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São Paulo, domingo, 27 de abril de 2003

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Focalizar é bom senso, diz economista

DE WASHINGTON

O economista Emanuel Skoufias, pesquisador do BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento), foi chefe da equipe de avaliação do plano mexicano Progresa entre 1998 e 2000.
Durante esse período, Skoufias e uma equipe de pesquisadores das universidades americanas de Yale, Berkeley e Pensilvânia fizeram um acompanhamento contínuo da evolução social de 24 mil famílias beneficiadas.
"O Progresa foi bem sucedido. O governo mexicano tinha interesses políticos no sentido de que desse certo", afirma.
"Não é um consenso apenas em Washington que, quando se tem pouco dinheiro, deve-se procurar empenhá-lo onde o retorno é maior. É uma questão de bom senso", disse Skoufias à Folha na quinta-feira em Washington.
No mesmo dia, em Brasília, o ministro Antonio Palocci Filho (Fazenda) afirmava: "A focalização (em programas sociais) é uma questão de bom senso, não de políticas de direita ou esquerda".
Leia a entrevista: (FCz)
 

Folha - Como o sr. avalia a experiência do Progresa?
Skoufias -
O programa foi bem sucedido, principalmente pelo fato de ter tido uma concepção geral única desde o primeiro estágio. O governo mexicano também tinha interesses políticos no assunto. Queria mostrar que haveria uma mudança importante em relação ao passado, onde o dinheiro à população carente era simplesmente distribuído sem que ocorresse uma avaliação rigorosa dos resultados.
Por isso, o então presidente Ernesto Zedillo pediu um acompanhamento meticuloso do Progresa, inclusive para poder aperfeiçoar o programa a partir dos seus resultados. E isso foi feito.
O Progresa foi continuado e conseguiu sobreviver à troca de governo. E a grande razão disso é que as avaliações mostraram que era efetivo.

Folha - Há um embate no Brasil entre os que defendem programas sociais universais e os que querem a focalização. No México, houve a focalização no Progresa. No Brasil, teme-se que dinheiro de outras áreas, como educação universitária ou mesmo da saúde, seja canalizado para um programa do tipo. Os críticos vêem nisso uma espécie de "pós-Consenso de Washington" , que visaria aprofundar o ajuste fiscal.
Skoufias -
Do ponto de vista econômico, e isso não é um consenso só em Washington. Quando se tem pouco dinheiro, deve-se procurar empenhá-lo onde o retorno é maior. É uma questão de bom senso. Se o dinheiro hoje é dirigido a atividades poucos efetivas, o melhor a fazer é tirá-lo de lá para direcionar para algo mais produtivo. No México, havia muitas indicações de que vários dos programas sociais não funcionavam. Estavam distorcidos.
Há muitos estudos em vários países que mostram que as pessoas que mais se beneficiam de sistemas de educação universal em universidades, por exemplo, não são as que representam a média da sociedade. São os mais ricos, que acabam conseguindo depois os melhores empregos.
Do ponto de vista da sociedade como um todo, seria melhor colocar esse dinheiro no combate à miséria ou em programas que dessem oportunidades para os mais pobres. Por este raciocínio, faz todo o sentido, por exemplo, transferir o dinheiro das universidades para o ensino primário.

Folha - E quanto a outros programas, como seguro-desemprego, sistema de saúde universal ou até mesmo aposentadorias por tempo de serviço?
Skoufias -
O problema com este tipo de programa é que geralmente eles existem e ninguém tem uma avaliação segura dos seus resultados. É preciso avaliá-los para tomar uma decisão com princípios mais justos e arbitrar quem vai perder ou ganhar mais.
O grande problema é esse: há muitos programas em campo e nada é avaliado direito. Um levantamento revelaria que muita coisa está mal direcionada.

Folha - O princípio da focalização em programas como o Progresa faz parte de uma orientação geral do Banco Mundial, do BID, do FMI ou do chamado Consenso de Washington?
Skoufias -
Não colocaria dessa maneira. Mas do ponto de vista dos Estados Unidos, onde há uma série de estudos nesse sentido, a conclusão clara é a de que quanto mais cedo se puder intervir no ciclo de vida dos indivíduos, mais retorno teremos do dinheiro investido na área social.
Se você quiser ajudar alguém na vida, deve fazê-lo o quanto antes, e não depois que ele estiver na cadeia. É um princípio básico, que, infelizmente, algumas sociedades não estão seguindo.

Folha - Alguns críticos acusaram o programa do presidente Lula Fome Zero de ser populista e vêem agora uma mudança na área da Fazenda e da Educação para focalizar nos mais jovens.
Skoufias -
Embora controversa, é uma idéia muito razoável. É claro que, no final, tira-se o dinheiro de um para dar a outro. Alguém vai perder. Mas as indicações que temos mostram que planos como o Progresa, que investem na educação e nutrição de crianças, são muito mais efetivos. É uma aposta menos arriscada.


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