São Paulo, segunda-feira, 26 de setembro de 2005

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Com mercado paralelo em crise, doleiros adotam lavagem de dinheiro

DA REDAÇÃO

A abertura do mercado brasileiro e a livre flutuação do real em relação ao dólar provocaram uma mudança na função dos doleiros. Se antes a principal ocupação desse profissional era transacionar moedas no mercado paralelo, passou, em boa parte dos casos, a ser a de transferir recursos para o exterior, fora das vias convencionais.


A existência do ágio contaminou toda a cadeia produtiva. Como esses recursos não podiam ser contabilizados oficialmente, as empresas passaram a abastecer o chamado caixa dois


Pela robustez da economia dos Estados Unidos e pelas ações monetárias do governo, a moeda é considerada um porto seguro para investidores. Por isso, diversos países mantêm reservas internacionais em dólares e usam o dinheiro americano como referência para cotações das moedas locais.
Principalmente desde a década de 70, o Brasil registra a existência de um mercado paralelo de câmbio. Até 1990, o acesso dos brasileiros ao dólar era restrito. Para fugir desses limites, empresas e pessoas físicas recorriam ao "mercado negro".
Entre as barreiras existentes estavam: viajantes podiam adquirir apenas US$ 1.000 a cada seis meses e ainda assim com a comprovação de que iriam sair do país; manutenção de familiares fora do país era restrita a US$ 300 por mês; investimentos de brasileiros no exterior dependiam de aprovação do BC; a importação de diversos produtos tinha taxações proibitivas.
Para fugir das contingências, a saída era recorrer aos doleiros, agentes de um mercado paralelo de divisas. Um setor tão aquecido da economia que, nos anos 80, chegou a registrar um sobrepreço (ágio) de quase 200% em relação ao valor do dólar oficial, registrado pelo Banco Central.
Esse mercado era abastecido de diversas formas. Estrangeiros que vinham ao Brasil preferiam trocar seus dólares com doleiros (que pagavam mais por eles). Exportadores subfaturavam seus produtos e ficavam com a diferença. Importadores fingiam pagar mais por mercadorias, para adquirir mais moeda no mercado oficial. Laranjas emprestavam seus nomes e passaportes para viagens fictícias, cujo objetivo era criar condições para a compra de dólares.
O que determinava o valor da moeda era a clássica lei da oferta e da procura. Como o país atravessava períodos de inflação, planos econômicos fracassados e moratórias da dívida externa (afugentando a entrada de divisas), a moeda americana tornou-se artigo raro e de alto valor.
Essa valorização, se comparada com a caderneta de poupança ou a outros investimentos, passou a chamar a atenção. Assim, a procura por dólar no "mercado negro" passou, embora de maneira ilícita, a integrar o mercado de capitais. Todos sabiam que existiam, as cotações eram divulgadas pela imprensa, cidadãos honestos procuravam esse meio para obter divisas.
A existência do ágio contaminou toda a cadeia produtiva. Como esses recursos não podiam ser contabilizados oficialmente, as empresas passaram a abastecer o chamado caixa dois.
Essa corrida por dólares se intensificou em 1989, na campanha presidencial. Quando o candidato petista Luiz Inácio Lula da Silva (então com um discurso mais radical, sob o ponto-de-vista dos mercados financeiros) melhorava nas pesquisas, a cotação da moeda norte-americana no mercado paralelo disparava -Lula acabou derrotado, em segundo turno, por Fernando Collor de Mello.
O "mercado negro" se popularizou de tal forma que o governo resolveu criar o dólar turismo, um segmento em que pudesse haver troca de moedas sem a intermediação do BC, com o valor definido pelo mercado, cujas operações deveriam ser registradas pela autoridade monetária e com possibilidade de aquisição de até US$ 4.000.
O dólar turismo funcionou como teste antes da abertura total do mercado cambial, a partir de 1990, quando o BC deixou de regular a taxa e de limitar negociações. Em conjunto com essa ação, o governo confiscou recursos das contas e dos investimentos dos brasileiros, restringindo o dinheiro em circulação.
Em junho daquele ano, reportagem da Folha atestou que o mercado cambial em São Paulo estava parado. Não havia dinheiro à disposição nem necessidade de recorrer ao mercado paralelo. O especialista em câmbio Emilio Garofalo Filho, ex-diretor do BC, relembra que, naquele momento, a saída para os doleiros era pensar em mudar de ramo.
Mas a demanda por um mercado paralelo seguiu, de maneira diferente: visando atender demandas de lavagem de dinheiro (transformar dinheiro obtido de maneira ilícita em dinheiro legal, sob o mediante de um pedágio).
Trocar reais por dólares é operação legítima e legal, que deve ser conduzida por agentes autorizados pelo BC para tanto.
Mas o mercado seguiu demandando operações com o mercado externo. Enviar para paraísos fiscais dinheiro obtido de maneira ilegal (tráfico de drogas e armas, contrabando, roubo, sonegação de impostos, por exemplo), tentar tornar legítimo o dinheiro repatriado. Para despistar as autoridades financeiras, foram montados diversos e sofisticados esquemas de lavagem de dinheiro, geralmente operados por doleiros.


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