São Paulo, sexta, 27 de fevereiro de 1998

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CELSO PINTO
Boas e más notícias


O resultado fiscal de 97, confirmado ontem, foi um desastre. Para contrabalançar a má notícia, contudo, o mercado pode escolher entre um aumento de US$ 4 bilhões a US$ 5 bilhões nas reservas, em fevereiro, e um déficit comercial muito abaixo das previsões.
As boas notícias externas chegaram na hora exata. Ajudam a acalmar os ânimos com o fiasco fiscal, pelo menos a curto prazo, e dão mais margem de manobra para a redução dos juros.
O desastre fiscal foi explicado, em parte, pelo fato de os Estados terem usado dinheiro da privatização para pagar o décimo terceiro. Como lembra Marcelo Allain, do BMC, os Estados só pagaram metade do décimo terceiro em dezembro. Calcula-se que a folha salarial dos Estados tenha sido de R$ 37 bilhões em 97. Meio salário a mais, portanto, seria, grosso modo, R$ 1,5 bilhão. O déficit dos Estados e municípios em dezembro, contudo, foi de R$ 5,1 bilhões.
O déficit primário (receita menos despesa, exceto juros) de 0,75% dos Estados e municípios no ano ajudou a transformar a meta de superávit de 1,5% do PIB na realidade de um déficit de 0,67%. De 96 para 97, todos os déficits pioraram: o primário (de 0,1% para 0,67%), o operacional (de 3,75% para 4,07%) e o nominal (de 5,87% para 5,89%). E isso apesar de a receita ter sido recorde e de o funcionalismo não ter tido aumento.
Se o governo não conseguiu melhorar o resultado fiscal no ano passado, como convencer o mercado de que conseguirá fazê-lo justo num ano eleitoral? Existem alguns argumentos a favor. Por exemplo: o impacto pleno do pacote fiscal de novembro e a assinatura dos acordos de renegociação das dívidas com os Estados. As reformas administrativa e previdenciária, mesmo se aprovadas, terão um impacto fiscal imediato mínimo.
Em suma, pelo lado fiscal, que o mercado olha com lupas gigantes, a briga por expectativas não será fácil. Os números externos, contudo, esbanjam otimismo -e o governo foi ator ativo na sua construção.
No final do ano passado, o diretor da Área Externa do Banco Central, Demósthenes Pinho Neto, disse, numa entrevista à coluna, que o governo preferia recuperar lentamente as reservas do que acelerar a entrada de dólares criando estímulos ao capital especulativo de curto prazo. Foi isso, contudo, exatamente o que o BC ajudou a fazer a partir de meados de janeiro.
Ninguém discute o fato que a enxurrada de dólares nas últimas sete ou oito semanas é, em grande medida, dinheiro de curto prazo atraído pela arbitragem: a diferença entre o custo externo e a aplicação no Brasil. E esta diferença cresceu porque caiu a cotação do dólar no mercado futuro, ajudada pela generosa oferta de papéis do governo indexados ao dólar, de um lado, e pela presença do governo como vendedor de dólar no mercado futuro, de outro.
Se queria evitar tanta entrada de capital de curto prazo, o BC poderia ter reduzido a remuneração do aplicador externo reduzindo os juros, saindo do mercado futuro ou ofertando menos títulos indexados. Não quis. Preferiu ver o país inundado dos dólares que, há algum tempo, o BC chamava de "dinheiro ruim".
Uma razão para ter ficado com os dólares e esquecido os adjetivos pode ter sido acumular um colchão de reservas que ajude a travessia até a aceleração da privatização. Outra razão para acumular muitas reservas é criar um clima positivo que pode facilitar uma redução mais rápida dos juros -vital para aliviar os gastos fiscais-, sem comprometer a entrada de dólares.
Quaisquer que tenham sido as razões em janeiro, nas últimas semanas, quando ficou claro o desastre das contas fiscais em 97, o acúmulo de reservas tornou-se ainda mais importante. Da mesma forma, o surpreendente resultado da balança comercial em fevereiro pode ter tido uma mãozinha do governo.
O mercado estimava um déficit de US$ 500 milhões. Faltando três dias úteis para fechar o mês, o déficit estava em apenas US$ 170 milhões. Somam-se reclamações de que a volta dos registros de importações tem criado lentidão num processo que, até então, era automático.
Se entraves burocráticos estão represando algumas importações, isso acabará aparecendo nos meses seguintes. Ainda assim, ter uma surpresa a favor na balança, a essa altura, tornou-se mais do que bem-vinda.




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