São Paulo, sábado, 26 de agosto de 2006

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ENTREVISTA

ANTÔNIO DELFIM NETTO


PT está em declínio e foi o principal opositor de Lula

Economista diz que presidente deu aval à implementação da proposta de déficit zero, elogia a inteligência do petista e defende PMDB como sócio do governo

Bruno Miranda/Folha Imagem
Delfim Netto (PMDB-SP), candidato a deputado, em entrevista


MALU DELGADO
DA REPORTAGEM LOCAL

Aos 78 anos, Antônio Delfim Netto (PMDB-SP) oscilou de protagonista de governos militares a colaborador do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a quem dará o voto, novamente, nesta eleição. Implacável, autor de um manancial de frases tão célebres quanto ácidas e alvo de polêmicas sobre o período em que comandou a economia no Brasil, o ex-ministro elogia a "inteligência admirável e intuitiva" de Lula com a mesma naturalidade com que classifica o PT de "partido em murcha e principal opositor" do petista.

Em entrevista à Folha, Delfim afirma que Lula tomou a decisão política de executar o programa do "déficit nominal zero", abominado pelos petistas. O presidente teria sido atropelado pela crise do mensalão. "Dias antes do escândalo do mensalão, o presidente disse: Eu topo", revela.
Delfim tem certeza de que Lula, se reeleito, colocará em prática, "por necessidade", esse rigoroso ajuste fiscal que passa por uma nova reforma da Previdência, autonomia do Banco Central, redução do tamanho do Estado e enfrentamento do mito das vinculações orçamentárias para a educação e a saúde. Conversa para deixar petistas de cabelo em pé.
Para Delfim, Lula não foi eleito em 98 porque o PT tinha um programa do século 19. "O Lula demorou para entender que foi ele que elegeu o PT, e não o PT que o elegeu", explica. Depois de 25 anos ao lado de Paulo Maluf, do PDS ao PP, Delfim filiou-se ao PMDB.
Acredita que Lula, se reeleito, atrairá novos segmentos da legenda: "Não é simplesmente uma adesão por carguinho. O PMDB vai ajudar a formular um programa para o país".
Admirador do ex-ministro da Fazenda Antonio Palocci, Delfim torce para que ele e o petista estejam juntos no Congresso em 2007, para ajudar Lula a fazer novas reformas, mas considera que a quebra de sigilo do caseiro Francenildo Costa "um erro imperdoável". O mentor do milagre econômico acredita que o país voltará a ter crescimento entre 5% a 6%, se fizer o ajuste fiscal. A seguir, os principais trechos:
 

Folha - O que explicaria o favoritismo de Lula nas pesquisas?
Delfim -
O governo Fernando Henrique entregou para Lula o país quebrado. É verdade que ele procurou a estabilização, fez um plano brilhante, mas entregou o país em situação extremamente difícil. A eleição do Lula é produto do fato de que a sociedade rejeitou a política do Fernando Henrique. O Lula de 98 jamais teria sido eleito. O seu programa era absolutamente inadequado. O que elegeu o Lula foi a Carta ao Povo Brasileiro. O programa do PT em 98 era um programa mal construído do século 19. Dizia simplesmente o seguinte: com suficiente vontade política, dois mais dois podem ser cinco.

Folha - O sr. é considerado hoje um dos conselheiros do presidente.
Delfim -
De vez em quando ele me honra com um convite e eu vou lá tomar um café. Tenho grande admiração por ele. Lula é muito inteligente, intuitivo. É o único político no Brasil que, quando fala de pobre, está sentindo honestamente. É católico fervoroso. A idéia de que quer cuidar dos pobres, em todos os políticos é cínica. No Lula, é verdadeira.

Folha - A política de metas de inflação deve persistir?
Delfim -
Seria uma loucura abandonar a política de metas. A meta tem que ser pensada, não pode ser muito ambiciosa, senão o custo social do ajuste é muito alto. Tem que haver aperfeiçoamentos. O Banco Central não pode ser vítima de um mito em que o Brasil não pode crescer mais de 3%. Você pode ampliar o horizonte de tal forma a manipular câmbio e juros com um pouco mais de cuidado. O regime [de metas] exige a autonomia do BC.

Folha - Mas o PT é contra o debate sobre autonomia do BC agora.
Delfim -
E o que é o PT? O PT é um partido em murcha. O Lula demorou para entender que foi ele que elegeu o PT, e não o PT que o elegeu. O PT só o atrapalhou. Se for reeleito, será pela maioria dos brasileiros. Vai fazer outra vez um governo de coalizão. Não podemos imaginar que o Lula fez o programa do PT. Fez o programa da Carta aos Brasileiros. Os maiores opositores ao Lula estão no PT, que se consideram traídos. Achavam que a Carta era para enganar trouxa. O Lula teve sorte, uma iluminação, quando poupou as Finanças do PT. O Palocci não tem nada de PT.

