São Paulo, domingo, 27 de janeiro de 2008

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Elio Gaspari

A telebagunça dos comissários


A compra da Brasil Telecom pela Telemar/Oi pressupõe uma simpática canetada do Nosso Guia

HÁ ALGO ESQUISITO nas tratativas dos marqueses da Telemar/Oi com os comissários da Brasil Telecom para comprar a empresa, formando a maior operadora de telecomunicações do país. É um negócio de R$ 4,8 bilhões e ninguém teria nada a ver com isso se a operação não dependesse de um decreto de Nosso Guia, mudando as regras do jogo desse mercado.
Quando duas empresas armam uma transação que depende de um ato do poder público, fica-se numa posição parecida com a do sujeito que tem um terreno onde se pode construir um edifício de quatro andares e negocia sua venda na expectativa de uma nova postura municipal que elevará o gabarito para dez pisos. Se o vendedor e o comprador não conhecem o prefeito e não pretendem influir na mudança da postura, tudo bem. Resta acreditar que os marqueses da Telemar, bem como os comissários da Brasil Telecom não sabem o telefone do Palácio do Planalto, muito menos o do BNDES. Nem eles nem a turma dos fundos de pensão estatais que investiram maciçamente na empresas.
No dia 9, a Telemar informou ao mercado que estudava "oportunidades de aquisição" de outras empresas e queixou-se das "notícias desencontradas" que vinham sendo publicadas sobre o caso. Disse também que estudava o assunto "no âmbito do marco regulatório em vigor". Difícil, por que sem mudar a Lei de Outorgas, o negócio é tão viável quanto abrir um restaurante em Marte.
No dia seguinte, respondendo a uma solicitação da Comissão de Valores Mobiliários, admitiu o óbvio: negociava a Brasil Telecom e seu vasto porão.
Tudo ficaria mais simples se as coisas fossem feitas numa ordem lógica. Primeiro o governo muda as regras. Se possível, discute o novo modelo com a choldra. Depois, as empresas negociam o que bem entenderem dentro do verdadeiro marco regulatório. Foi essa opção preferencial pela anarquia que atazanou a privataria tucana depois da armação do leilão que torrou a Vale e do que permitiu o surgimento da Telemar, cujos controladores foram chamados de "telegangue" pelo então ministro das Comunicações, Luiz Carlos Mendonça de Barros.

EM 1921, NO COMUNISMO, COMIAM-SE CRIANÇAS

No no que vem chegará às estantes de Pindorama um grande livro. É "Os Murmuradores" ("The Whisperers"), do professor inglês Orlando Figes. No ponto de partida é um retrato da vida privada do povo russo durante o stalinismo, mas na linha de chegada é uma viagem pelas trevas da alma humana.
Tratar de livro que só sairá em português no ano que vem é chatice pernóstica, mas o novo trabalho de Figes é uma oportunidade para que se resgate outra obra dele, publicada em 1999 no Brasil, que passou despercebida. É a monumental "A Tragédia de um Povo -A Revolução Russa, 1891-1924". Ainda pode ser encontrada em livrarias eletrônicas.
Com traduções em 20 idiomas, foi saudado como o melhor livro sobre o assunto. Sua narrativa cinematográfica e documentação acachapante fazem do drama uma aventura. Quem o atravessar, dificilmente precisará ler mais sobre o assunto. A tomada do palácio de inverno, em outubro de 1917, é um adorável pastelão. Uma página sobre a fome de 1921, provocada por Lênin e sua ekipekonômica é assustadora. Trata do canibalismo ocorrido nos vilarejos. Na estepe de Bashkir ocorreram milhares de casos documentados. Um canibal contou que na sua cidade havia tavernas onde se servia carne humana, inclusive de crianças. Figes ilustrou a narrativa com uma fotografia de dois antropófagos diante dos restos de uma refeição.
Figes sustenta que a Revolução Russa poderia ter sido evitada, mas a natureza totalitária do regime, não.

SP DANÇA
Amanhã São Paulo receberá uma boa notícia. O governo do Estado criará a "SP Companhia de Dança", que ganhará uma sede e casa de espetáculos no centro da cidade, no terreno onde funcionou a estação rodoviária. Obra para três anos. A companhia estréia ainda neste ano, em outro teatro. O corpo de 40 bailarinos será selecionado com audições no Brasil, em Nova York e em Buenos Aires. Para esse trabalho, já há uma verba de R$ 13 milhões anuais. O projeto inclui uma escola para jovens. (Os profissionais terão salários de R$ 6.000 a 7.000.) A casa será dirigida por Iracity Cardoso, ex-diretora do balé Gulbenkian, de Lisboa, e Inês Bogéa, autora do livro "Contos do Balé", ex-bailarina do Grupo Corpo.
Além dos benefícios que a iniciativa trará para a cultura da cidade, o novo teatro formará um tripé de revitalização do centro da cidade. O governador Mario Covas já havia transformado a estação da Luz numa casa de concertos e a sede da polícia política na Pinacoteca.

Erro
Ao contrário do que foi noticiado aqui, no sítio onde estão os 7.000 artigos do repórter Carlos Castello Branco não faltam os textos do período de 1975 a 1978. Quem entra naqueles anos pelo mês de janeiro pode pensar que faltam artigos, mas Castelinho estava em férias. O sítio tem até ferramenta de busca. Ele permite, por exemplo, localizar a primeira referência de Castello a Nosso Guia. É a coluna intitulada "Lula, e suas idéias políticas", de 12 de dezembro de 1978.
Serviço: o tesouro está em www.carloscastellobranco.com.br/indexphp.

SUPER MARTA
Enquanto o tucanato dedica-se à autofagia, a nação petista costura uma poderosa aliança para a disputa da Prefeitura de São Paulo. O objetivo é replicar na cidade a base de apoio federal. Se isso acontecer, a coligação de Marta terá um tempo de televisão equivalente à soma de todos os adversários.
Mais: aglutinará perto de dois terços das lideranças espalhadas pelos bairros e poderá ter Nosso Guia nos palanques.

SONHO MEU
Grandes empresários do Rio de Janeiro sonham com a candidatura de Roger Agnelli, presidente da Vale do Rio Doce, ao governo do Estado.

VALÉRIO LEMBRA
O advogado de Marcos Valério sabe do que fala quando faz perguntas críticas ao ex-tesoureiro do PT Delúbio Soares. No início de 2006, Valério recebeu uma promessa de compensação pelos estragos sofridos com a explosão do mensalão. Os algarismos seriam tratados com o ex-tesoureiro Paulo Okamotto. Deu em nada. O publicitário reclamou e fez chegar a Lula o seu desconforto com a quebra de palavra dos companheiros. O assunto seria repassado ao ministro da Fazenda, Antonio Palocci, mas ele foi eletrocutado antes de desempenhar a missão.

SONHO DELE
Eremildo é um idiota, não acredita que tenha havido mensalão e quer comprar um apartamento em Paris. Fará isso mandando uns papéis para Edinho Lobão assinar sem ler, como fez com o papelório que transferiu para uma empregada doméstica as ações de uma empresa espetada na Receita Federal.


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