São Paulo, segunda-feira, 26 de agosto de 2002

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FOLCLORE POLÍTICO

De leões e coelhos

JOSÉ PAULO CAVALCANTI FILHO

Roberto Magalhães ainda era governador, no começo de 1986. Mas já preparava sua candidatura ao Senado. Roberto sempre foi de uma franqueza rude. Com todo mundo. E sua cara feia era feia como a cara feia de todos os grandes personagens da vida pública de Pernambuco, Virgulino Ferreira (Lampião), Luiz Gonzaga, Miguel Arraes, Jarbas Vasconcelos. Além de seu tio Agamenon Magalhães, claro.
As diferenças entre seu comportamento luterano e a alegria de viver de seu vice, o poeta e ex-ministro da Fazenda Gustavo Krause, eram enormes. Mas sempre se deram bem. Uma vez, Roberto apresentava sua equipe a Tancredo e Ulisses. Krause chegou atrasado, camisa branca aberta no peito, cinto branco, calça branca com bolso nas pernas, mocassim branco, sem meia, Cohiba na mão. E Roberto: "Esse é meu vice". Depois, virando-se para Tancredo, disse alto, para todo mundo ouvir, que "hoje, para astronauta, falta só o capacete".
Naquele dia, já acordou cuspindo fogo. Que fugiu da prisão o major Ferreira, condenado por ter matado o procurador da República Pedro Jorge. Indignação coletiva. Muitos consideravam o governo culpado pela fuga. E Roberto preocupado com a eleição. Pensando que nada de pior lhe poderia acontecer. Estava enganado. Fim da manhã, chegou a notícia terrível: fugiu do zoológico um leão perigosíssimo.
As informações eram de que o tal leão iria destroçar o primeiro ser humano com que cruzasse. Roberto convocou seu secretário dos Transportes, José Múcio Monteiro (hoje deputado federal pelo PSDB). Que, no palácio, era quase primeiro-ministro. E Roberto pediu que ele fosse prender o dito leão. Urgente.
Foi quando José Múcio disse: "Governador, estão na minha sala Osvaldo Coelho [deputado federal", Geraldo Coelho [deputado estadual", Adalberto Coelho, José Coelho e Paulo Coelho". Todos conhecidos pela intransigência com que defendem os interesses de Petrolina. Pensando bem, intransigência é até pouco. E José Múcio completou: "É brabo por brabo, governador. Eu cuido do leão e o senhor cuida dos coelhos". Roberto então pensou, pensou e encerrou a conversa: "Prefiro o leão".
P.S.: O major Ferreira foi depois preso, cumprindo pena em Itamaracá. O leão vive dormindo, no zoológico. Mas Roberto acabou perdendo sua eleição de senador.


José Paulo Cavalcanti Filho, 54, advogado, escreve às segundas nesta coluna



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