São Paulo, domingo, 27 de fevereiro de 2000


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CELSO PINTO

Calabi, o Ultra e o BNDES

Quem acha que a mudança na presidência do BNDES vai significar uma reviravolta no complexo processo de reestruturação da petroquímica pode estar enganado. Andrea Calabi garante que o ministro Alcides Tápias sempre endossou suas posições, inclusive na crítica à possibilidade de o Banco Central impedir o Grupo Ultra de comprar a Politeno.
O caso da petroquímica é complicado demais para ser explicado por chavões. É uma disputa entre um grupo paulista (Ultra) e um baiano (Odebrecht), mas lideranças baianas, como ACM, preferem a solução paulista. É um caso de apoio do BNDES a um grupo nacional, mas não exclui, em teoria, um desfecho favorável a um grupo estrangeiro. Opôs BC e BNDES, mas nem sempre por razões óbvias.
Calabi argumenta que o BNDES não "escolheu" o Grupo Ultra como vencedor da reestruturação da petroquímica. Todo o processo vem sendo discutido no BNDES há mais de um ano, a partir de alguns princípios.
Um deles é que é mais interessante para o Brasil ter algumas empresas brasileiras capitalizadas como atores importantes na petroquímica do que ter um único grupo monopolista (por exemplo, a Odebrecht). Um grupo único, diz Calabi, provavelmente teria uma base de capital pequena para uma dívida grande. Acabaria vulnerável a ser absorvido por um gigante externo.
O outro princípio é que ter um único pólo dominante seria menos interessante para o país do que ter três pólos (Bahia, São Paulo e Rio Grande do Sul) mais equilibrados. Dar ao pólo do Sul vantagens para dominar o pólo baiano, por exemplo, geraria um quase monopólio.
Da mesma forma, na visão de Calabi, se um gigante externo como a Dow Química, que já domina o pólo de Baía Blanca, na Argentina, ficasse com Camaçari, provavelmente acabaria inviabilizando os outros dois pólos. A Dow tem um porte quase vinte vezes maior do que as petroquímicas brasileiras.
Estes são alguns dos princípios. Na prática, o poder do BNDES tem óbvias limitações.
A reestruturação terá que passar pela Copene, no pólo baiano, cujo controle acabou dividido entre inúmeros grupos, tendo o ex-grupo Econômico (hoje nas mãos do BC, como liquidante) como um ator central. O Grupo Ultra, diz Calabi, foi o único a apresentar um projeto detalhado e bem montado, integrando a central de matérias-primas com as indústrias de segunda geração. Esse ponto é reconhecido por muitos, inclusive por Ângelo Calmon de Sá, ex-dono do Econômico e, portanto, interessado em ter concorrência na venda.
O BNDES decidiu apoiar uma operação em duas etapas. Na primeira, a Suzano e o Sumitomo (com 65% das ações) estão vendendo o controle da Politeno que, por sua vez, tem uma participação importante na Copene. O outro sócio da Politeno é o Econômico/BC (com 35%).
Calabi argumenta que houve uma concorrência internacional aberta a todos, vencida pelo Ultra (que se capitalizou no exterior para isso). Como o Ultra já tem 10% da Norquisa, que controla a Copene, com a Politeno e mais alguma outra compra de participação, poderia controlar o pólo.
Neste ponto, três sócios da Norquisa -Econômico/BC, Mariani e Odebrecht- fizeram um lance defensivo: assinaram um protocolo de que só venderiam suas ações em conjunto. Calabi acha o lance legítimo, pois quem ficasse de fora da venda perderia o prêmio de controle. Reclama apenas que o BC tomou a decisão de surpresa, sem discussão.
Com o protocolo, o Ultra se retraiu, pois aumentou o risco de ele, mesmo controlando a Politeno, acabar sem a Copene. O BNDES resolveu bancar o risco, entrando com capital e financiamento para a compra da Politeno.
O BC, contudo, pode melar a compra se exercer o direito de minoritário na Politeno e ficar com as ações que o Ultra quer comprar. Reforçaria sua posição na venda final da Norquisa, mas virtualmente eliminaria competidores locais. O comprador final provável seria a Dow, embora a Odebrecht diga que pelo menos outros três grupos internacionais tenham manifestado interesse: a Total/Fina, a Basf e a Repsol.
O BC tem argumentado, corretamente, que está defendendo o melhor preço pelo ativo do Econômico, em defesa do contribuinte. Calabi acha que o argumento justifica o protocolo, mas não o fato de o Estado vir a comprar uma empresa petroquímica (a Politeno). Diz que Tápias concorda inteiramente com esta posição.
Se o BC não exercer o direito de comprar a Politeno, isso não quer dizer que o Ultra vai levar a Copene, lembra Calabi. A venda final vai ser um leilão aberto a quem quiser. O Ultra terá o apoio do BNDES por ter apresentado um projeto consistente. O pólo do Sul (Copesul) reclama que quer a mesma vantagem, mas ele acha que isso poderia levar a uma concentração indesejável do setor.
A ironia é que a Odebrecht, como vendedora da Copene (com Mariani e o BC), quer concorrência e preço alto. Mas como um grande ator na Copesul, junto com o Ipiranga, poderia se transformar num comprador da Copene.
Como se vê, a história da petroquímica é um cipoal de interesses, mas que parece ter tido muito pouco a ver com a queda de Calabi.



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