São Paulo, segunda-feira, 26 de setembro de 2005

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ENTREVISTA DA 2ª

GUILHERMO PERRY


Economista do Banco Mundial afirma que o país deve investir para dar educação aos mais pobres

Desigualdade no Brasil não cairá no curto prazo, diz Bird

FERNANDO CANZIAN
ENVIADO ESPECIAL A WASHINGTON

O colombiano Guilhermo Perry, economista-chefe do Banco Mundial (Bird) para a América Latina, afirma que é "impossível esperar uma solução no curto prazo" para o problema da desigualdade social no Brasil e defende o programa Bolsa-Família como um dos mecanismos mais eficientes no combate à pobreza.
A prioridade, porém, deve ser dada ao crescimento econômico, mesmo que isso se traduza temporariamente em políticas que cortem investimentos em infra-estrutura e em serviços básicos.
Perry compara o atual cenário mundial a um "mar com vento muito favorável". "O Brasil tem aproveitado o impulso, mas, se o vento cessar, o país deve sofrer mais do que outros emergentes."
A seguir, a entrevista concedida por Guilhermo Perry à Folha, em Washington (Estados Unidos).
 

Folha - Relatório divulgado pelo Bird na semana passada mostrou que, apesar dos recentes progressos econômicos, a desigualdade social no Brasil continua sendo uma "armadilha" que trava o crescimento e que parece não ter solução. Quais são as perspectivas de melhora nesses indicadores?
Guilhermo Perry -
A diminuição das desigualdades é difícil e leva muito tempo. A desigualdade persiste na região desde o tempo colonial, com melhoras e pioras ao longo dos séculos. Isso mesmo em regimes econômicos completamente diferentes: fechados, abertos ou com muito investimento. A desigualdade não mudou. Por isso, é impossível esperar uma redução no curto prazo. No médio prazo, o principal fator de redução será o crescimento. Mas é preciso atacar os fatores intrínsecos da desigualdade. O mais importante hoje é dar aos pobres mais acesso à educação, mas isso significa que os efeitos sobre a desigualdade acontecerão somente daqui a uma geração. Por isso, é preciso tentar dar mais acesso à infra-estrutura e aos serviços públicos, à terra, a melhores escolas básicas e a créditos. O segundo ponto importante é o próprio Estado ter um plano para uma distribuição de renda mais igualitária. Esse nunca foi o papel do Estado na América Latina, onde os governos nunca usaram corretamente o dinheiro que arrecadam em impostos. Na maioria dos países, com exceção do Brasil, não há sequer uma arrecadação de impostos adequada. No Brasil, o Bolsa-Família é um programa de muito poder distributivo, mesmo envolvendo pequenos valores. Ao mesmo tempo em que ajuda as pessoas no curto prazo, com dinheiro vivo, ele estimula as famílias a manter seus filhos na escola.

Folha - O sr. citou infra-estrutura, serviços públicos, melhores escolas e o Bolsa-Família. O investimento do Brasil nos três primeiros pontos é baixíssimo por causa da política de superávits fiscais elevados receitada pelo FMI e pelo Bird. O próprio Bolsa-Família começa a colocar novas pressões sobre o Orçamento. Não há uma contradição nas receitas que os srs. indicam?
Perry -
Os efeitos de qualquer crise econômica sobre os pobres e a desigualdade são sempre imensos. São eles que sofrem mais, já que os ricos sempre arrumam um modo de se proteger. Os pobres perdem sistematicamente muito mais do que os ricos. Quando a recuperação finalmente chega, a pobreza e a desigualdade são reduzidas, mas acabam sempre maiores do que eram antes.


Se o vento parar, o barco brasileiro vai andar mais devagar, mas desta vez ele não vai afundar. Mas o Brasil ainda precisa de muitos anos de bom trabalho


A conclusão é que políticas macroeconômicas consistentes devem ser a parte importante de estratégias de diminuição da pobreza. O problema é equalizar o efeito dessas políticas no Orçamento com a necessidade de investimentos. Essa não é uma dificuldade só do FMI ou do Banco Mundial. É um problema da vida. Ninguém pode viver acima dos seus meios. É preciso fazer escolhas. No caso do Brasil, o grande problema é que não há mais espaço para qualquer aumento da carga tributária. Então, é preciso encontrar maneiras de usar melhor o dinheiro disponível em programas eficientes.

Folha - Mesmo seguindo a receita dos superávits elevados, o Brasil, comparado com a média da América Latina e dos demais emergentes, deve crescer menos neste ano. E o país cresce principalmente, senão somente, devido ao cenário externo favorável. O sr. concorda?
Perry -
Apesar dos progressos para resolver os problemas fiscais, eles ainda não foram eliminados. Por isso, o país tem taxas de juros tão elevadas. O fardo da dívida no Brasil ainda é muito pesado. E há outros fatores: é só olhar para o custo de se fazer negócios no Brasil -o país ficou na 119ª colocação em um ranking de 155 nações, elaborado pelo Bird. Mas o fato é que o Brasil fez muitas coisas do ponto de vista macroeconômico. Podemos comparar o país a um barco que foi reformado e que colocou as velas no lugar. Quando há um bom vento, ele vai muito bem. Um crescimento na faixa de 3,5% pode não parecer muito bom, mas, se olharmos para trás, para os últimos dez anos, veremos que melhorou muito.

Folha - Mas o que acontecerá com esse barco, pesado como o sr. diz, se esse "vento" acabar?
Perry -
Primeiramente, não esperamos que esse vento termine tão cedo, já que a demanda e os preços das commodities passam por uma mudança estrutural, e ninguém vislumbra uma crise internacional. Mas, se o vento parar, estamos mais bem preparados para enfrentar a calmaria do que estávamos nos anos 90.

Folha - O sr. concorda que, se o "vento" parar, o Brasil ainda não tem um bom motor para ir em frente sozinho? Comparado a outros países, mesmo na América Latina, e a outros emergentes como Índia e China, o Brasil não está menos preparado para a calmaria?
Perry -
Se o vento parar, o barco brasileiro vai andar mais devagar. Mas a diferença, desta vez, é que ele não vai afundar. Mas o Brasil ainda precisa de muitos anos de bom trabalho. O custo para se fazer negócios no país e o peso atual da dívida e o seu perfil têm de melhorar muito. Se o país continuar no mesmo caminho, creio que em cinco anos estará em outro patamar. Mas a resposta à sua pergunta é "sim". O motor do Brasil realmente é mais fraco do que o de outros países. Por isso, o Brasil tem muito mais reparos urgentes a serem feitos em seu barco.

Folha - Como latino-americano, o sr. ficou surpreso com o envolvimento do PT, um partido que se dizia ético, em esquemas de corrupção? O sr. vê riscos para a economia na eleição do ano que vem?
Perry -
Prefiro não comentar sobre a política brasileira. Mas, se a atual política econômica for mantida, dificilmente o país sairá dos trilhos, qualquer que seja o nível da crise ou o governo no poder.


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