São Paulo, domingo, 27 de fevereiro de 2005

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ARTIGO

Explorar sem destruir

XICO GRAZIANO
ESPECIAL PARA FOLHA

O primeiro debate importante entre os ecologistas, no início de 1980, estava centrado na polêmica da "preservação versus a conservação" dos recursos naturais. Preservar significa manter intacto. Conservar significa utilizar sem destruir.
A corrente mais radical, aquela que subia em árvores para impedir seu corte, galvanizava a juventude. Para ela, qualquer forma de exploração da natureza era predatória e atendia aos interesses dos grandes grupos econômicos. "Small is beaultiful" era seu corolário. José Lutzemberger foi seu ídolo.
Já os conservacionistas eram moderados, aglutinando especialmente os estudiosos da academia. Eles criticavam a exploração insensata da natureza, mas acreditavam na possibilidade de seu usufruto, desde que controlado. Dar valor econômico à ecologia era o grande objetivo dessa corrente. Paulo Nogueira Neto foi seu baluarte.
Na questão florestal, os preservacionistas defendiam que os parques e reservas deveriam ser santuários da fauna e da flora, intocáveis pelo homem. Já os conservacionistas sugeriam sua utilização através do turismo ecológico, por exemplo. Não se falava ainda em biodiversidade.
Venceu o conservacionismo. Mas este não teria logrado êxito sem a briga aguerrida dos verdes, que empurravam a opinião pública e os empresários para a consciência ecológica. Esse é um valor histórico do radicalismo: permitir aflorar a virtude da sensatez.
Contribuiu decisivamente na maturação do pensamento ecológico o avanço do conhecimento científico. Naquela época, imaginava-se que a Amazônia era o pulmão da humanidade. Os estudos, todavia, demonstraram que o equilíbrio ecológico da floresta empatava o jogo entre a liberação e o consumo de oxigênio. Ou seja, o pulmão natureba era falso.
A posição conservacionista evoluiu para o enfoque moderno da sustentabilidade. Processos sustentáveis exigem resultados ambientalmente equilibrados, economicamente rentáveis e socialmente justos. Um tripé de benefícios. Assumido pelos principais organismos ligados ao desenvolvimento, virou moda.
Agora, está no centro da confusão. Dizem que por defender projetos de desenvolvimento sustentável da floresta no Pará, a freira Dorothy foi assassinada. Tudo indica, vai se transformar em mártir a la Chico Mendes. Assim opera a mídia.
A pergunta fundamental é: exploração sustentável funciona, na prática, no Brasil? Teoricamente, com o grau de conhecimento adquirido, sabe-se como manejar o equilíbrio ecológico da floresta, mesmo submetida à exploração humana. Quer dizer, os limites e os riscos do usufruto já são conhecidos, ao contrário do passado, quando se discutia ecologia baseado no famoso achismo. Ou na ideologia barata.
Décadas de investigação científica permitiram descobrir como se processa a reposição do estoque de madeira. Índices determinam a idade de corte das árvores, mantendo a biodiversidade. É claro que muito ainda se descobrirá. Mas o cabedal de conhecimento existente permite, com segurança, afirmar: é possível explorar a floresta amazônica sem destruí-la. Esse é o ponto.
Sendo assim, ao encaminhar ao Congresso lei que regulamenta a exploração sustentável da floresta virgem, prevendo inclusive sua concessão, o governo respeita a boa técnica. O Incra, ao querer implantar projetos de desenvolvimento sustentável, acerta no alvo. Onde está o equívoco?
Erram os desavisados em imaginar que essa equação ambiental depende da luta de classes. Na Amazônia, como alhures, não se distingue grandes ou pequenos, ricos ou pobres, bandidos ou mocinhos. Nessa jornada, a ideologia é uma só: a conquista da madeira.
Na fronteira inóspita de Anapu, especialmente, a floresta virgem é surrupiada sem distinção política. Ali perto, na região de Marabá, os assentamentos de reforma agrária devastam e ardem a madeira tanto quanto os grileiros favorecem as serrarias. Pior, há conluio entre os miseráveis e os poderosos.
A causa da exploração sustentável da floresta merece nota dez. Somente atribuindo valor econômico aos bens naturais se poderá fazer, racionalmente, frente à pressão devastadora. Explorar para conservar, conservar para proteger.
Estranho é a ingênua onda política que se criou no país a partir do assassinato da missionária. Como no início do ambientalismo, a postura radical pode ajudar. Mas, se passar do ponto, periga confundir pobreza com ecologia. Aí, adeus conhecimento racional.
Garantir a exploração sustentável da floresta virgem é um belo desafio a ser enfrentado. Assim como, isso é importante, estimular os plantios florestais traz alívio na pressão sobre as matas nativas. Tudo isso o governo já concorda. Que bom.
Só falta explicar uma coisa: se o Ministério do Meio Ambiente evoluiu sua posição, deixando de ser sectário e acreditando na ciência, por que se opõe ainda tão radicalmente à biotecnologia? Considera os produtos transgênicos coisa do mal?
Vai saber. São os mistérios da política!


Francisco Graziano Neto, 51, engenheiro agrônomo, é deputado federal (PSDB-SP), consultor de empresas e presidente da ONG AgroBrasil. Foi presidente do Incra (1995) e secretário da Agricultura do Estado de São Paulo (1996-1998)


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