|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
ENTREVISTA DE 2ª
Garay diz que prédios ruins atrapalham revitalização de SP
Consultor do BID defende modernização do centro
SÉRGIO DURAN
DA REPORTAGEM LOCAL
O desafio para revitalizar o centro histórico de São Paulo é encontrar espaço para a modernidade em meio ao emaranhado de
prédios, muitos de má qualidade.
A tese é defendida pelo urbanista argentino Alfredo Garay, 51, ex-secretário de Planejamento de
Buenos Aires (1989-1992), professor de duas importantes universidades daquele país e coordenador
do projeto modelo Puerto Madero, que revitalizou parte da região
portuária portenha.
Há cerca de duas semanas, Garay esteve em São Paulo como
consultor do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID). O
município acerta um empréstimo
de US$ 100 milhões do banco, que
financiarão os projetos de revitalização do centro histórico. O urbanista defendeu a inclusão dos camelôs no processo. Leia a entrevista concedida de Buenos Aires
por telefone:
Folha - O perfil do centro de São
Paulo é muito diferente do de outras capitais latino-americanas?
Garay - O centro de São Paulo
tem muitas particularidades, sobretudo por causa das transformações que ocorreram entre as
décadas de 30 e 50, quando houve
uma grande verticalização da cidade, com predomínio das torres
para abrigar escritórios. Parece
que nesse período grande parte
das atividades saíram do centro
em direção à avenida Paulista.
Muitos problemas do centro se
originaram nessa época. No momento em que a cidade aceitou o
crescimento de novos centros,
iniciou-se um processo de desvalorização do centro antigo. Esse
fenômeno se vê em várias cidades
latino-americanas.
Folha - É impossível ter uma cidade com muitas centralidades sem
que o centro histórico perca valor?
Garay - Os centros antigos têm
uma estrutura de parcelamento
do solo muito subdividida. Com
isso, é difícil reunificar as parcelas. Nos últimos anos, as modernas modalidades de gestão levaram os edifícios de escritórios de
grandes empresas a requerer
plantas com grandes lajes livres.
Então é difícil encontrar, nas antigas estruturas de parcelamento
do solo, terrenos onde se permite
construir plantas desse porte. É isso o que está fazendo os lançamentos imobiliários verticais procurarem outros centros.
Folha - Como atrair construções
modernas sem destruir o patrimônio histórico?
Garay - Em geral, as cidades têm
um patrimônio arquitetônico no
centro, mas também é certo que
nem todas as construções têm valor. Há muita arquitetura de má
qualidade. Por isso quase sempre
o que se faz em políticas de preservação é uma catalogação, com
vários níveis de proteção. O restante pede regras que permitam a
construção de edifícios novos.
Folha - Mas demolir edifícios tem
custo elevado, não?
Garay - A pergunta é: o que vale
mais, o edifício ou a localização?
Onde o valor do solo é pouco representativo em relação ao da
construção, algo em torno de
10%, em geral, predominam os
edifícios. A tendência é deslocar
os prédios para esses locais. Agora, quando ocorre o contrário, como em Madri [Espanha", onde o
valor do terreno é igual ou superior ao do edifício, aí as pessoas
priorizam a localização. O valor
do solo passa a ser uma razão importante. A pergunta é se as políticas da cidade tendem a reafirmar
e valorizar as áreas.
Folha - Em São Paulo, o centro é o
local de maior infra-estrutura, mas
o mercado segue apostando em
áreas onde o terreno é mais barato.
Garay - É o paradoxo de São
Paulo, onde o processo de desvalorização é mais agudo, mais dinâmico do que o investimento
público na qualificação do centro.
No primeiro movimento, surgem
os novos centros. Os compradores de imóveis vão atrás. No antigo centro, passam a predominar
as pessoas de menor poder aquisitivo, comércios mais populares,
pois os aluguéis vão ficando mais
baratos. Com isso o conjunto passa a valer menos.
Folha - Buenos Aires enfrentou
esse problema?
Garay - Aqui, até a década de 70,
foi demolida quase toda a estrutura existente, o que significou uma
perda considerável de patrimônio
arquitetônico, mas, por outro lado, garantiu que o centro se mantivesse vivo na oferta de produtos
imobiliários contemporâneos.
Em meados da década de 70, começaram a ser abertas novas torres de escritórios fora do centro. A
tendência era deslocar o que havia
no centro para bairros residenciais de alto padrão. Então, uma
estratégia importante na década
de 90 foi recuperar alguns terrenos que estavam próximos do
centro para propor uma estrutura
de parcelamento do solo que pudesse permitir prédios modernos.
Eu creio que essa é uma possibilidade que São Paulo também
tem. Identificar terrenos grandes
onde se possa fazer projetos de intervenção, terrenos de antigas fábricas, de estações. Essa política,
porém, sempre tem de ser acompanhada de outras, como uma
que compense a expulsão da população mais pobre. De maneira
que a região venha a ter diversidade de uso e justiça social.
Folha - Que peso tem a produção
cultural nesse processo?
Garay - Em São Paulo, fiquei surpreso quando conheci as intervenções feitas na região da estação de trem [Luz". Mas por que
essas medidas são tão ilhadas? É
indispensável que pequenos empreendimentos, como livrarias e
barzinhos, surjam em cadeia.
Folha - O problema é que o investimento em recuperação foi feito
pelo Estado, que tem atuação limitada na requalificação da cidade...
Garay - Para que esses investimentos não sejam diluídos, é necessário associar as iniciativas. A
capacidade do poder público é
muito pequena em relação a envergadura do problema. Eu creio
que há aí também um desafio ao
mercado imobiliário, que tem de
encontrar quais são os produtos
para um centro que atrai cada vez
mais um grupo que não forma a
família padrão. Os levantamentos
censitários indicam uma população central cada vez mais jovem,
de uma ou duas pessoas ocupando um imóvel, de homossexuais.
Há toda uma reflexão para os arquitetos sobre as tipologias construtivas para transformar esses
produtos atrativos para determinado setor.
Folha - O investimento do BID no
centro de São Paulo é suficiente?
Garay - Para o tamanho do problema, é pouco. Agora, se for pensado que isso é capaz de desencadear um processo, é diferente.
Mas é preciso usar a inteligência
para aplicar esse valor. Em São
Paulo, há um debate importante
sobre o perfil que terá esse novo
centro. Há nesse centro o Mercado Municipal, maravilhoso, e, ao
redor dele, todo um bairro de ruas
comerciais especializadas. Essa é
uma velha estrutura que pode ser
valorizada. Mesmo onde há vendedores ambulantes não há empecilhos para que o espaço seja
qualificado. São esses pontos os
mais procurados pelos turistas.
O feito de valorizar o centro não
deve nunca desprezar a cultura
popular. Percebi que a administração de São Paulo tem sido muito criteriosa e avança na idéia de
um projeto urbano que o valorize,
além de ter sensibilidade para os
problemas sociais.
Folha - Como a crise econômica
pode influir nas cidades, principalmente no centro?
Garay - A partir do momento
que a pessoa não tem salário para
comprar os produtos que necessita, tudo retrocede. Mas é também
nas crises que aparece o melhor e
o pior da cidade. Surgem novas
organizações.
Em nosso caso, os clubes de troca são um exemplo. Contraditoriamente, a maioria deles está no
centro de Buenos Aires. A maioria das manifestações sociais encontraram como cenário ideal o
centro. Veja como no imaginário
da cidade o centro segue tendo
papel importante.
Texto Anterior: Painel Próximo Texto: Frases Índice
|