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Porta de saída do programa é superfaturada
Cálculo de desligamentos voluntários do Bolsa Família inclui duplicidade de cartões e beneficiados com renda além do permitido
Para suspender benefícios indevidos de forma rápida, funcionários tiveram de registrar como espontâneas as saídas por irregularidades
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
O número de desligamentos
voluntários do Bolsa Família
cresceu mais de dez vezes em
oito meses e atingiu 26.217 pessoas, segundo o Ministério do
Desenvolvimento Social. Mas o
dado, que supostamente indicaria o volume de famílias
emancipadas do programa por
superação da pobreza, é superfaturado, apurou a Folha.
"É muito difícil sair voluntariamente. Ninguém entrega o
cartão porque quer, não. É
muito raro a pessoa dizer que
[o programa] já ajudou muito e
entregar [o cartão]", afirma
Maria Albetiza da Silveira Gonçalves, gestora do Bolsa Família em Novo Gama (GO).
Registros do Ministério do
Desenvolvimento Social apontam a cidade como recordista
em número de desligamentos
voluntários: 254. Vizinha do
Distrito Federal, Novo Gama
tem população flutuante e em
situação de trabalho instável.
A maioria das famílias que
supostamente abriram mão do
programa na verdade recebia
benefícios em duplicidade, explicou a gestora local. Em cerca
de 80% dos casos registrados
como desligamento voluntário,
as famílias foram "convencidas" a entregar um dos cartões
obtidos de forma irregular.
A única forma de os gestores
cancelarem imediatamente o
pagamento indevido era lançar
a família como desligamento
voluntário, já que a duplicidade
implicaria um bloqueio preliminar do benefício por três
meses, solução mais demorada.
Minas
Foram também mais compulsórios do que voluntários os
desligamentos registrados como tal em Manhuaçu (MG). Segundo o ministério, 203 famílias teriam aberto mão do benefício na cidade. Mas a gestora
local, Carolina Breder Andrade,
diz que 95% desses registros foram casos de identificação de
renda acima dos R$ 120 mensais por pessoa da família, teto
de acesso ao programa.
"Grande parte dos beneficiários omitiu renda para entrar
no programa. Conversamos
com as famílias sobre as punições [para o recebimento indevido] e entregaram [os cartões]", conta. "A gente lançou
como desligamento voluntário
por falta de opção", disse.
O sistema de dados do programa induziu gestores a registrar como desligamentos voluntários casos que não eram
exatamente "voluntários", por
ser a forma mais rápida de suspender pagamentos indevidos.
A secretária de Renda de Cidadania do ministério, Rosani
Cunha, disse que só recentemente o sistema passou a
acompanhar com mais precisão as razões de cancelamento.
Segundo o último relatório
disponível, houve 1.030.369 casos de cancelamento dos benefícios desde o início do Bolsa
Família, em outubro de 2003.
Apenas 2,54% do total foi atribuído a desligamento voluntário. Pouco mais que 48% dos
casos resultaram de verificação
de renda acima do permitido.
Um segundo grande grupo
-26,55%- teve benefícios bloqueados por três meses, período em que foram investigados
renda ou pagamento em duplicidade numa mesma família. O
relatório atribui 13% dos cancelamentos a "outros motivos".
Em julho de 2006, quando o
governo associou os 2.000 primeiros casos registrados de saídas voluntárias à melhoria da
situação social dos beneficiados, a Folha mostrou que a
maioria das famílias que abriu
mão do benefício em Patos
(PB) havia, na verdade, migrado para o Benefício de Prestação Continuada, programa que
paga mais que o Bolsa Família.
Desde que o governo atingiu
a meta de atender 11,1 milhões
de famílias, em julho passado, a
prioridade do programa foi
transferida às ações complementares, como cursos de alfabetização -medidas que teriam por objetivo emancipar as
famílias da situação de pobreza.
(MARTA SALOMON)
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