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São Paulo, quinta-feira, 27 de fevereiro de 2003

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CELSO PINTO

O estrago que uma guerra pode fazer

Grande parte da frustração com a economia deste início de governo PT pode ser atribuída ao câmbio. Com a cotação do dólar resistindo em torno de R$ 3,60, aumenta a pressão inflacionária, o que leva ao aumento dos juros, à retração da economia e ao agravamento da crise empresarial.
É fácil perceber que, se o dólar tivesse se acomodado no patamar de R$ 3,20, a que chegou alguns dias, haveria um alívio nos preços, os juros não teriam subido tanto, as contas fiscais estariam melhores e, provavelmente, o risco-Brasil já teria caído do patamar entre 1.200 a 1.300 pontos em que estacionou nas últimas semanas. Com o risco mais perto de 1.000 pontos, haveria mais captações externas, a começar da República, o que ajudaria a aliviar ainda mais a pressão cambial.
Quem achar que R$ 3,20 poderia comprometer o resultado da balança deve lembrar que, nas contas do banco Safra, o câmbio atual está 42% desvalorizado em relação a julho de 94, já descontada a inflação interna e externa e ponderada a participação dos parceiros comerciais externos. O câmbio de julho de 94 era capaz de gerar superávits comerciais superiores a US$ 10 bilhões.
Quer dizer, mesmo considerando o estrago já feito pela inflação sobre o câmbio real, é difícil supor que o ajuste externo, mesmo num cenário mais difícil, exigiria mais desvalorização. Na verdade, no Banco Central há quem calcule que, se o câmbio ficar nos R$ 3,60 atuais, o déficit externo em conta corrente, projetado em US$ 5,6 bilhões neste ano, pode zerar.
Se isso é verdade, então uma parte substancial da pressão cambial vem do receio dos efeitos de uma guerra contra o Iraque sobre o fluxo de dólares para o país. Mas é um receio razoável?
Os números do setor externo em janeiro não são brilhantes, mas estão longe de serem desastrosos. A taxa de rolagem dos títulos privados de médio e longo prazo ficou em apenas 31%, abaixo da média de 56% do período crítico entre julho e dezembro de 2002. Mas é um número enganoso. Parte dos vencimentos de médio e longo prazo foram rolados com "notes" de curto prazo. Somando essas emissões, a rolagem sobe a 86%. O estoque de créditos de curto prazo ficou estável (queda de 0,06%).
Outra forma de olhar os resultados de janeiro é ver o que afetou o mercado privado de câmbio, em que a cotação do dólar, de fato, é feita. No ano passado, faltaram US$ 14,6 bilhões neste mercado, que foram supridos por vendas do BC (US$ 9,1 bilhões) e dos bancos privados (US$ 5,5 bilhões). Em janeiro, ao contrário, "sobraram" US$ 2,2 bilhões, porque as entradas da conta financeira foram positivas (US$ 1,9 bilhão, graças aos créditos e ao investimento direto) e a conta corrente (balança comercial e de serviços) também foi positiva, em US$ 300 milhões.
A cotação não cedeu porque parte da "sobra" (US$ 1,2 bilhão) ficou com os bancos, que reduziram suas posições "vendidas", e parte (US$ 900 milhões) o BC embolsou. No caso dos bancos, eles haviam embolsado US$ 1 bilhão do BC em assistência de liquidez na virada do ano e devolveram. Além disso, a redução da posição vendida indica maior cautela com o cenário externo. O fluxo não foi ruim, mas a expectativa deteriorou e acabou pressionando a cotação, um quadro que não mudou em fevereiro.
Olhando para frente, contudo, é difícil imaginar uma falta de liquidez comparável à do ano passado. A projeção do BC para a conta privada prevê um saldo financeiro de US$ 5,6 bilhões, com projeções relativamente conservadoras (rolagem inferior a 80%).
Do lado do governo, o serviço da dívida externa é de US$ 7,3 bilhões, mas parte das amortizações (de US$ 4,8 bilhões) são papéis que o BC recomprou no ano passado (talvez até uns US$ 2 bilhões). Do Bird e BID devem entrar US$ 2,7 bilhões. Somados à reserva disponível (acima do piso exigido pelo FMI) de US$ 9,7 bilhões no final de janeiro, dá para pagar toda a conta do setor público, mais uma bela sobra para o setor privado. Sem usar um centavo dos US$ 27 bilhões que devem entrar do acordo com o FMI.
Se o câmbio atual, de fato, puder zerar a conta corrente, então a margem de manobra cresceria mais US$ 5,6 bilhões. Tudo somado, parece difícil imaginar o Brasil encurralado na conta externa pelos efeitos de uma guerra contra o Iraque.
Um banqueiro acha que o mercado está pessimista demais e que, se a guerra se limitar a não mais do que seis semanas e o governo conseguir aprovar a PL-9 da Previdência e a Lei de Falências até o final de março, em abril o risco-Brasil estará a 1.000 pontos e a República voltará a captar. Octavio de Barros, economista-chefe do banco BBV, por razões parecidas, aposta que o risco-Brasil estará em 1.000 pontos em maio.
A dúvida que fica é saber quanto tempo o governo Lula ainda terá de boa vontade se os indicadores, de fato, não começarem a melhorar nos próximos meses.

E-mail: CelPinto@uol.com.br


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