Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
ENTREVISTA
Ex-ministro diz que governador tucano tem duas biografia: antes e depois de Mário Covas Neto
Para Calheiros, filho de Covas é 'pivete'
RAYMUNDO COSTA
do Painel em Brasília
Acionado na Justiça pelo governador de São Paulo, Mário Covas,
o ex-ministro da Justiça Renan
Calheiros (PMDB-AL) insiste nas
denúncias contra o tucano e diz
que "há algo de podre no governo
de São Paulo".
Ele reafirma que o governador e
intermediários tentaram beneficiar uma empresa paulista, a Tejofran, em duas concorrências.
Calheiros afirmou ainda ter documentos e extratos telefônicos
para provar o que diz, mas não
apresentou os papéis.
O ex-ministro faz carga especialmente sobre o filho do governador, Mário Covas Neto, o Zuzinha. "O Covas tanto não entende
de "pivete" que tinha um em casa e
não o reconhecia como tal."
A seguir, os principais trechos
da entrevista à Folha.
Folha - Quando deixou o Ministério da Justiça, o sr. enviou
uma carta ao presidente acusando Covas de interferir em assuntos do ministério para beneficiar uma empresa, a Tejofran.
Por que o sr. não fez essas denúncias na época?
Calheiros - Eu tomei as providências. Os fatos da carta não
contestam o passado do Covas.
Eles fazem desmoronar o presente. A carta não acusa. Relata providências que tomei, e as assumo
na plenitude. E não cobrei nenhuma posição do presidente. Apenas relatei.
Folha - Exemplo.
Calheiros - Eu revoguei a licitação para a emissão de passaportes, impedindo que uma construtora paulista (Tejofran), ligada ao
governador, emitisse os passaportes brasileiros. Depois de ganhar a licitação, pediram um indexador em dólar com o claro objetivo de reajustar os preços com
os quais haviam ganho a licitação.
Folha - Qual a ligação da Tejofran com o governador?
Calheiros - Eles se dizem ligados, e o mercado diz muito mais.
Em São Paulo, a Tejofran conseguiu surpreendentemente expandir seus contratos no valor de R$
20 milhões, antes de 1994, para R$
240 milhões em 99. Hoje a Tejofran, a Power e a Gocil são felizes
empresas do poderoso português
Antônio Dias Felipe, amigo íntimo, compadre e principal financiador do governador.
Elas têm contratos milionários
de vigilância, segurança, limpeza,
prestação de serviços, obras em
geral, pedágios, tudo. Vários desses contratos foram considerados
irregulares pelo Tribunal de Contas do Estado. Mesmo assim, elas,
com forte lobby, que conta com o
próprio Covas, com o Zuzinha
(Mário Covas Neto, filho do governador) e com o José Aníbal
(secretário de Tecnologia), estão
descaradamente tentando avançar sobre o governo federal.
A Tejofran é a principal financiadora do Covas. Seu comitê funcionava em um imóvel da construtora e o mercado aposta que as
ligações são mais íntimas do que
imaginamos, que eles seriam uma
espécie de sócios ocultos.
Folha - O que fez Covas efetivamente em favor da Tejofran?
Calheiros - Fez pressão para
que o indexador em dólar fosse
concedido e prevalecesse a licitação escandalosa que deu a vitória
ao consórcio.
Folha - E Antônio Dias Felipe,
o "Português"?
Calheiros - Reuniu grupos de
empresários do setor e falou que
ele e Zuzinha comandariam a escolha das empresas em São Paulo.
Folha - Quando e onde?
Calheiros - Em várias oportunidades.
Folha - Zuzinha teve contatos
pessoais com o sr.?
Calheiros - Não. Me recusei a
receber os defensores do consórcio que falavam em nome do Zuzinha e do Covas. Mas eles pressionaram setores do ministério.
Folha - Que setores?
Calheiros - Outros escalões do
ministério.
Folha - Mas Covas não lhe telefonou?
Calheiros - Também com relação à inspeção veicular, o governador chegou a me telefonar duas
vezes, pelo menos. E pediu que eu
recebesse outras pessoas. Uma
delas, que inclusive me telefonou
algumas vezes, foi o José Aníbal,
que queria informações.
Folha - Alegando o quê?
