso das Forças Armadas brasileiras.
Nenhuma operação, conjunta ou isolada, trará algum resultado resultado duradouro se a instrumentação da bandidagem não for muito dificultada. Como bandidos presos ou mortos são substituídos de imediato, pela reserva de milhões de jovens destinados ao submundo dos crescentes 40 milhões de miseráveis, a continuada obtenção de armamento impede efeitos práticos da repressão à criminalidade.
Cabem, então, algumas perguntas, se não novas, sempre evitadas. As fronteiras, vá lá, são peneiras incontroláveis, mas o armamento que entra é transportado, depositado e distribuído nos centros urbanos e suas redondezas: por que não há, nunca, descoberta policial dessa atividade e desses depósitos, como acontece com drogas? Por que os interrogatórios de bandidos obtêm dados sobre cumplicidades, métodos, planos, mas não se ocupam de informações sobre a obtenção dos armamentos que, no entanto, a polícia expõe em caprichosas arrumações para as câmeras de TVs e jornais?
Perguntas assim podem multiplicar-se, mas, em vez disso, aqui bastará uma observação complementar: em um dos raríssimos casos, talvez único, de prisão de um envolvido no fornecimento grosso de armas à bandidagem, o caso foi depressa abafado, sem que soubesse coisa alguma sobre os meios de abastecimento desse distribuidor, coronel da Aeronáutica -por que isso?
O propósito de ação conjunta, força-tarefa ou lá que outro nome dêem, é, afinal, um avanço. Mas só será um resultado se partir de novas perguntas para chegar a novas respostas práticas. Do contrário, é só esperarmos, indefessos sempre, pelo próximo avanço na agressividade e nos requintes perversos que estão fazendo da vida uma questão de sorte: não ser, por mero acaso, o escolhido pelo bandido mais próximo.


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