Folha - Como o sr. analisa a queda do ex-ministro Antonio Palocci?
Delfim -
Uma pena. O Palocci certamente cometeu erros. Esse lance final foi uma tolice enorme. É um homem absolutamente decente, digno, inteligente, persistente. Espero que ele esteja lá no Congresso, porque certamente será um fator muito importante, e dentro do próprio partido. A República de Ribeirão é joguinho político local, interiorano. A quebra do sigilo é que é a coisa grave. E vou dizer mais: imperdoável.

Folha - E Palocci era seu principal aliado para amadurecer no governo a idéia do déficit nominal zero.
Delfim -
As pessoas não sabem, mas o presidente Lula participou de todas as reuniões. Ele estava absolutamente convencido da necessidade de um programa que propunha, ao longo de cinco, seis, oito anos, uma redução da carga tributária e do endividamento público para poder ter grau de liberdade para crescer. Eu posso ter sido talvez o comecinho disso. Mas aquilo nasceu em reuniões das quais participaram o Palocci, outros membros do governo e o presidente. Dias antes do escândalo do mensalão, o presidente disse: "Eu topo". Depois houve uma desintegração. Não foi uma invenção do sr. Delfim Netto. Foi pedido do governo para pôr em discussão pública e criar suporte para uma idéia que o governo ia executar.

Folha - O debate será retomado num eventual segundo mandato?
Delfim -
Na minha opinião vai ser retomado. Se não pelas virtudes do Lula, será por necessidade. Há duas reformas que precisam ser feitas e só o Lula pode fazer. A primeira é a reforma da Previdência. O regime, como está, é insustentável. Produz 1% do PIB de déficit crescente por ano. Estamos dentro de uma revolução demográfica. O Brasil está ficando velho. O segundo problema é a informalidade, que exige a reforma trabalhista. Não se trata de tirar direitos. Trata-se de dar estímulos ao setor privado e ao trabalhador para que se formalize. Só o Lula pode produzir essas duas reformas, porque o trabalhador acredita nele.

Folha - Qual seria o papel do PMDB num segundo governo Lula?
Delfim -
Boa parte do PMDB está apoiando o Lula. Acho que, definida a eleição, essa parte vai crescer. Não é simplesmente uma adesão ao Lula por fazer esse carguinho aqui, outro ali. Vai ajudar a formular um programa para o país. Há muita coisa a ser aperfeiçoada.

Folha - O sr. vota de novo em Lula?
Delfim -
Sim, é a melhor opção, para terminar o que começou.

Folha - Está preparando o caminho para o Brasil crescer a taxas de 5%?
Delfim -
Acho que sim. Nunca tivemos uma situação tão boa como hoje. Só que deixamos de considerar o efeito devastador da carga tributária. Nunca houve um esforço fiscal no governo Fernando Henrique, só no segundo mandato. Deixou quatro problemas: crescimento medíocre, carga tributária insuportável, endividamento mais que insuportável e vulnerabilidade externa terrível.

Folha - Qual a saída para crescer?
Delfim -
Diria que nos próximos quatro anos, se puserem em prática essa política [de ajuste fiscal], certamente voltará a um crescimento entre 5% a 6%, sustentável, com equilíbrio interno e externo.

Folha - E os gastos públicos? Houve elevação por causa da eleição?
Delfim -
Acho que há um equívoco. Não se violou Orçamento uma única vez. Ele vai cumprir os 4,25% [de superávit]. As duas reformas importantes têm que ser acompanhadas por controle do gasto público de custeio, pelo IPCA. Não vai reduzir os gastos com saúde, com educação. Vai exigir o choque de gestão dentro do setor. As vinculações são a avó da vagabundagem. A mãe, se você faz alguma coisinha errada, te dá uns tapas. A avó, te dá uns beijinhos. O recurso cai do céu. O caso brasileiro é muito mais grave que a velha Belíndia do Bacha [Edmar Bacha]. É a Ingana: impostos da Inglaterra e serviços iguais ao de Gana.

Folha - Dá para discutir o mito das vinculações num próximo governo?
Delfim -
Nada radical funciona. É um programa para no mínimo quatro ou cinco anos. Ninguém está imaginando um Estado mínimo.

Folha - O sr. dizia que era preciso crescer e depois repartir o bolo. Lula fala para a elite e a classe média que repartirá o "bifinho" com os pobres.
Delfim -
O que eu sempre disse é que você não pode distribuir o que não tem. O Fernando Henrique distribuiu. A proposição do Lula está correta. Se existe o bifinho, nós podemos distribuir. Produzir o bifinho é um problema econômico. A teoria econômica não decide como distribuir o bifinho. A organização política decide.

Folha - E o mensalão?
Delfim -
Eu acho a coisa mais trágica que poderia ter acontecido para a sociedade. Foi um mecanismo devastador. Felizmente veio a público e foi apurado por uma CPI. Lamento é que outros mecanismos devastadores para a moralidade do Congresso não tenham sido apurados com a mesma força. O Lula teve conhecimento disso da mesma forma que nós: de uma maneira trágica.


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