São Paulo, terça-feira, 26 de junho de 2007

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JANIO DE FREITAS

A inversão


A realidade institucional da depravação: examinar um enredo de corrupção tende a comprometer o exame de outro

O ESTADO de deterioração da vida política e administrativa chegou a um patamar original. Sua medida não é dada mais pela descoberta de feitos da desonestidade criminosa, mas pela fragilidade, quase infantil, a que se vêem forçadas as atitudes que pretendam lhes dar a resposta correta, a das leis e da civilidade.
O alastramento da depravação -as palavras, como os remédios, ou correspondem ao que as solicita ou são inúteis- fica claro se atentamos mais para o PSOL do que para o pasmo com as conversas transcritas do senador Joaquim Roriz, combinando a divisão de mais uns milhões. Autor da representação que forçou o Senado a considerar o rebanho financeiro de Renan Calheiros, o impulso do PSOL foi adotar a mesma iniciativa, ao constatar a revelação da revista "Época" sobre Roriz. Coerente, sim. Necessário, claro.
Mas ao impulso sucedeu a meia-trava de um alarme: um novo processo no Conselho de Ética do Senado poderia facilitar o esvaziamento do caso Renan Calheiros no mesmo conselho, por mais que os dois sejam igualmente justificados. E cabíveis na disponibilidade farta dos senadores ainda não alcançados por revelações comprometedoras. Simples, portanto, a realidade institucional da depravação: acionar o dispositivo também institucional para examinar, e punir se for o caso, um enredo de corrupção tende comprometer o exame, e a punição se for o caso, de outro enredo de corrupção. Ambos, e a mútua colaboração preservadora dos enredos e dos autores, no âmbito do Senado da República.
Contribuição adicional é dada pela Corregedoria do Senado, em cujo nome o corregedor Romeu Tuma ainda não fez nada que perturbasse a confiança nele posta, por seus pares, de preservação do convívio senatorial harmonioso, acima e sobretudo debaixo das denúncias, suspeitas, indícios e evidências que tentam inquietar ali a vida comunitária.
Como sempre, o senador Tuma deu com presteza o seu aviso sherlockiano: "Assim que chegar [do Uruguai] vou pedir [amanhã] o relatório da polícia sobre o senador Roriz". Se não disser de antemão que "quer inocentá-lo", como fez antes de examinar qualquer dado no caso Renan Calheiros, Romeu Tuma não precisa de mais do que uma providência para testar a versão do seu colega Roriz.
Os R$ 300 mil que admite ter recebido no escritório de Nenê Constantino, dono da Gol, Joaquim Roriz os rotula como "empréstimo para comprar uma novilha". É só verificar, agora, se no dia da operação, 13 de março, o riquíssimo Joaquim Roriz estava destituído dos seus recursos. Dizem que o impossível acontece, mas não naquele dia, embora 13.
O que causa curiosidade em mais esse caso na lista de Roriz (talvez jamais as altas instâncias do Judiciário tenham sido tão testadas por alguém) não é Joaquim Roriz. É o que levou Nenê Constantino, que tem sido admirado e louvado por sua obra empresarial, a envolver-se em um episódio desses. E fazê-lo a ponto de mudar, em poucas horas e de público, a resposta espontânea com que negou o pretexto de cheque seu por empréstimo, para adotar uma versão inconvincente em favor da explicação ridícula de Joaquim Roriz.


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