São Paulo, quinta-feira, 27 de julho de 2000


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JANIO DE FREITAS
De um jeito ou de outro

Os depoimentos de um ministro, um ex-presidente e dois ex-diretores do Banco Central, no caso do foragido banqueiro Salvatore Cacciola e dos bancos Marka e FonteCindam, lançaram mais elementos esclarecedores sobre o caráter do governo e, daí, sobre o outro caso efervescente, o de Eduardo Jorge Caldas Pereira como ministro-secretário da Presidência da República.
A essência da narrativa de Pedro Malan é muito simples: um funcionário de segundo nível, Francisco Lopes, reuniu-se com dois funcionários de terceiro nível, Cláudio Mauch e Demósthenes Madureira de Pinho, e os três resolveram ajudar Cacciola e aqueles bancos com R$ 1,6 bilhão do Banco Central, sob a forma aparente de empréstimo que se revela doação. Malan, segundo Malan, não sabia do "socorro", que serviu para prevenir o risco de "uma crise sistêmica".
O ministro da Fazenda confessa que, embora houvesse o risco de crise grave dado um enorme buraco deixado na Bolsa de Mercadorias & Futuros, não lhe interessou ocupar-se e nem ao menos informar-se das providências discutidas na área sob sua responsabilidade legal. Bíblico, lavou as mãos diante do juiz e pôs sobre os então funcionários do BC a carga inteira do uso de R$ 1,6 bi.
Mesmo que essa distância entre o ministro da Fazenda e os deveres que lhe são afetos pudesse ser admitida, Pedro Malan não se livraria de outra impropriedade no exercício, ou de desexercício, do seu cargo. O "socorro" a Cacciola e aos bancos foi em 14 de janeiro, Francisco Lopes só foi afastado da presidência do BC em fevereiro, quando se mostrou incapaz de controlar o câmbio e a especulação de moeda. Logo, o ministro da Fazenda aprovou o "socorro" hoje considerado tão contrário à moralidade administrativa, que os três concedentes estão processados criminalmente, além da hoje diretora Tereza Grossi, e Cacciola está foragido.
No dia do "socorro", almoçaram juntos Fernando Henrique Cardoso, Pedro Malan e Francisco Lopes. É interessante que o problema na BM&F e o "risco sistêmico" tenham sido ali informados por Lopes a Fernando Henrique, inclusive com menção à necessidade de providências, e o ministro da Fazenda não tenha ouvido. No depoimento de agora, Lopes voltou a narrar a conversa com Fernando Henrique e, afinal de contas, era para isso mesmo que havia o almoço. Os dois diretores, em seus depoimentos, reiteraram sempre ter ouvido que Fernando Henrique fosse informado, por Francisco Lopes, de tudo no BC.
O que sobra são duas hipóteses. Ou o presidente da República e o ministro da Fazenda estavam informados da liberação de R$ 1,6 bilhão, e a aprovaram ou consentiram-na, o que daria outra dimensão ao processo até agora limitado aos do Banco Central; ou nem estavam informados, sendo inexplicável o "almoço técnico" dos três, e incorrem no que a lei chama de crime de responsabilidade, que melhor se chamaria crime de irresponsabilidade.
As duas hipóteses podem transferir-se para as relações entre Eduardo Jorge Caldas, quando secretário-geral da Presidência, e Fernando Henrique Cardoso e alguns ministros do primeiro mandato.


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