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JANIO DE FREITAS
Um dia para sempre
Nem o passar das gerações
pôde apagar da memória
dos homens o que os olhos de
certas pessoas viram em um 27
de janeiro como este. Foi há
exatos 60 anos: 27 de janeiro de
1945.
Uma tropa de reconhecimento
avançado dos soviéticos, em
combate contínuo contra os alemães já através da Polônia, rumo a Berlim, sai de repente de
uma zona de floresta para um
descampado amplo. Eram as redondezas de uma cidade, e as
sombras enegrecidas que se elevavam do chão nevado pareciam uma área de edificações
idênticas e dispostas com rigor
geométrico.
Os homens e mulheres do
Exército Vermelho tinham visto
as atrocidades pavorosas das SS
contra as populações civis da
União Soviética e contra os prisioneiros russos e ucranianos.
Os soldados do Exército Vermelho vinham praticando, em sua
arrancada desde Stalingrado,
todas atrocidades que sua ânsia
de vingança consentia. Ainda
assim, os homens e mulheres do
Exército Vermelho assombraram-se com o que viram nos
campos de Auschwitz.
Dachau, Baden Baden, vários
outros campos de concentração
vieram a ser encontrados, também por tropas norte-americanas e inglesas, e compuseram a
ilustração sinistra da Segunda
Guerra no Ocidente. Mas
Auschwitz ficou para sempre como o seu símbolo. E símbolo da
dupla face da miséria humana:
a do perseguidor, homem reduzido a monstro, e a da vítima,
homem reduzido a nada.
Um mistério, porém, atravessa intacto esses 60 anos: por que,
só a partir de 8 de maio, dia da
rendição alemã, Stalin liberou a
divulgação do que suas tropas
encontraram em Auschwitz?
Nos três meses e meio entre um
fato e outro, o assunto só foi revelado no jornal militar "Stalinskoie Znania" ("Bandeira de
Stalin"). Não era uma publicação que os serviços de análise diplomática e militar dos Estados
Unidos e da Inglaterra deixassem de ler, jamais. Por que os
governos dos dois países também mantiveram o silêncio sobre os campos? A existência desses campos já era conhecida nos
governos aliados desde a criação dos primeiros deles, mas
não a utilização que lhes foi dada com o decorrer da guerra e o
agravamento da perseguição a
judeus, ciganos, deficientes físicos e doentes mentais. O porquê
do longo silêncio sobre a monstruosidade dessa utilização tem,
também, um lado brutal.
Não em relação aos campos de
concentração da guerra e aos
tantos aspectos presentes nessa
espécie da monstruosidade, mas
em relação a dois capítulos cruciais da história de nosso tempo,
dois livros traduzidos no Brasil
são muito recomendáveis: "Stalingrado, o Cerco Fatal" e "Berlim 1945: a Queda", ambos do
historiador inglês Antony Beevor, lançados pela Editora Record. Resultantes de pesquisas
extraordinárias em arquivos
alemães e (ex)soviéticos, os seus
necessários pormenores militares em nada diminuem o sentido que perpassa os dois episódios e sua narrativa: a disputa
infinita entre as melhores e as
piores dimensões humanas.
E já que o leitor estará com a
mão na massa, não é menos recomendável o estudo biográfico
de um personagem central naqueles dois episódios: "Stalin,
Triunfo e Tragédia", de Dmitri
Volkogonov, tradução lançada
pela Editora Nova Fronteira,
reúne as qualidades autorais de
um historiador contemporâneo
de grande parte do seu tema; dirigente de arquivos soviéticos/
russos e militar. Um livro da nova história russa, resultante do
fim total da censura: revelador,
independente, crítico, polêmico.
Ou seja, merecedor da leitura.
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