São Paulo, quinta-feira, 27 de junho de 2002

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PT SOB SUSPEITA

Partido encomenda parecer e barra divulgação do caso de Sto. André

Após manobra, PT mantém depoimentos a CPI sob sigilo

LIEGE ALBUQUERQUE
DA REPORTAGEM LOCAL

EDUARDO SCOLESE
DA AGÊNCIA FOLHA

O PT utilizou ontem um parecer jurídico encomendado pelo vereador José Montoro Filho (PT), presidente da CPI criada em Santo André para investigar o suposto esquema de propinas na prefeitura local, para ouvir a portas fechadas os depoimentos das testemunhas sobre o caso, impedindo a divulgação das declarações.
A decisão de manter os depoimentos sob sigilo contraria a orientação histórica do PT em episódios da mesma natureza. Em CPIs que não têm por objeto suas próprias administrações, o partido sempre marcou posição favorável à transparência e à divulgação das informações obtidas nas comissões (leia texto abaixo).
O PT sustentou a mesma atitude quando o governo federal tentou aprovar a Lei da Mordaça, que impedia procuradores, juízes e delegados de divulgarem informações sobre processos em investigação. "A aprovação dessa lei significa a restauração da censura no país", disse o deputado Antônio Carlos Biscaia (PT-RJ) em dezembro de 1999. O presidente do PT, José Dirceu (SP), reforçou: "A ameaça à democracia não é o Ministério Público, mas o crime organizado, a corrupção".
Para manter o sigilo dos depoimentos, o presidente da CPI, José Montoro Filho (PT), recorreu a um parecer da assessoria jurídica da Câmara Municipal da cidade. Em nota divulgada no final da tarde, a CPI afirmou que "decidiu tornar sigilosos os depoimentos das testemunhas (...) para preservar as investigações já iniciadas pelo Ministério Público".
A manobra exitosa do PT foi contestada por advogados ouvidos pela Folha. "É coisa da ditadura", disse o presidente da Comissão de Estudos Constitucionalistas da Ordem dos Advogados do Brasil, Paulo Lopo Saraiva: "É um contra-senso uma CPI sigilosa com base no sigilo de um processo do Ministério Público: os poderes são independentes".
O constitucionalista Marcelo Ribeiro disse que "a regra da CPI é a publicidade: a exceção é o sigilo". Para ele, "o processo corre em sigilo na Justiça, mas só valeria como justificativa levar o sigilo à CPI se algum depoente corresse risco de vida, por exemplo". Para o advogado, o fato de o processo ser sigiloso no MP não impediria que os vereadores "buscassem transparência", franqueando os depoimentos à opinião pública.

Versão oficial
Minutos antes do início dos depoimentos, por telefone, José Montoro afirmou à Folha que tinham sido as testemunhas que solicitaram o sigilo dos depoimentos. Ao ser questionado se houve vontade de sua parte para fechar as portas da CPI ao público e à imprensa, o presidente da comissão disse: "Sim, é verdade".
Antes da abertura dos trabalhos, só o presidente da comissão dizia ser favorável ao sigilo: os demais vereadores afirmavam que gostariam de "transparência".
Montoro Filho, em seu terceiro mandato na Câmara, assumiu o cargo por ser o primeiro suplente do secretário de Serviços Municipais, Klinger Luiz de Oliveira Souza. Klinger é acusado por João Francisco Daniel, irmão de Celso Daniel (prefeito de Santo André assassinado em janeiro), de ser um dos arrecadadores de propina da cidade, ao lado do empresário Sérgio Gomes da Silva. Ao Ministério Público, João Francisco afirmou ter ouvido de colaboradores da Prefeitura de Santo André que a suposta propina visava financiar campanhas eleitorais do PT.
Ao entrar na comissão para depor, por volta das 14h15, João Francisco disse que não pediu sigilo para seu depoimento: "Não concordo [com o sigilo"".
O depoimento durou cerca de uma hora e meia. O irmão do ex-prefeito permaneceu na sala da CPI com seus três advogados, mas não foi permitida a entrada de sua mulher e filha, Marguerita e Ana Cristina, respectivamente. Ambas disseram que, ao contrário do que foi anunciado pela CPI, não há proteção policial à família.
A comissão, composta por cinco vereadores (sendo apenas um de oposição ao prefeito João Avamileno, do PT), também ouviu ontem os depoimentos de Rosangela Gabrilli e de seu irmão Luiz Alberto Gabrilli Neto, da família que administra a Viação São José de Transportes Ltda. Rosangela criticou o sigilo dos depoimentos.
À Folha, ela declarou que a propina, cerca de R$ 40 mil mensais, vinha sendo paga desde 1997. Segundo ela, há acordo entre as empresas de transporte da cidade e Ronan Maria Pinto. O Ministério Público calcula que a família Gabrilli entregou cerca de R$ 2 milhões ao grupo até o fim de 2001.


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