São Paulo, quinta-feira, 27 de janeiro de 2005

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

JANIO DE FREITAS

Um dia para sempre

Nem o passar das gerações pôde apagar da memória dos homens o que os olhos de certas pessoas viram em um 27 de janeiro como este. Foi há exatos 60 anos: 27 de janeiro de 1945.
Uma tropa de reconhecimento avançado dos soviéticos, em combate contínuo contra os alemães já através da Polônia, rumo a Berlim, sai de repente de uma zona de floresta para um descampado amplo. Eram as redondezas de uma cidade, e as sombras enegrecidas que se elevavam do chão nevado pareciam uma área de edificações idênticas e dispostas com rigor geométrico.
Os homens e mulheres do Exército Vermelho tinham visto as atrocidades pavorosas das SS contra as populações civis da União Soviética e contra os prisioneiros russos e ucranianos. Os soldados do Exército Vermelho vinham praticando, em sua arrancada desde Stalingrado, todas atrocidades que sua ânsia de vingança consentia. Ainda assim, os homens e mulheres do Exército Vermelho assombraram-se com o que viram nos campos de Auschwitz.
Dachau, Baden Baden, vários outros campos de concentração vieram a ser encontrados, também por tropas norte-americanas e inglesas, e compuseram a ilustração sinistra da Segunda Guerra no Ocidente. Mas Auschwitz ficou para sempre como o seu símbolo. E símbolo da dupla face da miséria humana: a do perseguidor, homem reduzido a monstro, e a da vítima, homem reduzido a nada.
Um mistério, porém, atravessa intacto esses 60 anos: por que, só a partir de 8 de maio, dia da rendição alemã, Stalin liberou a divulgação do que suas tropas encontraram em Auschwitz? Nos três meses e meio entre um fato e outro, o assunto só foi revelado no jornal militar "Stalinskoie Znania" ("Bandeira de Stalin"). Não era uma publicação que os serviços de análise diplomática e militar dos Estados Unidos e da Inglaterra deixassem de ler, jamais. Por que os governos dos dois países também mantiveram o silêncio sobre os campos? A existência desses campos já era conhecida nos governos aliados desde a criação dos primeiros deles, mas não a utilização que lhes foi dada com o decorrer da guerra e o agravamento da perseguição a judeus, ciganos, deficientes físicos e doentes mentais. O porquê do longo silêncio sobre a monstruosidade dessa utilização tem, também, um lado brutal.
Não em relação aos campos de concentração da guerra e aos tantos aspectos presentes nessa espécie da monstruosidade, mas em relação a dois capítulos cruciais da história de nosso tempo, dois livros traduzidos no Brasil são muito recomendáveis: "Stalingrado, o Cerco Fatal" e "Berlim 1945: a Queda", ambos do historiador inglês Antony Beevor, lançados pela Editora Record. Resultantes de pesquisas extraordinárias em arquivos alemães e (ex)soviéticos, os seus necessários pormenores militares em nada diminuem o sentido que perpassa os dois episódios e sua narrativa: a disputa infinita entre as melhores e as piores dimensões humanas.
E já que o leitor estará com a mão na massa, não é menos recomendável o estudo biográfico de um personagem central naqueles dois episódios: "Stalin, Triunfo e Tragédia", de Dmitri Volkogonov, tradução lançada pela Editora Nova Fronteira, reúne as qualidades autorais de um historiador contemporâneo de grande parte do seu tema; dirigente de arquivos soviéticos/ russos e militar. Um livro da nova história russa, resultante do fim total da censura: revelador, independente, crítico, polêmico. Ou seja, merecedor da leitura.


Texto Anterior: Serra elogia o presidente e diz que espera "parceria com o governo"
Próximo Texto: Panorâmica - Saúde: Roseana é operada no Sírio-Libanês
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.