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ELIO GASPARI
O golpismo de Tarso Genro
O ex-prefeito de Porto Alegre
Tarso Genro publicou anteontem, na Folha, um artigo pedindo que FFH envie ao Congresso uma emenda constitucional convocando eleições presidenciais para outubro, "dando um desfecho racional ao seu
segundo e melancólico mandato, que terminou antes mesmo
de começar".
A proposta de Tarso Genro é
golpista. Poderia ser chamada
também de oportunista e primitiva, mas isso seria uma
ofensa aos primitivos e aos
oportunistas. Eles não são necessariamente golpistas. A turma que defendia a sobrevalorização do real e agora trata a
nova política cambial como se
fosse um dado da natureza, semelhante ao pescoço da girafa,
é oportuni$ta, mas não é necessariamente golpista. O cacique
caiapó Kukriti, que há um ano
fez chover em Roraima, é primitivo, mas também não é golpista. O golpismo é uma forma
superior de primitivismo oportunista.
FHH é o presidente constitucional do país até o dia 1º de janeiro de 2002 e nessa condição
permanecerá. Foi eleito pela
maioria dos cidadãos, no primeiro turno. Tem um mandato
indiscutível e a sua simples
contestação capitula delito ou
excentricidade.
Dividem-se as pessoas que
reelegeram FFH em dois grupos. No primeiro estão aquelas
que não admitiam a hipótese
de conviver com Luiz Inácio
Lula da Silva e Leonel Brizola
no Planalto. Essas conseguiram
o que queriam e não se pode dizer que tenham cometido qualquer tipo de erro.
No segundo estão as que acreditaram no que dizia o marquetucanato e desprezaram as
advertências da oposição. Essas, desgosta dizer, foram engabeladas. Mesmo quem acha
preferível ter FHH no Planalto
pode admitir que durante a
campanha eleitoral a problemática brasileira apresentada
por Lula era amarga e verdadeira. A de FHH, doce ilusão.
Nessa época, quando o país tinha US$ 50 bilhões de reservas,
Tarso Genro sustentava que,
"se não houver um controle
cambial sério, o real vai por
água abaixo, seja qual for o resultado da eleição". Tinha toda
razão.
Agora ele propõe a interrupção do mandato do presidente
da República. Sustenta que essa
idéia é correta porque o país está nas mãos de um governante
"apático, inepto e irresponsável". Novidade, porque em
1996, mesmo atacando a política econômica do governo, Tarso Genro achava que FFHH
"colocou o estatuto da Presidência num patamar superior,
pela qualidade do quadro político que ele é".
Como todas as propostas golpistas, a de Tarso Genro é marota. Apenas para efeito de demonstração, cabe perguntar:
com que votos seria aprovada
essa emenda? Com os do PT, insuficientes para impedir que os
servidores públicos sejam tungados? Com os do PFL, do
PMDB e do PPB, por certo.
Não se pode admitir que Tarso Genro aceite essa hipótese,
porque ele se opôs à formação
de uma frente destinada a barrar a reeleição, com o argumento de que não pretendia se juntar ao senador José Sarney e a
Paulo Maluf. Se não o fez em
1996, não o faria agora.
A idéia do ex-prefeito de Porto Alegre é mais astuta do que
ingênua. Trata-se de fincar a
estaca da proposta da interrupção do mandato, marcar uma
posição. A desgraça está precisamente aí, no surgimento de
uma liderança capaz de ver
conveniência no golpismo. Tomado nas suas melhores intenções, é um golpe parlamentar,
limpo, seguido de eleições. Mesmo nessa versão beata, carrega
a convicção de que um presidente possa ser afastado pelo
que se julga ser um mau desempenho.
Nesse caso, a República fica
submetida às regras dos elencos
das telenovelas, nas quais se
purifica o elenco explodindo-se
o shopping.
Tarso Genro tem 51 anos. Em
sua vida adulta, a democracia
brasileira nunca produziu uma
cena na qual um cidadão, eleito pelo povo para a Presidência, passou a faixa a outro, encarregado de sucedê-lo. Isso
aconteceu porque, como advertiu Otávio Mangabeira há mais
de 50 anos, essa democracia é
uma "planta tenra". Precisa
mais de rega que de poda.
No mandarinato de FHH, a
oposição teve o grande mérito
de denunciar o irrealismo consumista do real sobrevalorizado. Teve a virtude de insistir,
mesmo gramando impopularidade, sendo chamada de catastrofista e neoboba. Remou contra a maré, e graças a isso, está
hoje na praia, enquanto o navio de FFH está com água no
salão de baile.
Em vez de se apresentar à sociedade como alternativa dentro do quadro constitucional,
Tarso Genro preferiu atravessar a rua para escorregar numa
casca de banana que estava na
outra calçada. Alimentou o
pior dos preconceitos que
acompanham a oposição.
Aquele segundo o qual ela é tão
do contra, que é contra até o fato de estar certa.
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