São Paulo, domingo, 26 de outubro de 2008

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JANIO DE FREITAS

Nem partidos nem políticos


As alianças tornaram-se uma bagunça quase sempre indecente; uma corrida a jazidas de ouro reabertas

A MAIOR peculiaridade destas eleições (supondo que haja outras) é uma contradição: baseada, como impõem as regras em vigor, na divisão do corpo político em partidos, as eleições formalizaram o atestado de óbito da identidade destes partidos. Os quais, por definição, só podem ter sentido em razão da sua identidade.
Importa pouco, ou nada, se as identidades partidárias já estavam todas extintas, e as eleições vieram a demonstrá-lo com clareza inequívoca, ou se sobreviviam em coma, em morte cerebral, e agora se extinguiram. A realidade é que os partidos não existem. E, sem a reforma política que crie um novo conjunto de partidos com identidades ofertadas à orientação do país, o que se chamará de política serão apenas transações e aventuras de todo tipo. Com a pior índole e nenhum compromisso senão com vantagens.
As alianças partidárias, legítimas como aproximação política dos que tenham ideários e metas circunstancialmente complementares, tornaram-se uma bagunça quase sempre indecente pelo país afora.Uma corrida a jazidas de ouro reabertas. A disputa no Rio sintetiza bem, inclusive por ocorrer no que parece ainda a capital mais politizada, a anulação das identidades partidárias e a transformação dos seus espaços em meras arenas de transações.
Em torno da candidatura peemedebista de Eduardo Paes, patrocinada pelo governador Sérgio Cabral graças a um acerto na ala mais fisiológica do PMDB, o PP de geração malufista, o mais à direita do que chamam de liberais, acasalou-se com o PC do B que aloja os resíduos do comunismo stalinista. E, com eles, o PT que, no entanto, tinha candidato próprio, o sangrado Alessandro Molon. No PDT ex-brizolista, a maior parte incorporou-se ao "ménage" plural, a menor criou uma dissidência e ficou com Fernando Gabeira. O PSB, sob o slogan "socialismo e liberdade" e uma aleijada pomba da paz como símbolo, também amigou-se com o PP e com o PMDB fisiológico e aderiu às liberdades de formas ilegais de combate ao adversário. Não é tudo, mas não é preciso mais.
Em torno da candidatura de Fernando Gabeira estiveram instalados Marcelo Alencar, de precária sobrevida na memória, arrastando consigo a imagem moralmente deplorável do PSDB fluminense; e, do outro lado, o Cesar Maia que continua na prefeitura mas há muito também é só uma vaga memória de prefeito. Em alguma parte dos aderentes, o Márcio Fortes que não é o ministro idem e que se celebrizou como associado a Moreira Franco em várias iniciativas de muita repercussão. E de inquéritos também. E por aí vai.
No primeiro turno, tivemos o PC do B, cujo apoio ao aborto o tornou objeto de intensa oposição do catolicismo radical, em eleições anteriores, agora com a companhia católica enquanto pareceu que sua candidata, Jandira Feghali, poderia derrubar o evangélico Marcelo Crivella (o autor do feito veio a ser Gabeira).
As combinações variaram de Estado para Estado, mas sempre com a mesma origem: a inexistência de identidade, de fisionomia, dos partidos em geral -exceto, sim, o PSOL com sua vã juvenilidade. Variação de combinações que é outra demonstração, e talvez até mais forte, de falta da identidade programática e política que caraterizaria partidos reais.
A reforma política necessária não é, no entanto, uma possibilidade visível. Por motivo simples: se os partidos não são partidos é porque os políticos não são políticos e, portanto, os congressistas não são congressistas.
São profissionais de outros ramos.


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