São Paulo, domingo, 26 de novembro de 2006

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

ONG inativa de deputado recebe R$ 800 mil

Sem prestar serviço médico, Fundação Aproniano Sá, da mulher de Múcio Sá (PSB), teve bloqueado acesso a dinheiro público

Auditoria do TCU mostrou que ONGs consideradas ineptas consumiram 54,5% dos recursos repassados a entidades em 28 convênios

MARTA SALOMON
LUCIANA CONSTANTINO

DA SUCURSAL DE BRASÍLIA Depois de receber ao menos R$ 800 mil do Ministério da Saúde sem prestar serviços médicos e odontológicos em municípios do Rio Grande do Norte, a Fundação Aproniano Sá teve bloqueado há poucos dias o acesso a dinheiro público.
"Foi constatado que a entidade não presta nenhum tipo de atendimento", concluiu auditoria da CGU (Controladoria Geral da União) em convênios com a entidade presidida pela mulher do ex-deputado Múcio Sá (PSB-RN).
Sá passou parte da atual legislatura como suplente de deputado federal. Ganhou notoriedade durante as investigações da máfia dos sanguessugas. Foi um dos denunciados em junho pelo Ministério Público por suposto recebimento de propina dos empresários que comandavam a venda de ambulâncias superfaturadas.
Nesse período, Múcio Sá obteve a liberação de R$ 2 milhões para a entidade que leva o nome de seu avô. Desse total, a CGU conseguiu bloquear os pagamentos de R$ 1,2 milhão no início do mês.
Dias depois, deputados e senadores derrubaram do relatório do Orçamento de 2007 a regra que impediria o repasse de verbas federais a entidades privadas comandadas por parentes em até terceiro grau.
A regra proposta pelo relator Valdir Raupp (PMDB-RO) inviabilizaria a repetição de casos como o da Fundação Aproniano Sá ou da Fundação Cristiano Varella, da família do deputado Lael Varella (PFL-MG), que administra um hospital em Muriaé (MG) e já recebeu mais de R$ 30 milhões dos cofres públicos. A votação aconteceu na noite da última segunda-feira. Varella foi um dos principais articuladores do resultado.

"Ação entre amigos"
O caso da Fundação Aproniano Sá é mais um exemplo da falta de controle nas parcerias do governo federal com organizações não-governamentais. Auditoria do TCU (Tribunal de Contas da União), divulgada no domingo passado pela Folha, mostrou que ONGs consideradas ineptas consumiram 54,5% dos recursos repassados a entidades, num conjunto de 28 convênios analisados.
"A falta de critério da legislação para a escolha das entidades que receberão os recursos e a falta de transparência na prestação de contas resulta no inaceitável mecanismo, que hoje prevalece, pelo qual o Estado distribui recursos sem recorrer a edital público, transformando o caso numa espécie de "ação entre amigos'", dizia o relatório aprovado pelo TCU.
Nos "Planos de Trabalho" entregues ao Ministério da Saúde, a Aproniano Sá informou que presta serviços médicos em várias especialidades. A fiscalização da CGU em parceria com a auditoria do Ministério da Saúde detectou, porém, que a fundação não é cadastrada como estabelecimento de saúde e, em sua sede, não possui estrutura para atendimento médico ou odontológico.
Na sexta-feira, a Folha não conseguiu localizar Múcio Sá no telefone de sua residência nem no celular.
O repasse de dinheiro público à fundação da família Sá foi autorizado por meio de emendas parlamentares. No Orçamento de 2007, cada parlamentar terá direito a uma cota de R$ 6 milhões para emendas.

Lobby
Oito deputados saíram em campanha contra a proposta de proibir o repasse de dinheiro público a entidades que são ou tenham sido comandadas por membros dos Poderes Executivo, Legislativo ou Judiciário e a seus parentes. "Sem dúvida, há um exagero na generalizada proibição", investiu o deputado Nelson Meurer (PP-PR).
Lael Varella, cuja fundação recebeu R$ 31,3 milhões do governo entre 1998 e 2006, afirmou: "Certamente irá provocar um caos nas instituições privadas sem fins lucrativos".


Texto Anterior: De volta ao país, Alencar demonstra disposição e diz que trabalha amanhã
Próximo Texto: ONGs já usaram R$ 33 bilhões do governo, diz CGU
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.