Calheiros - Dizendo que eles
entendiam que a licitação para a
inspeção veicular teria de ser feita
em São Paulo, que já tinham feito
uma audiência pública, as empresas já estavam escolhidas. Eu argumentei que a competência para
fazer a licitação era da União.
Folha - E ele?
Calheiros - Em outros telefonemas, retrucou que São Paulo tinha de fazer (a licitação).
Folha - Não era só uma questão de interpretações diferentes? Daí a se concluir que o secretário tentava beneficiar uma
empresa não vai uma diferença
muito grande?
Calheiros - Não, porque a insistência e a pressão geram suspeitas. A lei de trânsito é federal.
Folha - O que dizia Covas nos
telefonemas ao senhor?
Calheiros - Que ele já havia
avançado nos entendimentos e tinha de estadualizar.
Folha - Que entendimento?
Calheiros - Eu não sei que tipo
de entendimento.
Folha - Então o que o sr. tem é
apenas uma suspeita de que ele
pretendia favorecer a Tejofran?
Calheiros - A insistência e a
pressão geraram as suspeitas.
Folha - O sr. tem como provar?
Calheiros - Documentos da licitação, extratos telefônicos, o que
for necessário. A Justiça talvez seja o fórum ideal para que possamos tirar as dúvidas.
Folha - Covas queria sua saída
para limpar a área e impor seus
interesses no ministério?
Calheiros - Não tenho nenhuma dúvida de que o governador
queria contemplar interesses que
a minha presença proibia. Tanto
que, tão logo deixei o ministério,
esses interesses se materializaram. O ministro da Justiça (José
Carlos Dias) suspendeu a resolução 84, que regulamentava a inspeção veicular a partir de experiências internacionais, para estadualizar.
Folha - Quais os outros desentendimentos o sr., como ministro, teve com Covas?
Calheiros - Nas eleições, o governador inaugurou, de maneira
oportunista, penitenciárias inacabadas. Eu me recusei a participar
das inaugurações.
Folha - Covas sempre foi citado como um exemplo de ética
na política. O retrato que o sr.
pinta do governador é outro.
Calheiros - O que eu escrevi na
carta eu assumo. Já disse e repito.
Em nenhum momento eu contestei o passado de candura do Covas. Eu me referi ao presente.
Folha -Ele mudou?
Calheiros - O Covas na verdade
tem duas biografias conflitantes.
Uma antes do Zuzinha e outra depois do Zuzinha. Mas o governador, mais do que ninguém, sabe
que o Zuzinha é uma espécie de
chuva ácida que provoca a sua
erosão moral. Há algo de podre
no governo de São Paulo.
Folha - Além da carta, o sr. tratou pessoalmente desse assunto com o presidente?
Calheiros - O governador demonstrou, em várias oportunidades, o desejo de nomear o ministro da Justiça. E nós fomos informados dessa reivindicação.
Folha - Seguindo seu raciocínio, Covas conseguiu tudo o
que queria: limpou a área e nomeou o novo ministro da Justiça
que não quer saber da inspeção
federal de veículos. É isso?
Calheiros - A decisão do STF,
entendendo ser a inspeção veicular da competência federal, aumentou a ira do governador.
Folha - O ministro José Carlos
Dias disse que não quer se envolver com esse problema.
Calheiros - Disse que é uma coisa gigantesca e que ele não queria
assumir responsabilidades. É um
erro. Ele precisa assumir responsabilidades.
Folha - Covas propôs que vocês dois fiquem num quarto para ver quem é mais honesto. O
sr. topa?
Calheiros - Covas é uma espécie
de mister M do avesso, tudo o que
pensa fazer é no escuro. Só me
submeto a isso sem carteira e sem
o Zuzinha e a Tejofran por perto.
Folha - Covas o chamou de
""pivete", o que o sr. tem a dizer?
Calheiros - Ele não entende de
pivetes. Tanto que nos últimos
dez dias mais de mil pivetes fugiram devido a torturas e maus-tratos. O Covas tanto não entende de
pivete que ele tinha um em casa e
não o reconhecia como tal.
Texto Anterior: Curso: Inscrições para programa de treinamento terminam na 5ª Próximo Texto: Dias diz que declarações são "aéticas" Índice
|