São Paulo, Segunda-feira, 26 de Julho de 1999
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QUESTÃO AGRÁRIA
Cartório fornece a três empresas certidões de áreas sobrepostas, que na verdade são da União
Pará tem fraude em registros de terras

LUÍS INDRIUNAS
da Agência Folha, em Belém

Registros de propriedade fornecidos pelo cartório do 1º Ofício de Altamira (PA) para três empresas diferentes mostram a sobreposição de áreas rurais, que na verdade pertencem à União.
Pela análise dos documentos, fazendas que foram compradas pelas empresas Teka Tecelagem Kuehnrich (de Blumenau), Aços Macon (de São Paulo) e C.R.Almeida (de Curitiba) estariam localizadas em áreas que fazem parte da Floresta Nacional de Altamira e da gleba Jamaxim, ambas terras da União.
O Ministério Público Federal desenhou, com base nos dados fornecidos pelos registros, um mapa mostrando a sobreposição de áreas (veja quadro ao lado).

Certidões
A Agência Folha teve acesso às certidões. Em dois documentos, lavrados pelo mesmo cartório, parte das coordenadas geográficas chega a ser descrita com as mesmas palavras e números.
Esses documentos têm a mesma data e são assinados pela mesma pessoa, a tabeliã Eugênia Silva de Freitas. Procurada pela Agência Folha, ela não quis falar sobre o assunto.
Assim, dentro das terras reivindicadas pela empresa C.R.Almeida, do empreiteiro Cecílio do Rego Almeida, com 4,7 milhões de hectares, estão contidas as terras compradas pela Teka Tecelagem, de Blumenau (SC), de 70.520 hectares. Dentro das terras da Teka está parte da área adquirida pela empresa Aços Macon, de Guarulhos (SP), de 20.230 hectares.

Reforma agrária
Segundo o Procurador da República Felício Pontes Júnior, outras 14 empresas e pessoas físicas teriam registros irregulares emitidos pelo mesmo cartório.
O Ministério Público Federal pediu à Corregedoria do Tribunal de Justiça do Estado a intervenção no cartório de Altamira e o afastamento da tabeliã.
Felício Pontes Júnior afirmou que a maioria dos documentos fraudados pode ter sido utilizada para a venda de imóveis à própria União.
A maioria desses registros foi lavrada em 1997. Na época, existia uma medida provisória, que acabou não sendo reeditada, permitindo o abatimento de dívidas com o INSS (Instituto Nacional do Seguro Social) para empresas que vendessem ao Incra terras para fins de reforma agrária.
O processo da Teka Tecelagem foi o que mais perto chegou da conclusão.
No segundo semestre do ano passado, o Ministério de Política Fundiária descobriu um superfaturamento nas avaliações das propriedades rurais e brecou o processo a tempo.
As fazendas São Pedro 2, São Félix e São Sebastião, adquiridas pela Teka por R$ 725 mil, receberam avaliações de até R$ 90 milhões.

Punição
A descoberta da superavaliação levou ao afastamento de quatro funcionários do Incra de seus cargos -entre eles o então superintendente do Incra, Hermedes Miranda, que hoje atua em Tocantins como procurador do órgão.
O então administrador do escritório do Incra em Altamira, Dino Getúlio Barile, autor de uma das avaliações, foi exonerado.
A Polícia Federal foi acionada e 19 inquéritos foram abertos.
A delegada Maria das Graças Malheiros Monteiro, de Santarém (PA), pretende chegar aos verdadeiros autores das fraudes rastreando os documentos e as pessoas envolvidas.
"Ainda é cedo para dizer quem realmente é responsável pelas falsificações", afirma a delegado.

Suspeitos
Os suspeitos são muitos. Em junho, a Justiça autorizou a quebra de sigilo bancário de seis pessoas envolvidas na venda das terras à Teka. A Agência Folha apurou que algumas dessas pessoas são funcionários do Incra.
A Polícia Federal pretende investigar se as pessoas e empresas que teriam vendido as terras existem ou são "laranjas".


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