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RELIGIÃO
Censo diz que representação no clero é menor que na população brasileira; frei fala de "ideologia do embranquecimento"
Negros são minoria na igreja, revela estudo
FERNANDO MAGALHÃES
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
A representação de negros e
pardos no clero católico brasileiro
está muito aquém de sua presença
na população brasileira. A informação foi obtida no Censo Anual
da Igreja no Brasil, que foi concluído em janeiro e pela primeira
vez perguntou a cor-raça de padres, diáconos, irmãos (religiosos
não padres) e freiras.
O censo, realizado pelo Ceris
(Centro de Estatística Religiosa e
Investigações Sociais), órgão da
CNBB (Conferência Nacional dos
Bispos do Brasil), constatou que,
entre os padres brasileiros, apenas 5,5% se declaram negros, e
14,14%, pardos, enquanto 78,9%
são brancos.
Na população brasileira, esses
percentuais são de 5,9%, 41,4% e
52,1%, respectivamente.
Para determinar a cor dos religiosos, o levantamento da Igreja
Católica usou o critério da autodeclaração, o mesmo que é utilizado pelo IBGE (Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). O censo não incluiu os
bispos, por considerar o contingente irrelevante para o trabalho
de pesquisa.
Do total de 17.985 padres seculares (ligados ao bispo diocesano)
e religiosos (ligados às ordens e às
congregações), 14.059 responderam à pergunta sobre cor e raça.
Desses, 78,9% se declararam
brancos, enquanto 0,7% se disseram indígenas, e 0,4%, amarelos.
Essas últimas categorias são as
únicas em que a presença no clero
equivale à encontrada na população brasileira em geral.
Um dos representantes da Pastoral Afro na Baixada Fluminense, frei Athyton Jorge Monteiro, o
Frei Tatá, disse que o religioso negro precisa de valorização da sua
auto-estima, devido a uma " forte
ideologia do embranquecimento
existente no Brasil ".
"É difícil para muitas pessoas
admitirem sacerdotes negros. Um
padre relatou, recentemente, que
um fiel disse a terceiros na igreja
que não o escolhia para celebrar o
casamento para a foto não sair
feia", relatou.
Frei Tatá referia-se aos depoimentos dados pelos padres negros, durante o 4º Encontro das
Entidades Negras Católicas, que
no mês passado reuniu 450 lideranças leigas e religiosas em Porto
Alegre (RS).
A perspectiva de que a distribuição do clero por cor mude a curto
prazo é pequena, a julgar pela distribuição racial dos diáconos, religiosos no estágio anterior ao sacerdócio. Entre eles, a presença de
brancos é ainda maior, 86,6%, em
detrimento de negros (3,7%) e
pardos (12,6%).
A situação não é diferente entre
os irmãos, religiosos não padres
que vivem nos mosteiros e conventos. Desses, 76% são brancos,
6,4% são negros, 16,3%, pardos,
enquanto amarelos são 0,4%, e indígenas, 0,9%. Entre as 31.861 freiras que responderam sobre cor e
raça, 77,3% são brancas, 5,6% negras e 15% pardas.
Preconceito vocacional
"Isso tudo demonstra a dificuldade estrutural dos negros de estudarem e os preconceitos vocacionais que existem ainda hoje",
analisa o padre Jurandir Azevedo,
que é o coordenador da Pastoral
Afro da CNBB.
A inclusão da pergunta sobre
cor e raça no censo foi realizada a
pedido da Pastoral Afro, que alegou precisar dos dados para realizar ações pastorais com a população negra. Segundo padre Jurandir, a pastoral pedirá à Ceris uma
outra pesquisa, agora qualitativa.
A questão racial sempre foi motivo de certo mal-estar entre alguns integrantes da hierarquia religiosa no Brasil.
Em 1988, ano em que o Brasil
comemorava o centenário da
Abolição, a CNBB dedicou a
Campanha da Fraternidade ao
negro, com o lema "Ouvi o clamor deste povo".
O tema proposto provocou controvérsia na época. Na Arquidiocese do Rio de Janeiro, por exemplo, o então cardeal-arcebispo,
dom Eugenio Sales, proibiu o texto-base da CNBB e adotou um
texto próprio com outro lema,
"Defenda as Cores".
Na época, o cardeal disse considerar o texto da CNBB fora de
propósito, por supostamente privilegiar ideologias em detrimento
da mensagem cristã.
Para o bispo de Bagé (RS), dom
Gílio Felício, as descobertas do
censo são de grande relevância.
"Várias questões serão revividas,
mas a pesquisa apresentada é
uma contribuição para que se reflita sobre a valorização e estima
do negro", afirmou.
Dom Gílio representa a Pastoral
Afro no episcopado. A entidade
recebeu no início deste ano carta
do Vaticano, assinada pelo Prefeito da Congregação para os Bispos,
cardeal Giovanni Battista Re, que
incentivava o trabalho da pastoral
brasileira, mas alertava para possíveis exageros.
Em resposta à carta, a Pastoral
Afro disse que "no trabalho de inculturação vem tomando alguns
cuidados para que em celebrações
religiosas fique claro que o elemento afro presente é cultural e
não cultual".
Os dados do censo serão apresentados em abril, na Assembléia
Geral da CNBB, em Itaici, no município de Indaiatuba (SP).
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