São Paulo, domingo, 26 de outubro de 2008

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Rio de Janeiro

PAES

Ex-tucano se une aos petistas e rejeita influência de Cesar Maia

RAPHAEL GOMIDE
DA SUCURSAL DO RIO

O ex-líder estudantil Vladimir Palmeira se recusa a subir em um banquinho para discursar, como fez 40 anos atrás na Passeata dos 100 mil. Desta vez, na noite de quarta-feira passada, são pouco mais de uma centena os companheiros de partidos da base de apoio do presidente Lula que enchem o restaurante Lamas, na zona sul carioca. Os discursos de Palmeira e dos que antecedem o orador principal arrancam aplausos de esquerdistas antigos e de jovens lideranças estudantis com bandeiras vermelhas.
Timidamente, o ex-tucano Eduardo Paes (PMDB), 38, protagonista, até então ouvindo em silêncio elogios a ele e críticas ao PSDB, aceita subir no banquinho. Como centenas de vezes na campanha, promete "retirar o Rio do isolamento político criado pelo prefeito" Cesar Maia (DEM). Diz que suas prioridades "são voltadas para as classes mais baixas", que vai "devolver a dignidade às pessoas na hora da doença" e se "comprometer com educação pública de qualidade".
Não está inspirado. A voz parece cansada, talvez pela gripe da reta final da campanha, arrastando o ritmo da fala. No ambiente pouco familiar, os aplausos são escassos.
A presidente da UNE, Lúcia Stumpf, não espera sair para retirar o adesivo "O que é isso, companheiro?" -alusão ao livro do rival de Paes-, em que Fernando Gabeira (PV) aparece com Maia, o governador de São Paulo, José Serra (PSDB), e o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso.
"Lúcia, empolgada com a campanha?", pergunta o repórter. "É... Tem que estar, né?"
Paes se formou político na Juventude Cesar Maia e na subsecretaria de Jacarepaguá e da Barra da Tijuca (zona oeste); foi secretário de Meio Ambiente até 2002 do ex-guru, com quem brigou no ano seguinte, indo para o PSDB. No novo partido, foi liderado por Serra e FHC, os outros dois rostos do adesivo.
Paes não é grande orador e reconhece não ser um político tão "carismático", que apela para a emoção do eleitor, como analisa o senador evangélico Marcelo Crivella (PRB), que o apoiou no segundo turno.
Como Santo Agostinho -que dá nome ao tradicional colégio no Leblon onde estudou-, Paes prefere a razão à emoção. "Busco ser mais racional. Mas toda pessoa que teve muito voto deve ter algum carisma aí, mas eu sempre vou mais pela minha razão."

Figurante de novela
O candidato de rosto jovial e simpático, nascido e criado no Jardim Botânico e na praia de São Conrado (zona sul), iniciou a carreira política cedo, depois de fazer figuração em novelas da Globo e se formar bacharel em direito -sem nunca exercer a profissão. Aos 23 anos, virou subprefeito. Em 96, aos 27, foi o vereador mais votado do Rio, com 82.418 votos. Elegeu-se deputado federal em 98 e se reelegeu em 2002. Mas não se considera predestinado. "Sou muito dedicado, gosto de transformar a vida das pessoas. Não acho predestinação, transpirei tanto para conquistar as coisas que, se fosse predestinação, não precisava sofrer tanto."
Ele renega, hoje, seu "pai político", embora conserve de Cesar trejeitos e a forma pausada de falar à TV. Mas se incomoda em falar de semelhanças.
"Deve ter (levemente irritado)... Deve ter contribuído com alguma coisa. Procuro tirar das pessoas coisas positivas. Ele deve ter coisas positivas. É um cara -pelo menos na fase que convivi com ele- muito trabalhador, dedicado às coisas da cidade, disciplinado. Agora, te confesso que eu me esforço muito para... Talvez eu tenha aprendido com os erros dele: esse isolamento, incapacidade de ouvir os outros, dialogar francamente, uma visão dura do mundo."
Como Cesar, é pragmático. Trocou de partido cinco vezes em 16 anos. "Tenho duas mudanças: uma do grupo do Cesar Maia para o PSDB e uma para o PMDB. As anteriores foram na linha do Cesar Maia. Essa conta é por eu o estar acompanhando na instabilidade partidária e emocional dele. Quem se preocupa com isso é a elite."
Em 2006, após ter 5,3% dos votos para governador pelo PSDB, contrariou o partido e se aliou a Sérgio Cabral. Trocou a secretaria geral nacional do PSDB em 2007 pela Secretaria de Esportes e Turismo do Estado e a perspectiva de ser candidato com chances à prefeitura pelo PMDB.
Dissera que "sanguessugas, mensaleiros e garotinhos" apoiavam Cabral, "síntese da entrega da máquina pública para amealhar espaços de poder". Hoje, o considera "uma personalidade das mais adoráveis" que conheceu e o tem como o principal parceiro nesta campanha.

Lula e falta de rancor
Com Lula, as pazes e o apoio após ter chamado o presidente de "psicopata" já são grande avanço, essencial para tornar factível o bordão de que uniria o Rio. "Sou a pessoa mais compreensiva do mundo com a circunstância alheia. Não tenho um rancor, uma mágoa no meu coração. Minha mulher às vezes quer me bater por isso."
Apesar de nunca ter sido desportista, teve sucesso na pasta dos Esportes, com dinheiro federal no ano do Pan. Aumentou de R$ 6 milhões para R$ 15 milhões a arrecadação. Má gestão anterior? "Enfim... Prefiro dizer que é boa gestão nossa." O antecessor, Chiquinho da Mangueira, suspeito de associação com o tráfico, fez carreatas de braços dados com ele.
Na última semana, recebeu o reforço do maior opositor à sua entrada no PMDB e à candidatura a prefeito, o presidente da Assembléia Legislativa, Jorge Picciani. O deputado assumiu a coordenação-geral da campanha e pôs a tropa de choque nas zonas oeste e norte, com participação de políticos suspeitos, por exemplo, de envolvimento com milícias e máfia dos combustíveis.
Paes se esquiva de dizer se tem orgulho das novas companhias, mas não se diz constrangido. "São atores políticos da cidade, que me dão apoio nesta eleição. Não cedo meus princípios -isso não cedi nem vou ceder nunca. Bobo é quem acha que cedi. Se achou está perdendo tempo."
Com campanha de muitos recursos -teto de R$ 12 milhões declarado-, segurou a "onda Gabeira", após desempenho surpreendente do rival no primeiro turno. Aproveitou erros do verde para mostrá-lo como candidato da elite contra ele, o representante dos mais pobres.
Cara de bom menino, criado em família de classe média alta, virou o candidato do subúrbio, que diz conhecer "como ninguém". Mesmo lamentando ter sido abandonado pelos eleitores da zona sul -culpa dos jornais, diz-, é impulsionado pelo eleitorado mais pobre que o pai de Bernardo, 4, e Isabela, 2, e marido de "Cris" pode ser eleito hoje o prefeito mais jovem desde a redemocratização.


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