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JANIO DE FREITAS
A inversão
A realidade institucional
da depravação: examinar um enredo de corrupção tende a comprometer
o exame de outro
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O ESTADO de deterioração da
vida política e administrativa
chegou a um patamar original. Sua medida não é dada mais pela descoberta de feitos da desonestidade criminosa, mas pela fragilidade, quase infantil, a que se vêem forçadas as atitudes que pretendam
lhes dar a resposta correta, a das leis
e da civilidade.
O alastramento da depravação
-as palavras, como os remédios, ou
correspondem ao que as solicita ou
são inúteis- fica claro se atentamos
mais para o PSOL do que para o pasmo com as conversas transcritas do
senador Joaquim Roriz, combinando a divisão de mais uns milhões.
Autor da representação que forçou o
Senado a considerar o rebanho financeiro de Renan Calheiros, o impulso do PSOL foi adotar a mesma
iniciativa, ao constatar a revelação
da revista "Época" sobre Roriz. Coerente, sim. Necessário, claro.
Mas ao impulso sucedeu a meia-trava de um alarme: um novo processo no Conselho de Ética do Senado poderia facilitar o esvaziamento
do caso Renan Calheiros no mesmo
conselho, por mais que os dois sejam
igualmente justificados. E cabíveis
na disponibilidade farta dos senadores ainda não alcançados por revelações comprometedoras. Simples,
portanto, a realidade institucional
da depravação: acionar o dispositivo
também institucional para examinar, e punir se for o caso, um enredo
de corrupção tende comprometer o
exame, e a punição se for o caso, de
outro enredo de corrupção. Ambos,
e a mútua colaboração preservadora
dos enredos e dos autores, no âmbito do Senado da República.
Contribuição adicional é dada pela Corregedoria do Senado, em cujo
nome o corregedor Romeu Tuma
ainda não fez nada que perturbasse
a confiança nele posta, por seus pares, de preservação do convívio senatorial harmonioso, acima e sobretudo debaixo das denúncias, suspeitas, indícios e evidências que tentam
inquietar ali a vida comunitária.
Como sempre, o senador Tuma
deu com presteza o seu aviso sherlockiano: "Assim que chegar [do
Uruguai] vou pedir [amanhã] o relatório da polícia sobre o senador Roriz". Se não disser de antemão que
"quer inocentá-lo", como fez antes
de examinar qualquer dado no caso
Renan Calheiros, Romeu Tuma não
precisa de mais do que uma providência para testar a versão do seu
colega Roriz.
Os R$ 300 mil que admite ter recebido no escritório de Nenê Constantino, dono da Gol, Joaquim Roriz
os rotula como "empréstimo para
comprar uma novilha". É só verificar, agora, se no dia da operação, 13
de março, o riquíssimo Joaquim Roriz estava destituído dos seus recursos. Dizem que o impossível acontece, mas não naquele dia, embora 13.
O que causa curiosidade em mais
esse caso na lista de Roriz (talvez jamais as altas instâncias do Judiciário tenham sido tão testadas por alguém) não é Joaquim Roriz. É o que
levou Nenê Constantino, que tem sido admirado e louvado por sua obra
empresarial, a envolver-se em um
episódio desses. E fazê-lo a ponto de
mudar, em poucas horas e de público, a resposta espontânea com que
negou o pretexto de cheque seu por
empréstimo, para adotar uma versão inconvincente em favor da explicação ridícula de Joaquim Roriz.
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