São Paulo, quarta-feira, 26 de outubro de 2005

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Tucano repete que não sabia de caixa 2

ELIANE CANTANHÊDE
COLUNISTA DA FOLHA

CHICO DE GOIS
ENVIADO ESPECIAL A BRASÍLIA

O senador Eduardo Azeredo (MG) renunciou ontem à presidência nacional do PSDB, que será assumida pelo prefeito de São Paulo, José Serra, até o próximo dia 18. O anúncio oficial foi feito em discurso no plenário do Senado durante a noite.
"Me sinto usado como instrumento de uma grande farsa, quando tentam desviar a atenção da população dos escândalos envolvendo o governo e o PT", disse o senador na sua despedida.
O afastamento de Azeredo é fruto do desgaste sofrido em decorrência das acusações de que participou, em 1998, quando tentava a reeleição ao governo de Minas, de esquema semelhante ao que envolve o PT e causou a atual crise política.
Em 1998, Azeredo obteve auxílio financeiro de Marcos Valério (veja quadro). Seu então tesoureiro, Cláudio Mourão, reconheceu recentemente o uso de caixa dois na campanha. Azeredo afirma que não tinha conhecimento do fato. No final de semana, a revista "IstoÉ" revelou que o tucano teve uma dívida com seu ex-tesoureiro paga por meio de um cheque de Valério, no valor de R$ 700 mil.
Para o tucano, sua renúncia desarma seus detratores do "único argumento" de que dispunham. "Pois o fato de não saber de tudo, que de mim é agora implacavelmente cobrado pelos petistas, é a única e cínica desculpa dos defensores do governo."
José Serra substituirá Azeredo porque é o presidente de fato, mas estava licenciado desde que assumiu a prefeitura, em janeiro deste ano. Serra não estava disposto a presidir a legenda porque teme receber estilhaços da guerra entre PSDB e PFL, de um lado, e Palácio do Planalto e PT, do outro.
"Ele vai ter de assumir", dizia o líder do PSDB no Senado, Arthur Virgílio (AM), à tarde. "Não se trata de querer, mas de dever."
Serra aceitou assumir a presidência sob condições: atuará burocraticamente, desde que Tasso Jereissati (CE) e o atual secretário-geral, deputado Bismarck Maia (CE), toquem o dia a dia de fato. Tasso será eleito presidente em reunião do Diretório Nacional do partido no dia 18 de novembro,
No discurso de desligamento, Azeredo disse que Serra "havia manifestado o desejo de, pessoalmente, transmitir ao seu sucessor a presidência do partido".

Desvio
Azeredo é conhecido pelo temperamento ameno, mas sofreu intensa pressão ao longo do dia para não amenizar seu discurso. A intenção dos tucanos, com ajuda direta do PFL, é radicalizar contra o governo e o PT. "Não achem que eu sou uma pessoa mole", observou, no discurso. "Sei reagir, e esta é a hora de reagir."
Para o senador tucano, são dois os propósitos das acusações que vem recebendo: jogar a opinião pública contra ele e seu partido e desviar a atenção da sociedade em relação às denúncias contra o PT e o governo.
Reafirmando que não tinha conhecimento da existência de caixa dois em sua campanha, "como vem sendo maldosamente difundida pelos adversários", Azeredo criticou ontem os petistas. "Alguém tem qualquer dúvida de que a quase totalidade das campanhas eleitorais de nossos adversários custaram muito mais do que declararam à Justiça Eleitoral?"
Durante seu discurso, o senador foi interrompido por membros da oposição ao governo, que lhe declararam apoio. "Quem apedrejou Eduardo Azeredo deveria estar pedindo neste momento o impeachment de Lula", sugeriu Tasso Jereissati (CE). O líder do PFL, José Agripino (RN), procurou relacionar o caixa dois do PT com corrupção, fazendo contraponto a Azeredo. "Cadê seu Land Rover?", questionou, em alusão ao ex-secretário-geral do PT Silvio Pereira, que ganhou um veículo de presente de uma empresa que trabalha para o governo.

Pressão
A renúncia de Azeredo foi decidida numa reunião de mais de três horas com Jereissati, Virgílio e Sérgio Guerra (PE). Durante a reunião, o ministro Jaques Wagner (Relações Institucionais) ligou para Azeredo, tentando amenizar o clima de guerra entre tucanos e petistas. Virgílio, porém, pediu o telefone e radicalizou.
Na versão dele, Jaques começou a conversa falando que os dois partidos eram como "irmãos". E ele rechaçou: "Só se for como árabes e judeus, que estão em guerra há dois mil anos". A tentativa de Wagner foi a de tirar o Planalto da linha de fogo, ao dizer que não tinha nada a ver com investigações sobre o envolvimento de Azeredo no esquema Marcos Valério.
O argumento não foi aceito por Virgílio, que discutiu com os demais tucanos centrar fogo nas campanhas do PT até 2002, para comprovar o uso de caixa dois.


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