São Paulo, terça-feira, 27 de março de 2007

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Porta de saída do programa é superfaturada

Cálculo de desligamentos voluntários do Bolsa Família inclui duplicidade de cartões e beneficiados com renda além do permitido

Para suspender benefícios indevidos de forma rápida, funcionários tiveram de registrar como espontâneas as saídas por irregularidades


DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

O número de desligamentos voluntários do Bolsa Família cresceu mais de dez vezes em oito meses e atingiu 26.217 pessoas, segundo o Ministério do Desenvolvimento Social. Mas o dado, que supostamente indicaria o volume de famílias emancipadas do programa por superação da pobreza, é superfaturado, apurou a Folha.
"É muito difícil sair voluntariamente. Ninguém entrega o cartão porque quer, não. É muito raro a pessoa dizer que [o programa] já ajudou muito e entregar [o cartão]", afirma Maria Albetiza da Silveira Gonçalves, gestora do Bolsa Família em Novo Gama (GO).
Registros do Ministério do Desenvolvimento Social apontam a cidade como recordista em número de desligamentos voluntários: 254. Vizinha do Distrito Federal, Novo Gama tem população flutuante e em situação de trabalho instável.
A maioria das famílias que supostamente abriram mão do programa na verdade recebia benefícios em duplicidade, explicou a gestora local. Em cerca de 80% dos casos registrados como desligamento voluntário, as famílias foram "convencidas" a entregar um dos cartões obtidos de forma irregular.
A única forma de os gestores cancelarem imediatamente o pagamento indevido era lançar a família como desligamento voluntário, já que a duplicidade implicaria um bloqueio preliminar do benefício por três meses, solução mais demorada.

Minas
Foram também mais compulsórios do que voluntários os desligamentos registrados como tal em Manhuaçu (MG). Segundo o ministério, 203 famílias teriam aberto mão do benefício na cidade. Mas a gestora local, Carolina Breder Andrade, diz que 95% desses registros foram casos de identificação de renda acima dos R$ 120 mensais por pessoa da família, teto de acesso ao programa.
"Grande parte dos beneficiários omitiu renda para entrar no programa. Conversamos com as famílias sobre as punições [para o recebimento indevido] e entregaram [os cartões]", conta. "A gente lançou como desligamento voluntário por falta de opção", disse.
O sistema de dados do programa induziu gestores a registrar como desligamentos voluntários casos que não eram exatamente "voluntários", por ser a forma mais rápida de suspender pagamentos indevidos.
A secretária de Renda de Cidadania do ministério, Rosani Cunha, disse que só recentemente o sistema passou a acompanhar com mais precisão as razões de cancelamento.
Segundo o último relatório disponível, houve 1.030.369 casos de cancelamento dos benefícios desde o início do Bolsa Família, em outubro de 2003. Apenas 2,54% do total foi atribuído a desligamento voluntário. Pouco mais que 48% dos casos resultaram de verificação de renda acima do permitido.
Um segundo grande grupo -26,55%- teve benefícios bloqueados por três meses, período em que foram investigados renda ou pagamento em duplicidade numa mesma família. O relatório atribui 13% dos cancelamentos a "outros motivos".
Em julho de 2006, quando o governo associou os 2.000 primeiros casos registrados de saídas voluntárias à melhoria da situação social dos beneficiados, a Folha mostrou que a maioria das famílias que abriu mão do benefício em Patos (PB) havia, na verdade, migrado para o Benefício de Prestação Continuada, programa que paga mais que o Bolsa Família.
Desde que o governo atingiu a meta de atender 11,1 milhões de famílias, em julho passado, a prioridade do programa foi transferida às ações complementares, como cursos de alfabetização -medidas que teriam por objetivo emancipar as famílias da situação de pobreza. (MARTA SALOMON)


Texto Anterior: Corte: Ministério suspende repasses a 30 mil famílias inscritas no programa
Próximo Texto: Janio de Freitas: A escolha poderosa
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.