São Paulo, terça-feira, 26 de julho de 2005

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ESCÂNDALO DO "MENSALÃO"/ HORA DAS PROVAS

Policiais começaram a examinar 32 caixas de documentos de empresas de Valério; expectativa é de encontrar provas do esquema

PF acha que possui as "cuecas com batom"

Sidney Lopes - 19.jul.2005/"Estado de Minas"
Polícia apreende documentos na casa do contador Marco Prata, que prestava serviços à DNA, em BH


CLÓVIS ROSSI
COLUNISTA DA FOLHA

A Polícia Federal começou ontem a examinar 32 caixas de documentos que contêm "todas as cuecas com batom" do caso "mensalão", conforme a expectativa ouvida pela Folha com a própria instituição.
"Cueca com batom" é uma expressão que vem sendo utilizada largamente entre jornalistas, políticos e policiais, para designar uma prova contundente.
As caixas contêm documentos apreendidos há pouco menos de duas semanas, nas empresas do publicitário Marcos Valério Fernandes de Souza, acusado de ser o operador do suposto esquema do "mensalão".
Mas a PF não teve tempo de examiná-los porque foram requisitados primeiro por um juiz federal de Belo Horizonte (as empresas ficam principalmente na capital mineira), que os enviou depois para o presidente do STF (Supremo Tribunal Federal), Nelson Jobim, que os remeteu ao procurador-geral da República, Antônio Fernando de Souza, até que finalmente ficaram disponíveis para o exame policial (além da investigação que está sendo feita pela CPI dos Correios).
A convicção manifestada à Folha é a de que a papelada permitirá identificar todas as pessoas que receberam recursos no Banco Rural, uma das principais pontes da operação, bem como quem abastecia Marcos Valério com o dinheiro que repassava para políticos. Inclusive os empréstimos que o empresário alega ter feito ao PT ficariam perfeitamente definidos.
Tudo por uma razão prosaica e até paradoxal: embora se trate de caixa dois, ou seja, uma operação ilegal e clandestina, ela era feita com um método burocrático, ou seja, com a anotação correta de quem retirava o dinheiro. Chegava-se ao extremo burocrático, para uma operação totalmente fora dos padrões, de incluir cópia da carteira de identidade de quem se apresentava ao banco com autorização para receber a dinheirama.
A expectativa era a de que todos os nomes envolvidos na operação acabariam aparecendo nas 32 caixas de documentos. Só não estava claro é se os novos nomes teriam impacto idêntico aos do já divulgados, por vazamentos da CPI, até porque o início do exame de papéis ainda nem havia começado quando a Folha obteve as informações preliminares.
Mas já se sabia, sempre segundo o informante, que surgiriam não apenas os recebedores, mas a outra ponta, a dos fornecedores de recursos para os repasses de Marcos Valério. Empresas privadas, na grande maioria, mas eventualmente também empresas ou órgãos do setor público, na previsão feita à Folha.
Quem teve acesso a pelo menos parte da papelada compara o esquema ao que foi utilizado por PC Farias, tesoureiro do então candidato e depois presidente Fernando Collor de Mello (1990-1992).
Ou seja, as empresas "esfriam" dinheiro "quente" (do seu caixa um), por meio da contratação fictícia de serviços. No caso PC Farias, eram utilizados, por exemplo, recibos de serviços de taxi aéreo que não eram de fato prestados. Com isso, o dinheiro "esfriado" podia ser enviado para o caixa dois organizado por PC Farias e reproduzido agora por Delúbio Soares, o tesoureiro licenciado do PT.
Marcos Valério emprestava suas empresas para "esfriar" o dinheiro que chegava aos políticos que o PT, por meio de Delúbio, financiava.
Se correta a versão com que trabalha a Polícia Federal, desmonta-se a versão que Delúbio e Marcos Valério tentaram vender à CPI, qual seja o de que tudo não passaria de empréstimos intermediados por Valério para pagar dívidas de campanha ou gastos futuros, sempre de campanha eleitoral para parlamentares do próprio PT, da base aliada e até de partidos da oposição.
Essa versão foi construída às pressas pelos dois, assim que a documentação foi apreendida, na quarta-feira, dia 13 passado. No dia seguinte, Marcos Valério apressou-se a entrar em contato com o procurador-geral, oferecendo delatar tudo, desde que fosse o que no jargão se chama de "delação premiada". Ou seja, contar os próprios pecados e entregar os pecados alheios, em troca de pena menor.
O procurador recusou. Valério depôs de qualquer modo e imediatamente avisou Delúbio Soares, diretamente ou por meio de advogado, sobre a sua versão.
Arnaldo Malheiros, o advogado de Delúbio, logo percebeu que seria conveniente que seu cliente também depusesse. Conversou com o ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, de quem é velho amigo, que sugeriu que o depoimento fosse feito ao procurador-geral, como o de Valério, o que de fato aconteceu na sexta-feira, 48 horas após a apreensão dos documentos com "todas as cuecas com batom".
Na mesma sexta-feira, o próprio presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em Paris, assumiria ele também a versão de caixa dois de campanha, em entrevista a uma jornalista brasileira radicada na França.
O governo jura que a entrevista estava sendo solicitada havia pelo menos 30 dias e, portanto, não teria relação alguma com os depoimentos sucessivos de Marcos Valério e Delúbio Soares.
Até porque, sempre segundo o governo, o presidente deveria ter falado só sobre as relações Brasil-França. A jornalista é que fez as perguntas que tinha que fazer sobre a crise brasileira e obteve as respostas já conhecidas.
A seqüência de depoimentos demonstra como é bastante razoável a expectativa da PF de que estejam nas 32 caixas que examina agora todas as "cuecas com batom".


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