São Paulo, Domingo, 26 de Setembro de 1999
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ENTREVISTA
Ex-ministro diz que governador tucano tem duas biografia: antes e depois de Mário Covas Neto
Para Calheiros, filho de Covas é 'pivete'

RAYMUNDO COSTA
do Painel em Brasília

Acionado na Justiça pelo governador de São Paulo, Mário Covas, o ex-ministro da Justiça Renan Calheiros (PMDB-AL) insiste nas denúncias contra o tucano e diz que "há algo de podre no governo de São Paulo".
Ele reafirma que o governador e intermediários tentaram beneficiar uma empresa paulista, a Tejofran, em duas concorrências.
Calheiros afirmou ainda ter documentos e extratos telefônicos para provar o que diz, mas não apresentou os papéis.
O ex-ministro faz carga especialmente sobre o filho do governador, Mário Covas Neto, o Zuzinha. "O Covas tanto não entende de "pivete" que tinha um em casa e não o reconhecia como tal."
A seguir, os principais trechos da entrevista à Folha.

Folha - Quando deixou o Ministério da Justiça, o sr. enviou uma carta ao presidente acusando Covas de interferir em assuntos do ministério para beneficiar uma empresa, a Tejofran. Por que o sr. não fez essas denúncias na época?
Calheiros -
Eu tomei as providências. Os fatos da carta não contestam o passado do Covas. Eles fazem desmoronar o presente. A carta não acusa. Relata providências que tomei, e as assumo na plenitude. E não cobrei nenhuma posição do presidente. Apenas relatei.

Folha - Exemplo.
Calheiros -
Eu revoguei a licitação para a emissão de passaportes, impedindo que uma construtora paulista (Tejofran), ligada ao governador, emitisse os passaportes brasileiros. Depois de ganhar a licitação, pediram um indexador em dólar com o claro objetivo de reajustar os preços com os quais haviam ganho a licitação.

Folha - Qual a ligação da Tejofran com o governador?
Calheiros -
Eles se dizem ligados, e o mercado diz muito mais. Em São Paulo, a Tejofran conseguiu surpreendentemente expandir seus contratos no valor de R$ 20 milhões, antes de 1994, para R$ 240 milhões em 99. Hoje a Tejofran, a Power e a Gocil são felizes empresas do poderoso português Antônio Dias Felipe, amigo íntimo, compadre e principal financiador do governador.
Elas têm contratos milionários de vigilância, segurança, limpeza, prestação de serviços, obras em geral, pedágios, tudo. Vários desses contratos foram considerados irregulares pelo Tribunal de Contas do Estado. Mesmo assim, elas, com forte lobby, que conta com o próprio Covas, com o Zuzinha (Mário Covas Neto, filho do governador) e com o José Aníbal (secretário de Tecnologia), estão descaradamente tentando avançar sobre o governo federal.
A Tejofran é a principal financiadora do Covas. Seu comitê funcionava em um imóvel da construtora e o mercado aposta que as ligações são mais íntimas do que imaginamos, que eles seriam uma espécie de sócios ocultos.

Folha - O que fez Covas efetivamente em favor da Tejofran?
Calheiros -
Fez pressão para que o indexador em dólar fosse concedido e prevalecesse a licitação escandalosa que deu a vitória ao consórcio.

Folha - E Antônio Dias Felipe, o "Português"?
Calheiros -
Reuniu grupos de empresários do setor e falou que ele e Zuzinha comandariam a escolha das empresas em São Paulo.

Folha - Quando e onde?
Calheiros -
Em várias oportunidades.

Folha - Zuzinha teve contatos pessoais com o sr.?
Calheiros -
Não. Me recusei a receber os defensores do consórcio que falavam em nome do Zuzinha e do Covas. Mas eles pressionaram setores do ministério.

Folha - Que setores?
Calheiros -
Outros escalões do ministério.

Folha - Mas Covas não lhe telefonou?
Calheiros -
Também com relação à inspeção veicular, o governador chegou a me telefonar duas vezes, pelo menos. E pediu que eu recebesse outras pessoas. Uma delas, que inclusive me telefonou algumas vezes, foi o José Aníbal, que queria informações.

