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CELSO PINTO
O câmbio e a aposta de 98
A aposta do governo para controlar o nervosismo dos mercados
com as contas externas brasileiras, daqui até as eleições presidenciais, está cada vez mais clara.
O diretor do Banco Central,
Francisco Lopes, bota suas fichas
na combinação de três fatores:
uma política de desvalorização
cambial um pouco acima da inflação, manutenção de um alto
nível de reservas aproveitando o
mercado externo e uma deterioração mais lenta no déficit externo.
Lopes admite que o câmbio real
está valorizado. Acha, contudo,
que será possível recompor a
competitividade cambial gradualmente, ao longo dos próximos quatro ou cinco anos, sem
recorrer a uma maxidesvalorização.
A razão é que, pela primeira
vez, desde o início do Plano Real,
os preços do custo de vida estão
correndo junto com os do atacado. No custo de vida, estão embutidos os preços dos serviços e os
salários, que dispararam no início do plano e que, agora, vão
perder terreno.
O câmbio, até recentemente, vinha refletindo os preços por atacado. Como o custo de vida corria
muito acima, não só o preço dos
importados ficava barato como a
competitividade das exportações
ficava prejudicada.
Com a convergência dos índices, a desvalorização cambial já
colou, ou até superou, o custo de
vida. Por exemplo: enquanto o
câmbio foi desvalorizado em
7,3% nos 12 meses que terminaram em maio, o INPC subiu
6,9%, e o custo de vida da Fipe,
7,1%.
Lopes diz que o INPC pode cair
abaixo de 6% nos 12 meses que se
encerrarão em julho e deixa claro
que a intenção do governo é
manter a desvalorização cambial
no mesmo ritmo atual, ou seja,
em torno de 7% ao ano. Além do
ganho de 1% da desvalorização
em relação à inflação, existe um
ganho pelo não desconto da inflação dos parceiros comerciais
brasileiros, algo entre 2% e 3% ao
ano (a inflação, lá fora, encarece
os produtos que competem com
os brasileiros).
O diretor do BC deixa claro que
a intenção do governo é manter
esse tipo de ganho no câmbio real
nos próximos anos, o que é a primeira indicação explícita de alguém do governo nesse sentido.
Em quatro ou cinco anos, ganhando uns 4% a 5% ao ano,
estaria eliminada a defasagem
no câmbio real acumulada desde
o início do Plano Real, ou boa
parte dela.
Isso não significa, necessariamente, acelerar as desvalorizações. Como os índices de custo de
vida estão caindo, bastaria o governo manter o ritmo atual de
desvalorização cambial (podendo até desacelerá-lo um pouco no
futuro) que, ainda assim, haveria
um ganho relativo.
Uma das implicações de uma
política desse tipo é que não seria
possível baixar muito os juros,
para manter a atratividade na
entrada de dólares, apesar da
desvalorização mais forte. E não
há dúvida de que o governo vai
tentar atrair dólares suficientes
para manter as reservas nos níveis os mais altos possíveis.
A decisão de quarta-feira do
Conselho Monetário Nacional é
um forte exemplo. Ao permitir
que os bancos contratem empréstimos lá fora (a um custo, para
grandes bancos, de 8% ou 9% ao
ano) e apliquem o dinheiro em
NTNs cambiais (rendendo, hoje,
mais de 11% ao ano), o governo
criou um enorme incentivo à entrada de dólares.
Mesmo que a maior demanda
por NTNs reduza sua rentabilidade, o que é esperado, aplicar
em NTN transfere o risco cambial
para o governo. Não seria surpresa ver o governo se endividando
mais em dólares (emitindo
NTNs), no futuro, dobrando sua
aposta de que não vai fazer uma
máxi (caso contrário, o maior
prejudicado seria o governo).
Lopes aposta que, se o mercado
se convencer de que uma política
de ganhos graduais no câmbio
poderá levar a contas mais equilibradas no futuro, poderá aceitar melhor o desequilíbrio no presente. Além disso, ele espera que
haja um ganho, em termos de expectativas, por uma razão estatística.
O primeiro semestre do ano
passado foi de déficits externos
relativamente pequenos: eles deram um salto no segundo semestre. Por essa razão, olhando o déficit da balança comercial em 12
meses, há um salto no início deste
ano, porque a base de comparação é baixa.
De fato, o déficit comercial
anual pulou de US$ 5,5 bilhões
em dezembro último para US$
9,8 bilhões em maio, uma diferença de US$ 4,4 bilhões em apenas cinco meses. Lopes diz que o
nervosismo do mercado veio da
velocidade da deterioração dos
números.
Daqui para a frente, o cenário
muda. Já neste mês, se o déficit
comercial ficar em torno de US$
300 milhões, o buraco em 12 meses não mudará. Mesmo que o
déficit comercial chegue a US$ 12
bilhões até dezembro, como muitos prevêem, seria um salto mais
palatável, de US$ 2,2 bilhões, em
sete meses.
Lopes imagina que esse efeito
estatístico tende a acalmar o
mercado. Ele pode estar correto,
mas isso supõe, também, uma
certa acomodação no nível de
importações. Se essa acomodação
não acontecer, a preocupação
não vai desaparecer.
Nessa área, ele conta com a ajuda do encarecimento das importações provocado pela desvalorização cambial algo superior à inflação. Os estudos mostram que a
demanda por importações, principalmente, são muito sensíveis
ao preço: quanto mais baratas,
maior a demanda.
A médio prazo, talvez em quatro ou cinco anos, mais importante do que o câmbio real para a
sustentabilidade das contas externas, segundo Lopes, serão os
ganhos de produtividade nas exportações e a demanda do mercado mundial. O que depende da
continuidade das reformas econômicas.
O crucial, a curto prazo, é que o
mercado se convença de que esse
equilíbrio será possível no futuro.
Sem essa confiança, fica mais difícil financiar a transição. E as
dúvidas tendem a crescer com a
eleição presidencial de 98.
Também está claro que uma estratégia desse tipo supõe que o
crescimento será o possível num
país com juros altos e constrangido pelo desequilíbrio nas contas
externas. Uns 3% a 4% ao ano.
"É quase um almoço grátis, se
esse for o preço para assegurar a
estabilização", argumenta Lopes.
No fundo, o que está em jogo, a
seu ver, é se é possível ou não ter
uma estabilidade de preços duradoura no Brasil. Na autodefinição recente do presidente, de que
ele é uma mistura entre Campos
Salles (que fez a estabilidade) e
JK (desenvolvimentista), Lopes
acha que FHC gastará boa parte
de seu eventual segundo mandato ainda na pele de Campos Salles.
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