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ENTREVISTA DA 2ª
FHC "reorientou" Ford a trocar
o RS pela Bahia, diz Olívio Dutra
Alan Marques - 2.mar.99/Folha Imagem
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O governador petista Olívio Dutra (RS) afirma que pretende ir à Justiça contra a Ford |
CARLOS ALBERTO DE SOUZA
da Agência Folha, em Porto Alegre
O governador do Rio Grande do
Sul, Olívio Dutra (PT), acredita
que o presidente Fernando Henrique Cardoso tenha "reorientado" a Ford a trocar o Rio Grande
do Sul pela Bahia na decisão sobre
o local de sua nova fábrica.
A ação de FHC, segundo Dutra,
começou logo após sua vitória, na
eleição de 1998, sobre o ex-governador Antônio Britto (PMDB),
aliado do presidente, em cuja gestão o Estado assinou contrato
com a montadora para a instalação de uma unidade na região
metropolitana de Porto Alegre.
Dutra disse guardar uma carta
de FHC, em resposta a outra enviada por ele, que embasaria seu
raciocínio.
O governador também critica a
atuação do senador Antonio Carlos Magalhães (PFL-BA) e do
Congresso no caso. Ele afirmou
que ACM, considerado possível
candidato à Presidência, "se promove à custa do dinheiro público" e que o Congresso age de modo a ser visto como um "balcão de
negócios" pela população.
O petista acusou ainda a Ford
de ter rompido unilateralmente
as negociações para alterar o contrato com o Rio Grande do Sul e
prometeu ir à Justiça contra a empresa em busca de ressarcimento
de cerca de R$ 120 milhões.
Em entrevista à Agência Folha,
no Palácio Piratini, na última
quinta-feira, Dutra também criticou a política de desenvolvimento
industrial do país. A seguir, trechos da entrevista.
Agência Folha - Que conclusão
o sr. tira do episódio Ford?
Olívio Dutra - O país precisa ter
um programa de desenvolvimento industrial que articule as vocações das regiões. O presidente, na
carta que nos escreveu, respondendo a outra que lhe enviamos,
falou na descentralização... (Disse
que) a Ford não ficou no Rio
Grande do Sul porque nós tivemos uma política diferente da do
governo anterior e que ele, presidente, estava trabalhando para
que a Ford fosse para a Bahia, que
o governo baiano tinha interesse
em que ela para lá se deslocasse.
Percebi nisso que o presidente
tinha uma proposta para o governo anterior. Tendo aquele projeto
perdido as eleições no Rio Grande, o governo federal reorientou a
Ford para ir para a Bahia.
Não é um projeto industrial para o país. É um projeto industrial
segundo as conveniências partidárias, interesses eleitorais.
Mais grave é a demonstração de
subserviência, de aceitar a chantagem de uma empresa que tem
problemas no mercado automobilístico internacional e que está
buscando resolver esses problemas aqui no país com dinheiro
público.
Agência Folha - Qual sua avaliação sobre os incentivos federais dados à Bahia (R$ 180 milhões ao ano, em média, até
2010)?
Dutra - Um absurdo, uma desfaçatez, porque o governo federal
vem reduzindo recursos para as
políticas sociais, saúde, educação,
saneamento, infra-estrutura, para
as políticas de atendimento à infância, à adolescência, à velhice,
aos portadores de deficiência.
O governo fez corte no seu Orçamento para essas áreas. Agora
se dá ao luxo de beneficiar uma
empresa poderosa, a segunda
maior multinacional automobilística do mundo, que tem receita
superior à do Rio Grande do Sul
em cinco vezes. É uma visão errada de prioridades.
Agência Folha - Como criar
empregos sem empreendimentos de grande porte como esse
da Ford?
Dutra - Aqui, a Ford prometia,
com R$ 440 milhões de dinheiro
público e mais R$ 3 bilhões de
subsídios, gerar 1.500 empregos
diretos. Um emprego na indústria
automobilística está R$ 300 mil.
Nós, com R$ 4 milhões na lavoura de trigo, de 30 mil hectares,
estamos gerando 2.000 empregos.
Tudo o que a Ford prometeu fazer
aqui nós podemos fazer em dobro, com muito menos custo. Se a
indústria automobilística fosse
tão importante para o desenvolvimento, e eu acho que já não é tanto... É uma tecnologia deste século
que está findando, o Rio Grande
tem a GM, que agiu profissionalmente. Recompusemos o acordo
com a GM e economizamos R$
103 milhões. Então, o Rio Grande
não perdeu, ganhou.
Agência Folha - Como o sr.
avalia a atuação do Congresso
no caso Ford?
Dutra - Lamentável. Tentou ser
mais realista que o rei ao adular
uma figura política da Bahia (o senador pefelista Antonio Carlos
Magalhães). Até governadores da
base do presidente se revelaram
indignados.
A atitude do Congresso reforça
na opinião pública a idéia de que
o país virou um grande balcão de
negócios. Se não é no Executivo, é
no Legislativo que os grandes grupos econômicos fazem valer os
seus interesses. O episódio também revelou a necessidade de um
controle público maior sobre todos os Poderes.
Agência Folha - O senador Antonio Carlos Magalhães pode
ser candidato à Presidência. Seu
esforço pela Ford na Bahia e seu
projeto de imposto contra a pobreza também são lances eleitorais, trunfos que ele pode levar
para uma campanha?
Dutra - O senador baiano é um
lídimo (legítimo) representante
da elite mais tradicional e patrimonialista que temos no país, é de
usar todo e qualquer espaço para
promoção pessoal. Tudo isso com
dinheiro público.
O governo Fernando Henrique
possibilitou esse salto para fora
do senador baiano, do seu espaço
anterior, que era limitado à Bahia.
O presidente, ao se compor com
ele e ao depender dele, possibilitou que ele saísse dos espaços que
eram restritos para ter expressão
além da Bahia, nacional, o que lhe
faz estar mordido pela mosca
azul. Essas figuras atuam com antecipação e vão ocupando espaços de cima para baixo.
Agência Folha - O Estado pretende processar a Ford em busca de ressarcimento?
Dutra - São mais de R$ 120 milhões, de dinheiro público, que foram adiantados para a Ford. Ela
ainda não prestou conta devidamente dos recursos. A prestação
de contas que fez está longe de ser
aceita. A grande parte dos recursos, que era para ser aplicada
aqui, ela aplicou longe daqui.
Queremos devolução, com juros e correção monetária. É direito legítimo nosso. Ela não cumpriu a sua parte, abandonou a
mesa de negociações, rompeu
unilateralmente as tratativas. O
bom seria que a própria Ford devolvesse isso sem precisarmos ir
para o Judiciário. Mas não temos
ilusão, pois ela não agiu profissionalmente no episódio.
Agência Folha - O governo César Borges (PFL-BA), em meio às
negociações do Rio Grande do
Sul com a Ford, acenou com
vantagens para a empresa. Houve problema ético?
Dutra - Essa visão de disputa
desesperada reduz a percepção
do país ao interesse local ou pessoal e até de promoção do governante à custa do dinheiro público.
Governante que se gaba de trazer esses megaprojetos geralmente esconde quanto custaram e
quanto vão custar para as gerações futuras. O governo federal é
o primeiro a dar o mau exemplo e
é seguido naturalmente pelos
seus áulicos (bajuladores).
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