São Paulo, quinta-feira, 26 de maio de 2005

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Governo estica tensão até meia-noite

DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

A Comissão Parlamentar de Inquérito que investigará se há corrupção em contratos dos Correios está criada. O governo sofreu uma grande derrota e, mesmo tendo se empenhado até quase o último minuto, fracassou em sua tentativa de desarticular a comissão retirando votos do requerimento que pediu sua criação. O documento foi lido em sessão do Congresso Nacional tumultuada, marcada pela manobra dos governistas e provocações da oposição.
Correndo contra o tempo, governistas tentaram até a meia-noite, prazo máximo para retirada de assinaturas, convencer deputados de sua base que apóiam a CPI a recuar. Entre os argumentos usados, liberações crescentes de emendas parlamentares, que teriam atingido níveis recordes nos últimos dias, segundo levantamento da oposição, promessas de mais verbas e cargos, além de ameaças de retaliação.
O Congresso assistiu a um corre-corre até os primeiros minutos da madrugada de hoje, quando a derrota do Planalto foi confirmada. Desde as 21h30, o presidente do PT, José Genoino, e líderes dispararam telefonemas para deputados na tentativa de retirar ao menos 87 assinaturas.
"Não deu", anunciou Arlindo Chinaglia (PT-SP), líder do governo na Câmara, às 23h40, para depois voltar a se animar com informação trazida de última hora por um assessor. Governistas correram então da liderança do governo na Câmara para o Senado, onde eram conferidos os votos, onde chegaram esbaforidos faltando oito minutos para a meia-noite.
No final, o fracasso foi ratificado. Segundo contas ainda extra-oficiais, os governistas teriam conseguido retirar apenas 79 assinaturas, nove a menos que o necessário. A oposição ainda apresentou 13 novos nomes, o que levava a não haver números exatos até o fechamento desta edição.
A CPI chegou a ter 257 assinaturas na Câmara e 52 no Senado, sendo que o mínimo era de 171 e 27 nomes, respectivamente.
Os ânimos se alternaram durante o dia. "Ainda é possível reverter a desvantagem numérica", disse, no meio da tarde, o líder do PT na Câmara, Paulo Rocha (PA). Já o presidente da Câmara, Severino Cavalcanti (PP-PE), já contava com a derrota governista por volta das 21h: "Não houve um trabalho ordenado [para evitar a CPI]. Não foi bem feito o trabalho dos líderes, acredito que houve falta de entrosamento."
O problema do Planalto foram os dissidentes do PT e do PMDB, que colaborou com 39 assinaturas ao requerimento e que sofre influência de várias correntes distintas. No final das contas, a redução no PMDB chegou a apenas 22 nomes. No PT, baixou para 14.
Muitos deputados de PTB, PP, PSB, PL e PT já haviam aceitado tirar seus nomes, mas no PMDB o progresso era mais lento. Havia o peso da influência do ex-governador do Rio Anthony Garotinho (PMDB), presidenciável e opositor do governo, sobre 25 deputados dos 39 que assinavam a CPI.
O governo, por José Dirceu (Casa Civil), aproximou-se de Garotinho, sem sucesso. Isso levou Chinaglia a ensaiar um discurso sobre o que fazer após a instalação -incluindo retirar quórum das sessões. "Se tivermos que ir para a CPI, vamos para a guerra com todos os seus horrores", afirmou.
Agora as esperanças do governo para derrubar a CPI se concentrarão em duas manobras. A primeira foi acordada anteontem à noite em reunião na casa de Aldo Rebelo (Coordenação Política) com líderes aliados e Dirceu. A segunda foi selada em reunião de Dirceu com Renan, ontem à tarde.
Seguindo o roteiro, o deputado João Leão (PL-BA), vice-líder do governo, apresentou a Renan, no meio da sessão, um requerimento para derrubar a CPI com base no argumento de que ela não trata de um fato específico, exigência constitucional para a sua criação.
O recurso de Leão foi encaminhado à CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) da Câmara, onde o governo tem maioria. Se acatado e referendado pelo plenário, extinguiria a CPI. Ao mesmo tempo, o governo adotará a segunda manobra: inviabilizar a CPI por falta de quórum, já que terá a maioria dos membros. O Planalto pode, por exemplo, evitar a realização da primeira sessão, a de instalação, se conseguir esvaziá-la.
A sessão de ontem foi aberta às 10h16 por Renan. Foi a primeira derrota do dia do governo, que contava com o baixo quórum de uma sessão matutina, véspera de feriado, para evitar a leitura.
Pela manhã, a Executiva do PP aprovou resolução recomendando retirada de assinaturas, o que, nas contas do partido, significaria que 10 dos 17 deputados que apoiaram a CPI recuariam. Havia ainda a perspectiva de retirada de 13 assinaturas do PTB e dos resultados do esforço de convencimento sobre deputados petistas. Dos 19 que assinaram, 6 haviam retirados os nomes.
Não há prazo para que, uma vez criada, a comissão seja efetivamente instalada. Tudo vai depender da indicação de seus integrantes. Governistas esperam que Renan dê algumas semanas para que isso ocorra e que, entre a criação e a instalação, a CCJ se manifeste sobre o recurso de Leão.
Os líderes governistas avaliam que o requerimento da CPI é tecnicamente ruim, mas a decisão será política. Na CCJ, 40 dos 60 integrantes são da base aliada, mas essa conta inclui aliados pouco confiáveis. O presidente da CCJ, Antônio Carlos Biscaia (PT-RJ), prometeu colocar o requerimento em votação na semana que vem. (FÁBIO ZANINI, RANIER BRAGON, LEILA SUWWAN E FERNANDA KRAKOVICS)

Texto Anterior: Congresso cria CPI e Planalto fracassa na "operação-abafa"
Próximo Texto: Janio de Freitas: Início à brasileira
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.