Folha - Alegando o quê?
Calheiros -
Dizendo que eles entendiam que a licitação para a inspeção veicular teria de ser feita em São Paulo, que já tinham feito uma audiência pública, as empresas já estavam escolhidas. Eu argumentei que a competência para fazer a licitação era da União.

Folha - E ele?
Calheiros -
Em outros telefonemas, retrucou que São Paulo tinha de fazer (a licitação).

Folha - Não era só uma questão de interpretações diferentes? Daí a se concluir que o secretário tentava beneficiar uma empresa não vai uma diferença muito grande?
Calheiros -
Não, porque a insistência e a pressão geram suspeitas. A lei de trânsito é federal.

Folha - O que dizia Covas nos telefonemas ao senhor?
Calheiros -
Que ele já havia avançado nos entendimentos e tinha de estadualizar.

Folha - Que entendimento?
Calheiros -
Eu não sei que tipo de entendimento.

Folha - Então o que o sr. tem é apenas uma suspeita de que ele pretendia favorecer a Tejofran?
Calheiros -
A insistência e a pressão geraram as suspeitas.

Folha - O sr. tem como provar?
Calheiros -
Documentos da licitação, extratos telefônicos, o que for necessário. A Justiça talvez seja o fórum ideal para que possamos tirar as dúvidas.

Folha - Covas queria sua saída para limpar a área e impor seus interesses no ministério?
Calheiros -
Não tenho nenhuma dúvida de que o governador queria contemplar interesses que a minha presença proibia. Tanto que, tão logo deixei o ministério, esses interesses se materializaram. O ministro da Justiça (José Carlos Dias) suspendeu a resolução 84, que regulamentava a inspeção veicular a partir de experiências internacionais, para estadualizar.

Folha - Quais os outros desentendimentos o sr., como ministro, teve com Covas?
Calheiros -
Nas eleições, o governador inaugurou, de maneira oportunista, penitenciárias inacabadas. Eu me recusei a participar das inaugurações.

Folha - Covas sempre foi citado como um exemplo de ética na política. O retrato que o sr. pinta do governador é outro.
Calheiros -
O que eu escrevi na carta eu assumo. Já disse e repito. Em nenhum momento eu contestei o passado de candura do Covas. Eu me referi ao presente.

Folha -Ele mudou?
Calheiros -
O Covas na verdade tem duas biografias conflitantes. Uma antes do Zuzinha e outra depois do Zuzinha. Mas o governador, mais do que ninguém, sabe que o Zuzinha é uma espécie de chuva ácida que provoca a sua erosão moral. Há algo de podre no governo de São Paulo.

Folha - Além da carta, o sr. tratou pessoalmente desse assunto com o presidente?
Calheiros -
O governador demonstrou, em várias oportunidades, o desejo de nomear o ministro da Justiça. E nós fomos informados dessa reivindicação.

Folha - Seguindo seu raciocínio, Covas conseguiu tudo o que queria: limpou a área e nomeou o novo ministro da Justiça que não quer saber da inspeção federal de veículos. É isso?
Calheiros -
A decisão do STF, entendendo ser a inspeção veicular da competência federal, aumentou a ira do governador.

Folha - O ministro José Carlos Dias disse que não quer se envolver com esse problema.
Calheiros -
Disse que é uma coisa gigantesca e que ele não queria assumir responsabilidades. É um erro. Ele precisa assumir responsabilidades.

Folha - Covas propôs que vocês dois fiquem num quarto para ver quem é mais honesto. O sr. topa?
Calheiros -
Covas é uma espécie de mister M do avesso, tudo o que pensa fazer é no escuro. Só me submeto a isso sem carteira e sem o Zuzinha e a Tejofran por perto.

Folha - Covas o chamou de ""pivete", o que o sr. tem a dizer?
Calheiros -
Ele não entende de pivetes. Tanto que nos últimos dez dias mais de mil pivetes fugiram devido a torturas e maus-tratos. O Covas tanto não entende de pivete que ele tinha um em casa e não o reconhecia como tal.


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