São Paulo, Sábado, 26 de Junho de 1999
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Governo busca investimento para exportação

CLÓVIS ROSSI
enviado especial ao Rio

O governo brasileiro reivindicará de seus pares europeus, na cúpula entre Mercosul e UE (União Européia), na segunda-feira, o que o chanceler Luiz Felipe Lampreia batiza de "maior participação das empresas multinacionais na ofensiva exportadora" do Brasil.
Assim formulada a expressão parece etérea, mas ela apenas condensa um tema que começa a ganhar corpo na agenda do país: a necessidade de que os investimentos externos diretos (na produção de bens ou serviços) não se limitem a setores voltados para o mercado interno, mas se dirijam também à "ofensiva exportadora".
A explicação é simples: a maior fatia dos investimentos europeus no Brasil, nos últimos anos, concentrou-se em áreas como a telefonia, por exemplo.
Como os serviços telefônicos não são exportáveis, o investimento não se traduz em redução do déficit da balança comercial (exportações menos importações), uma das vulnerabilidades da economia brasileira.
Pior ainda: "Uma parte do investimento (entre 5% e 6%) é remetida de volta ao país de origem, na forma de lucros e dividendos", constata o economista Luciano Coutinho (Unicamp).
Conseqüência: aumenta ainda mais o déficit na conta corrente do Brasil, a que contabiliza todos os intercâmbios com o exterior.
Esse déficit, acoplado ao déficit das contas públicas, gerou boa parte da vulnerabilidade que fez o real sofrer o ataque especulativo que o derrubou, entre o final de 98 e janeiro deste ano.
"Os números certamente precisam fechar, inclusive entre investimentos voltados principalmente para o mercado interno e a balança comercial", afirma Luiz Felipe Lampreia.

Fusões e aquisições
Um relatório divulgado anteontem pela Unctad (braço da ONU para comércio e desenvolvimento) mostra, para reforçar o argumento, que "o aumento nos investimentos externos diretos no Brasil (em 98) deveu-se principalmente a fusões e aquisições" (de empresas já existentes).
Ou seja, houve reduzida criação efetiva de novas empresas que pudessem gerar mais empregos e/ou aumento da capacidade exportadora.
Afinal, os investimentos concentraram-se no setor de serviços (bancos, teles, energia, saneamento), que não são exportáveis.
O governo brasileiro, como é óbvio, quer continuar estimulando a entrada de investimento externo no setor produtivo, mas gostaria, como diz Lampreia, de que os números fechassem mais entre recursos para produzir para o mercado interno e para exportar.

Reação
Mas a queixa brasileira não encontrará eco entre os europeus. O argumento ouvido ontem pela Folha na Comissão Européia, o braço executivo da UE, é o de que se trata de uma situação transitória e inevitável.
Traduzindo: os europeus acreditam que os investimentos agora feitos se destinam a uma reestruturação de todo o aparato produtivo brasileiro, que, a médio ou longo prazo, gerará exportações.
Exemplo citado: a Telefônica da Espanha, que comprou a Telesp de São Paulo, mais adiante vai fabricar telefones no Brasil não apenas para o consumo interno, mas para exportá-los para a própria Espanha, aproveitando o menor custo de produção, já que os salários brasileiros são inferiores em relação aos pagos no país da empresa.
O máximo que os europeus concedem é que é complicado, politicamente, aceitar essa fase supostamente transitória.
De todo modo, o tema do investimento não figurará na declaração final da cúpula UE/Mercosul, por um motivo muito simples: não há maneira legal, de acordo com as regras internacionais, para induzir investimentos em determinada direção (no caso, a direção de áreas voltadas para a exportação).
Mas a questão do investimento externo está na agenda de debates dos chefes de governo/Estado, nas sessões plenárias em que mergulharão segunda e terça-feira.


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