São Paulo, domingo, 27 de fevereiro de 2000


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""Devemos servir de exemplo para toda classe trabalhadora"

free-lance para a Folha

Leia abaixo trecho da entrevista com Fernando Tourinho Neto, presidente da Associação dos Juízes Federais do Brasil:

Folha - Durante a greve as audiências serão suspensas. Os juízes não temem uma reação negativa da sociedade?
Fernando Tourinho Neto -
Estamos dispostos a enfrentar o desgaste. A nossa proposta é esclarecer a população. Evidentemente que ela vai sofrer com a greve, mas terá um benefício no futuro, pois lutamos por uma Justiça Federal mais ágil e de qualidade.

Folha - Existem quantos juízes federais no Brasil?
Tourinho Neto -
São 750 na primeira instância e 101 nos tribunais regionais. Uma média de 1 juiz para 220 mil habitantes. O ideal seria 1 juiz para 10 mil. Por isso é que a Justiça é morosa.

Folha - E a média salarial?
Tourinho Neto -
Cerca de 80% desses 750 juízes são jovens com salários médios variando de R$ 3.500 a R$ 5.000.

Folha - Com a greve, muitos processos importantes vão ficar parados, como o da suspensão do processo de privatização do Banespa. Agora a questão salarial é mais importante?
Tourinho Neto -
Sempre vai ter problema.

Folha - Então a greve é a única forma de pressão que sobrou?
Tourinho Neto -
Sim. Já fizemos de tudo, mas chegamos a um impasse. Parece que fizeram um feitiço em uma encruzilhada para isso ser resolvido. Esse teto estabelecido pela emenda constitucional 19 não vai dar certo nunca.

Folha- Por quê?
Tourinho Neto -
Uma grande parcela de deputados ganha mais que R$ 12.720. O próprio presidente ganha mais do que isso acumulando aposentadoria e o salário de presidente. O presidente da Câmara, deputado Michel Temer (PMDB-SP), aposentado como procurador de São Paulo, também ganha mais do que isso. Dezenas ou centenas de funcionários dos três Poderes ganham muito mais do que esse valor.

Folha - O que os juízes federais esperam dessa greve?
Tourinho Neto -
O país chegou a um ponto em que o trabalhador não faz mais greve com medo de perder o emprego. Hoje ele faz acordo sindical coletivo para aceitar redução de salário. Isso é fruto de uma política econômica desastrosa. Há um endeusamento do Plano Real. O lema do presidente parece que é "salvemos o Plano Real ainda que o povo morra". Os juízes devem servir de exemplo a toda classe trabalhadora.

Folha - Mas não é estranho os juízes deflagrarem uma greve ilegal? O Supremo Tribunal Federal não aceita greve de servidores, especialmente de juízes.
Tourinho Neto -
Se nós achássemos que a greve é ilegal, nós não a faríamos. O artigo 9º da Constituição assegura aos trabalhadores o direito de greve, e o juiz é um trabalhador. Nós faremos a greve Garantindo os serviços essenciais.

Folha - Mas quem decide se a greve é ilegal ou não é o STF que, até então, tem tido a postura de considerar as greves de servidores públicos ilegais.
Tourinho Neto -
É verdade, até hoje foi assim. Quem sabe o STF comece a arejar, a pensar melhor.

Folha - O Congresso discute a reforma do Judiciário. A greve não seria inoportuna?
Tourinho Neto -
Nenhuma greve é oportuna para o Poder. O Poder não quer a greve porque ele se desmoraliza. Aquela empáfia de dizer que o governo é democrático cai por terra. Uma reforma como a que está sendo feita é enganação do povo. Não é isso que vai tornar o Judiciário rápido, mas sim a diminuição de recursos processuais e a contratação de pessoal.

Folha - O sr. acha que esta greve vai prejudicar a imagem do Brasil no exterior?
Tourinho Neto -
Sem dúvida. Quem vai aplicar dinheiro em um país onde os juízes federais entram em greve? Eles devem pensar que, para chegar a este ponto, o país deve estar um caos.

Folha - E o que faltou nas negociações para evitar a greve?
Tourinho Neto -
Faltou vontade política do Executivo, que jogou a responsabilidade para o STF tentando nos enganar.

Folha - E até quando os juízes aguentam manter a greve?
Tourinho Neto -
Devemos pensar em seis meses, um ano.



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