São Paulo, domingo, 26 de outubro de 2008

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

São Paulo

MARTA

Modo de atuação tem gosto por detalhes e estilo "mandão"

Ex-ministra se incomoda em ter esmiuçadas em público as características femininas que ela leva ao poder

ANA FLOR
DA REPORTAGEM LOCAL

No auge da batalha contra a máfia dos transportes, em 2003, a então prefeita Marta Suplicy escapulia entre audiências e reuniões para opinar sobre móveis, cores das paredes e tecidos que seriam usados na futura prefeitura, no Anhangabaú. As amostras eram estrategicamente colocadas em uma sala ao lado de seu gabinete -onde discutia detalhes com o arquiteto, um dos melhores do país, escolhido a dedo por ela.
De volta às reuniões, Marta mantinha postura rigorosa: não fazia brincadeiras, cobrava resultados e não terminava o encontro sem delegar tarefas.
Para a psicóloga, sexóloga, ex-apresentadora de TV, ex-prefeita e ex-ministra, ter esmiuçadas em público as características femininas que leva ao poder não passa de preconceito. Grife da roupa, cabeleireiro ou cirurgias plásticas jamais estariam na pauta de perguntas a um político homem, afirma. "Ser mulher é dose", já disse. Marta não deixa de confessar, entretanto, que uma líder feminina tem um espaço de comportamento que é vedado aos homens: ralhar feito uma mãe com empresários que reclamam do IPTU progressivo e censurar em público subordinados e até mesmo o ex-marido, senador Eduardo Suplicy.
Ao mesmo tempo em que é conhecida entre assessores por ser detalhista e objetiva, às vezes beirando a rispidez, Marta ouve e opina sobre relacionamentos com seu motorista, discute moda com subordinadas e não deixa de cumprimentar garçons e serventes.
Segundo um ex-secretário, discutir cinema, moda ou a decoração de seu novo gabinete são formas de descontrair e relaxar das pressões do cargo. Entre atuais e antigos subordinados, Marta é reverenciada pela objetividade e assertividade. Não deixa nada subentendido. Reclama, cobra prazos e pede explicações. Mas também ouve e aceita críticas. Para tomar decisões importantes, consulta assessores de confiança -que garantem que ela muda de opinião se bons argumentos a convencerem. Delega, dá carta-branca e acredita em secretários -até demais, dizem, citando áreas da prefeitura em que ela teria levado tempo demais para fazer substituições.
A mesma objetividade que conquista a fidelidade de muitos assessores garante também desafetos no trabalho e na política. No PT, já foi chamada de burguesa, pela origem rica.
Entre ex-assessores, há quem reclame do excesso de cuidado com minúcias. Um assistente conta que se a cor de um uniforme não agradava, ela dava bronca. A necessidade de aprovação pública é vista como defeito -e assessores aprenderam a jogar com isso. Segundo um deles, funcionários à paisana chegaram a ser convocados para uma inauguração, elogiaram o empreendimento e ela ficou feliz. A fama de mandona também lhe rende censura.
Se não há compromissos que exijam as primeiras horas da manhã, guarda o horário para ler jornais, fazer ginástica e ficar com a família. Mas não deixa de ligar cedo -ou bem tarde da noite- para assessores sempre que lembra de um assunto. Marta é conhecida por aproveitar o almoço para se reunir com secretários ou despachar.
Também fica sempre até mais tarde no gabinete, quando não tem jantares de trabalho. Quando ministra do Turismo, passava a semana em Brasília, onde morava no mesmo hotel do ministro Paulo Bernardo (Planejamento), com quem trocava idéias. Os fins de semana eram gastos em SP com o marido, Luís Favre, tido como uma das principais influências.
Apesar de negar a influência do marido, com quem se casou em 2003, após 37 anos de união com Suplicy, Marta conta pelo menos duas intervenções dele em ações na prefeitura: a sugestão do nome CEU (Centro Educacional Unificado) e a idéia de transformar o parque do Gato em uma recuperação social e urbanística modelo.

Inovação
Marta enfrenta desafios e toma decisões com o mesmo olhar questionador da psicóloga em início de carreira que não concordava em medir o QI das crianças de periferia com os testes das classes média e alta.
"Lembro que uma das perguntas era "qual é a cor da esmeralda". Como uma criança da periferia pode ser mais burra ou mais inteligente por não saber a cor da esmeralda?", argumenta. E diz: "Minha sina é sempre querer o novo, propor o novo".
Suas propostas de inovação levaram polêmica à prefeitura.
Com poder estrogênico, lutou contra a máfia dos transportes, criou escolas com orquestras sinfônicas para a periferia e o plantio de coqueiros para embelezar a cidade, que a levaram a um bate-boca com eleitora em frente às câmeras de TV.
A espontaneidade rende frases de efeito e deixa assessores desconfortáveis na cadeira, sempre à espera de comentários bombásticos. O mais famoso foi também o mais amargo: "Relaxa e goza", respondeu ao ser perguntada sobre qual conselho daria aos passageiros na crise aérea, em 2007.
De educação conservadora, à qual tem fortes críticas, Marta percorreu um longo caminho para se estabelecer como liderança no PT. Mas não conseguiu driblar a rejeição, explicada muitas vezes como preconceito. Talvez menos o de ser mulher e mais o de dizer o que pensa. "Mulher que fala o que pensa é temperamental", diz.


Assista a vídeo sobre a biografia dos candidatos
www.folha.com.br/0829911



Texto Anterior: DEM projeta aliança com Serra em 2010
Próximo Texto: KASSAB: Ás dos bastidores, em público sempre pergunta: "Fui bem?"
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.