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ENTREVISTA DA 2ª
GUILHERMO PERRY
Economista do Banco Mundial afirma que o país deve investir para dar educação aos mais pobres
Desigualdade no Brasil não cairá no curto prazo, diz Bird
FERNANDO CANZIAN
ENVIADO ESPECIAL A WASHINGTON
O colombiano Guilhermo
Perry, economista-chefe do Banco Mundial (Bird) para a América
Latina, afirma que é "impossível
esperar uma solução no curto
prazo" para o problema da desigualdade social no Brasil e defende o programa Bolsa-Família como um dos mecanismos mais eficientes no combate à pobreza.
A prioridade, porém, deve ser
dada ao crescimento econômico,
mesmo que isso se traduza temporariamente em políticas que
cortem investimentos em infra-estrutura e em serviços básicos.
Perry compara o atual cenário
mundial a um "mar com vento
muito favorável". "O Brasil tem
aproveitado o impulso, mas, se o
vento cessar, o país deve sofrer
mais do que outros emergentes."
A seguir, a entrevista concedida
por Guilhermo Perry à Folha, em
Washington (Estados Unidos).
Folha - Relatório divulgado pelo
Bird na semana passada mostrou
que, apesar dos recentes progressos econômicos, a desigualdade social no Brasil continua sendo uma
"armadilha" que trava o crescimento e que parece não ter solução. Quais são as perspectivas de
melhora nesses indicadores?
Guilhermo Perry - A diminuição
das desigualdades é difícil e leva
muito tempo. A desigualdade
persiste na região desde o tempo
colonial, com melhoras e pioras
ao longo dos séculos. Isso mesmo
em regimes econômicos completamente diferentes: fechados,
abertos ou com muito investimento. A desigualdade não mudou. Por isso, é impossível esperar uma redução no curto prazo.
No médio prazo, o principal fator
de redução será o crescimento.
Mas é preciso atacar os fatores intrínsecos da desigualdade. O mais
importante hoje é dar aos pobres
mais acesso à educação, mas isso
significa que os efeitos sobre a desigualdade acontecerão somente
daqui a uma geração. Por isso, é
preciso tentar dar mais acesso à
infra-estrutura e aos serviços públicos, à terra, a melhores escolas
básicas e a créditos. O segundo
ponto importante é o próprio Estado ter um plano para uma distribuição de renda mais igualitária. Esse nunca foi o papel do Estado na América Latina, onde os
governos nunca usaram corretamente o dinheiro que arrecadam
em impostos. Na maioria dos países, com exceção do Brasil, não há
sequer uma arrecadação de impostos adequada. No Brasil, o
Bolsa-Família é um programa de
muito poder distributivo, mesmo
envolvendo pequenos valores. Ao
mesmo tempo em que ajuda as
pessoas no curto prazo, com dinheiro vivo, ele estimula as famílias a manter seus filhos na escola.
Folha - O sr. citou infra-estrutura,
serviços públicos, melhores escolas
e o Bolsa-Família. O investimento
do Brasil nos três primeiros pontos
é baixíssimo por causa da política
de superávits fiscais elevados receitada pelo FMI e pelo Bird. O próprio Bolsa-Família começa a colocar novas pressões sobre o Orçamento. Não há uma contradição
nas receitas que os srs. indicam?
Perry - Os efeitos de qualquer
crise econômica sobre os pobres e
a desigualdade são sempre imensos. São eles que
sofrem mais, já que
os ricos sempre arrumam um modo
de se proteger. Os
pobres perdem sistematicamente
muito mais do que
os ricos. Quando a
recuperação finalmente chega, a pobreza e a desigualdade são reduzidas, mas acabam
sempre maiores do
que eram antes.
Se o vento
parar, o barco
brasileiro vai
andar mais
devagar, mas
desta vez ele não
vai afundar.
Mas o Brasil
ainda precisa de
muitos anos de
bom trabalho
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A conclusão é que
políticas macroeconômicas consistentes devem ser a
parte importante
de estratégias de
diminuição da pobreza. O problema
é equalizar o efeito dessas políticas no Orçamento com a necessidade de investimentos. Essa não é
uma dificuldade só do FMI ou do
Banco Mundial. É um problema
da vida. Ninguém pode viver acima dos seus meios. É preciso fazer
escolhas. No caso do Brasil, o
grande problema é que não há
mais espaço para qualquer aumento da carga tributária. Então,
é preciso encontrar maneiras de
usar melhor o dinheiro disponível
em programas eficientes.
Folha - Mesmo seguindo a receita
dos superávits elevados, o Brasil,
comparado com a média da América Latina e dos demais emergentes, deve crescer menos neste ano.
E o país cresce principalmente, senão somente, devido ao cenário externo favorável. O sr. concorda?
Perry - Apesar dos progressos
para resolver os problemas fiscais,
eles ainda não foram eliminados.
Por isso, o país tem taxas de juros
tão elevadas. O fardo da dívida no
Brasil ainda é muito pesado. E há
outros fatores: é só olhar para o
custo de se fazer negócios no Brasil -o país ficou na 119ª colocação em um ranking de 155 nações,
elaborado pelo Bird. Mas o fato é
que o Brasil fez muitas coisas do
ponto de vista macroeconômico.
Podemos comparar o país a um
barco que foi reformado e que colocou as velas no lugar. Quando
há um bom vento, ele vai muito
bem. Um crescimento na faixa de
3,5% pode não parecer muito
bom, mas, se olharmos para trás,
para os últimos dez anos, veremos que melhorou muito.
Folha - Mas o que acontecerá com
esse barco, pesado como o sr. diz,
se esse "vento" acabar?
Perry - Primeiramente, não esperamos que esse vento termine
tão cedo, já que a demanda e os
preços das commodities passam
por uma mudança estrutural, e
ninguém vislumbra uma crise internacional. Mas, se
o vento parar, estamos mais bem preparados para enfrentar a calmaria do
que estávamos nos
anos 90.
Folha - O sr. concorda que, se o "vento"
parar, o Brasil ainda
não tem um bom motor para ir em frente
sozinho? Comparado
a outros países, mesmo na América Latina, e a outros emergentes como Índia e
China, o Brasil não
está menos preparado para a calmaria?
Perry - Se o vento
parar, o barco brasileiro vai andar mais
devagar. Mas a diferença, desta vez, é que ele não vai
afundar. Mas o Brasil ainda precisa de muitos anos de bom trabalho. O custo para se fazer negócios
no país e o peso atual da dívida e o
seu perfil têm de melhorar muito.
Se o país continuar no mesmo caminho, creio que em cinco anos
estará em outro patamar. Mas a
resposta à sua pergunta é "sim". O
motor do Brasil realmente é mais
fraco do que o de outros países.
Por isso, o Brasil tem muito mais
reparos urgentes a serem feitos
em seu barco.
Folha - Como latino-americano, o
sr. ficou surpreso com o envolvimento do PT, um partido que se dizia ético, em esquemas de corrupção? O sr. vê riscos para a economia
na eleição do ano que vem?
Perry - Prefiro não comentar sobre a política brasileira. Mas, se a
atual política econômica for mantida, dificilmente o país sairá dos
trilhos, qualquer que seja o nível
da crise ou o governo no poder.
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