São Paulo, Segunda-feira, 26 de Julho de 1999
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

ENTREVISTA DA 2ª
FHC "reorientou" Ford a trocar o RS pela Bahia, diz Olívio Dutra
Alan Marques - 2.mar.99/Folha Imagem
O governador petista Olívio Dutra (RS) afirma que pretende ir à Justiça contra a Ford


CARLOS ALBERTO DE SOUZA
da Agência Folha, em Porto Alegre

O governador do Rio Grande do Sul, Olívio Dutra (PT), acredita que o presidente Fernando Henrique Cardoso tenha "reorientado" a Ford a trocar o Rio Grande do Sul pela Bahia na decisão sobre o local de sua nova fábrica.
A ação de FHC, segundo Dutra, começou logo após sua vitória, na eleição de 1998, sobre o ex-governador Antônio Britto (PMDB), aliado do presidente, em cuja gestão o Estado assinou contrato com a montadora para a instalação de uma unidade na região metropolitana de Porto Alegre.
Dutra disse guardar uma carta de FHC, em resposta a outra enviada por ele, que embasaria seu raciocínio.
O governador também critica a atuação do senador Antonio Carlos Magalhães (PFL-BA) e do Congresso no caso. Ele afirmou que ACM, considerado possível candidato à Presidência, "se promove à custa do dinheiro público" e que o Congresso age de modo a ser visto como um "balcão de negócios" pela população.
O petista acusou ainda a Ford de ter rompido unilateralmente as negociações para alterar o contrato com o Rio Grande do Sul e prometeu ir à Justiça contra a empresa em busca de ressarcimento de cerca de R$ 120 milhões.
Em entrevista à Agência Folha, no Palácio Piratini, na última quinta-feira, Dutra também criticou a política de desenvolvimento industrial do país. A seguir, trechos da entrevista.

Agência Folha - Que conclusão o sr. tira do episódio Ford?
Olívio Dutra
- O país precisa ter um programa de desenvolvimento industrial que articule as vocações das regiões. O presidente, na carta que nos escreveu, respondendo a outra que lhe enviamos, falou na descentralização... (Disse que) a Ford não ficou no Rio Grande do Sul porque nós tivemos uma política diferente da do governo anterior e que ele, presidente, estava trabalhando para que a Ford fosse para a Bahia, que o governo baiano tinha interesse em que ela para lá se deslocasse.
Percebi nisso que o presidente tinha uma proposta para o governo anterior. Tendo aquele projeto perdido as eleições no Rio Grande, o governo federal reorientou a Ford para ir para a Bahia.
Não é um projeto industrial para o país. É um projeto industrial segundo as conveniências partidárias, interesses eleitorais.
Mais grave é a demonstração de subserviência, de aceitar a chantagem de uma empresa que tem problemas no mercado automobilístico internacional e que está buscando resolver esses problemas aqui no país com dinheiro público.

Agência Folha - Qual sua avaliação sobre os incentivos federais dados à Bahia (R$ 180 milhões ao ano, em média, até 2010)?
Dutra
- Um absurdo, uma desfaçatez, porque o governo federal vem reduzindo recursos para as políticas sociais, saúde, educação, saneamento, infra-estrutura, para as políticas de atendimento à infância, à adolescência, à velhice, aos portadores de deficiência.
O governo fez corte no seu Orçamento para essas áreas. Agora se dá ao luxo de beneficiar uma empresa poderosa, a segunda maior multinacional automobilística do mundo, que tem receita superior à do Rio Grande do Sul em cinco vezes. É uma visão errada de prioridades.

Agência Folha - Como criar empregos sem empreendimentos de grande porte como esse da Ford?
Dutra
- Aqui, a Ford prometia, com R$ 440 milhões de dinheiro público e mais R$ 3 bilhões de subsídios, gerar 1.500 empregos diretos. Um emprego na indústria automobilística está R$ 300 mil.
Nós, com R$ 4 milhões na lavoura de trigo, de 30 mil hectares, estamos gerando 2.000 empregos. Tudo o que a Ford prometeu fazer aqui nós podemos fazer em dobro, com muito menos custo. Se a indústria automobilística fosse tão importante para o desenvolvimento, e eu acho que já não é tanto... É uma tecnologia deste século que está findando, o Rio Grande tem a GM, que agiu profissionalmente. Recompusemos o acordo com a GM e economizamos R$ 103 milhões. Então, o Rio Grande não perdeu, ganhou.

Agência Folha - Como o sr. avalia a atuação do Congresso no caso Ford?
Dutra -
Lamentável. Tentou ser mais realista que o rei ao adular uma figura política da Bahia (o senador pefelista Antonio Carlos Magalhães). Até governadores da base do presidente se revelaram indignados.
A atitude do Congresso reforça na opinião pública a idéia de que o país virou um grande balcão de negócios. Se não é no Executivo, é no Legislativo que os grandes grupos econômicos fazem valer os seus interesses. O episódio também revelou a necessidade de um controle público maior sobre todos os Poderes.

Agência Folha - O senador Antonio Carlos Magalhães pode ser candidato à Presidência. Seu esforço pela Ford na Bahia e seu projeto de imposto contra a pobreza também são lances eleitorais, trunfos que ele pode levar para uma campanha?
Dutra -
O senador baiano é um lídimo (legítimo) representante da elite mais tradicional e patrimonialista que temos no país, é de usar todo e qualquer espaço para promoção pessoal. Tudo isso com dinheiro público.
O governo Fernando Henrique possibilitou esse salto para fora do senador baiano, do seu espaço anterior, que era limitado à Bahia. O presidente, ao se compor com ele e ao depender dele, possibilitou que ele saísse dos espaços que eram restritos para ter expressão além da Bahia, nacional, o que lhe faz estar mordido pela mosca azul. Essas figuras atuam com antecipação e vão ocupando espaços de cima para baixo.

Agência Folha - O Estado pretende processar a Ford em busca de ressarcimento?
Dutra -
São mais de R$ 120 milhões, de dinheiro público, que foram adiantados para a Ford. Ela ainda não prestou conta devidamente dos recursos. A prestação de contas que fez está longe de ser aceita. A grande parte dos recursos, que era para ser aplicada aqui, ela aplicou longe daqui.
Queremos devolução, com juros e correção monetária. É direito legítimo nosso. Ela não cumpriu a sua parte, abandonou a mesa de negociações, rompeu unilateralmente as tratativas. O bom seria que a própria Ford devolvesse isso sem precisarmos ir para o Judiciário. Mas não temos ilusão, pois ela não agiu profissionalmente no episódio.

Agência Folha - O governo César Borges (PFL-BA), em meio às negociações do Rio Grande do Sul com a Ford, acenou com vantagens para a empresa. Houve problema ético?
Dutra -
Essa visão de disputa desesperada reduz a percepção do país ao interesse local ou pessoal e até de promoção do governante à custa do dinheiro público.
Governante que se gaba de trazer esses megaprojetos geralmente esconde quanto custaram e quanto vão custar para as gerações futuras. O governo federal é o primeiro a dar o mau exemplo e é seguido naturalmente pelos seus áulicos (bajuladores).


Texto Anterior: Estados dependem de verba federal
Próximo Texto: Para ACM, petista precisa se "reciclar"
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Agência Folha.